12/03/09

Às três é de vez (ah pois é!)

Não sou muito dada a deixar-me ir em correntes. Mas esta, além de meter livros, objectos pelos quais sinto um especial apreço, já chegou ao triplicado. Primeiro foi a Cristina Gomes da Silva. Depois foi o João Tunes. E por fim o José Mário Silva.
Além de me parecer falta de educação não responder às pessoas, a coisa lembrou-me um episódio antigo, que passo a contar antes de citar a quinta linha da página 161 do livro que tenho à mão, que foi o que me pediram.

Em tempos que já lá vão trabalhei com crianças numa colónia de férias. O grupo era heterógeneo e a minha preferida chamava-se Melanie. Também me lembro de Pascale, uma menina problemática que por vezes me fazia mandar o Rousseau às urtigas.
Um dia criei um jogo: cada criança inventava um bocadinho de uma história, cuja continuação era assegurada pela seguinte e pela seguinte… até chegarmos ao fim ou nos apetecer outra coisa.
Fomos parar à história do Lobo Mau. Alguém contou aquela parte em que o caçador mata o lobo e se prepara para retirar cá para fora a avó e o Capuchinho Vermelho.
Pascale continuou: o caçador, quando tirou o Capuchinho e a avó da barriga, já não as pôde salvar porque o Lobo, que era muito esperto, antes de engoli-las as cortara aos bocadinhos tão, tão pequeninos, que quase já nem se viam.
Melanie, que era a seguir, não se intimidou com tão pouco: o Capuchinho e a avó estavam aos bocadinhos mas o caçador, que era ainda mais esperto do que o Lobo e tinha uns olhos muito fortes, trazia um grande rolo de fita-cola no saco e colou-as muito bem coladinhas, tão bem coladinhas que nunca mais se descolaram e viveram felizes para sempre.
E acho que foi sobretudo por me ter lembrado dela que aceitei ir na corrente.

Agora a citação, e faço três, uma para cada um, dos três livros mais à mão (com a batota de nas duas primeiras ter ido à quarta linha buscar o princípio da frase…).
Encontrei Françoise sentada na cama, a ler a Florinha a Marie-Noel. (Daphne du Maurier, O Outro Eu)
O velho Kunz dava agora uma saltada a Cole Porter e divertia-se a baratinar «I’ve got you under my skin.» (Nuno Bragança, A Noite e o Riso)
– Não está a ajudar muito, pois não? (Rex Stout, O Cadáver que não se Calou)

E pronto.

6 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

O que me diverti com a sua resposta, Ana Cristina. Abraço

Ana Cristina Leonardo disse...

cristina, eu é que agradeço por me ter feito lembrar da minha adorada Melanie (e já "melhorei" um bocadinho o texto com o rousseau... tinha-o escrito à pressa, para não parecer mal-educada)

Anónimo disse...

A história da Melanie é muito, muito boa.
:)

Ana Cristina Leonardo disse...

zé, pois é, mas tem dias em que acho que o mundo é mesmo das Pascale e não há fita-cola que nos salve. de vez em quando pergunto-me: que será feito de Melanie?

Anónimo disse...

Uma delícia. Vc sabotou muito bem a corrente, dando-lhe um prefácio de calibre largo. Merece um prémio sem canga de patrocinador para celebrar a sua generosidade em partilhar delícias. Até lá, fique com o meu obrigado.

João Tunes

Ana Cristina Leonardo disse...

joão tunes, sabotar é comigo. um abraço