«Com licença – eu tive um avô americano»: assim começa Os Três Desejos de Octávio C., novela de Pedro Eiras, ensaísta e dramaturgo nascido no Porto em 1975, vencedor há dois anos do Prémio Pen Clube (ensaio) com texto onde reunia quatro pesos pesados da literatura portuguesa: Raul Brandão, Fernando Pessoa, Herberto Helder e Maria Gabriela Llansol. Desta vez, o registo é ficcional.
A primeira frase pode contar muito num livro. Anna Karénina é um exemplo clássico. Nem todos o terão lido, mas mesmo esses lhe reconhecerão o início: Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Apetece ler o resto. O mesmo para Com licença – eu tive um avô americano, embora, no romance de Pedro Eiras, o problema seja, precisamente, o resto.
A primeira frase pode contar muito num livro. Anna Karénina é um exemplo clássico. Nem todos o terão lido, mas mesmo esses lhe reconhecerão o início: Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Apetece ler o resto. O mesmo para Com licença – eu tive um avô americano, embora, no romance de Pedro Eiras, o problema seja, precisamente, o resto.
Abalançando-se a uma ficção a que subjaz assumida intenção moral, no fim há uma lição a tirar. Mais coisa menos coisa, que nem sempre das boas intenções resultam bons resultados, um pouco à maneira da historieta judaica. Que é assim. Um passarinho cai do ninho num dia de frio. Pia desesperadamente até que passa um menino que o coloca num monte de estrume ainda quente. O passarinho, quentinho, desata a cantar em louvor do salvador. É então que passa uma raposa que, ao ouvi-lo, pula sobre ele e o devora.
A moral da história são três: 1. nem sempre aquele que te põe na merda te quer mal; 2. nem sempre aquele que te tira da merda te quer bem; 3. porquê cantar quando se está na merda? Transpondo para Os Três Desejos de Octávio C.
Octávio, o protagonista, recebe em adulto do avô americano uma velha candeia de azeite, que lhe é enviada pelo correio pelo U.S. Army juntamente com uma carta onde o informam da morte do familiar, atingido por uma bomba no Iraque. Ao contrário da vida do avô, que o leitor consegue imaginar cheia de aventuras, a dele nada tem de empolgante. Responsável pelos divórcios de uma Conservatória, que fica não com certeza por acaso na rua das Parcas, leva uma vida obscura, incapaz mesmo de se declarar a Anabela, a colega de escritório (lembramo-nos de Ruben A.).
E é então que o génio da candeia, que lhe aparece nos sonhos, lhe permite pedir três desejos. Rebentando pelas costuras de altruísmo, Octávio pensa na Humanidade antes de pensar em si próprio. Antes de pensar na Anabela. Escusado será dizer que tudo lhe correrá mal, a ele e aos seus congéneres terráqueos. A intriga, não sendo original, teria funcionado se o registo de comédia se tivesse conseguido manter ao longo das 165 páginas e a linguagem não fosse tão chã apesar das piscadelas de olho literárias. Não é o caso. Embora o fim também tenha graça. O problema reside no meio. E no meio teria de estar a virtude deste romance falhado.
10 comentários:
Este post está genial!!!
qual é o teu email, sff
Girl, és uma exagerada!
Borches, o meu e-mail está na pág. do perfil
Não li o romance, mas ao ler uma frase que a Ana escreveu neste post («Octávio pensa na Humanidade antes de pensar em si próprio»), fiquei a pensar... Isto porque acredito que a literatura nos dá pistas para compreendermos um pouco melhor isso a que chamamos "natureza humana" (ou para percebermos que nunca poderemos compreendê-la totalmente). Mas: pensar na Humanidade sem mais... Humm...
O meio...
e o princípio?
Déjá vu...
Lembrei-me imediatamente do inesquecível 'Once I had a farm, in Africa' e da D Karen Blixen-Finecke, a autora.
Estou d'acordo consigo!
(a mania dos prémios e das nomeações...! somos um país que não produz mas que faz campeões)
http://br.youtube.com/watch?v=6TPYwwKAVA8
Ana, na minha opinião, que conta o que conta, só a literatura nos dá realmente pistas sobre a natureza humana; a vidinha, de per si, apenas nos fornece banalidades estatísticas, e as estatísticas valem o que valem, ou seja, muito pouco.
Uma delícia, este post. Tem mais disto (livros de que gosta de não gostar)? Embrulhe-me uma dúzia para levar, fáxavor.
Começar "com licença" é sinal de boa educação. Pierre Louÿs começou o seu "Manual de Civilidade para Meninas" "no quarto".
Pirata Vermelho, qual é o teu blogue ou não tens casa? Tens tanta graça. Farto-me de rir com os teus comentários.
Ana Cistina, obrigado por nos dares o privilégio de lermos o pirata vermelho que faz ciúmes ao Fallorca.
Parabéns pelo new look. Gosto muito mais assim. Tens imenso jeito para vestir fatinhos novos nos blogues. Foste tu? Como é que fizeste?
Só não estou de acordo com a tua embirração com o Peixoto. Não é mau, minha querida, é péssimo!
Beijinhos
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