Não sou cristã. Suponho que, mais coisa menos coisa, pelas razões que Bertrand Russell anunciou em 1927 (digo suponho porque há muito que não leio Why I Am Not a Christian). Quanto ao Ser Supremo, gosto de o imaginar algures entre o que disse Hemingway quando lhe perguntaram se acreditava em Deus – «À noite, no escuro, às vezes» – e a teologia solitária de Espinosa. Será um paradoxo, mas é assim.
O meu pai é ateu convicto, daqueles que têm como livro de cabeceira O Drama de Jean Barois. Eu não chego a tanto, não porque algo me convença do contrário, mas tão-só pelo défice de imaginação que me parece impregnar o ateísmo. Dito isto, não acredito em deuses de carne e osso, virgens engravidadas por pombas e muito menos em fogueiras como método de conversão. Cá em casa, as minhas filhas mais velhas chegaram a discutir se Cristo morrera enforcado ou levado por uma bala. Preferi não intervir no debate, que era aceso, e deixei passar o anacronismo da pólvora. Isto porque não gosto de cruzes, como terão percebido. Apesar disso, há guerras que não compro. Não compro, por exemplo, guerras fracturantes contra as ditas. Há quem faça questão nisso.
Sentado atrás de mim vinha um desses. Vivia em Monchique e não consegui perceber se era imigrante regressado com pronúncia enviesada, se estrangeiro convertido à língua camoniana. Tinha um filho que andara na escola primária em plena serra algarvia. Pelo que consegui ouvir, agora frequentava o ciclo. Em Monchique, o meu companheiro do Alfa indignara-se com o crucifixo pendurado na sala de aula. Fizera uma exposição. O Estado é laico e o Estado laico respondera-lhe que o estabelecimento devia agir em conformidade. Mais não lhe responderam. Depois soube da visita programada de um bispo e aí adoptara formas de luta mais firmes: Através de um amigo fiz saber à Fernanda Câncio o que se estava a passar. Os jornalistas apareceram e aquilo não ficou assim.
Continuo sem perceber a parte do «aquilo não ficou assim». Agora que religião é cultura, do contrário ninguém me convence. Apesar de Ockham, Giordano Bruno, Galileu e muitos mais. E, também por eles, nunca me apanharão em cruzadas. Por muito que abomine cruzes.
O meu pai é ateu convicto, daqueles que têm como livro de cabeceira O Drama de Jean Barois. Eu não chego a tanto, não porque algo me convença do contrário, mas tão-só pelo défice de imaginação que me parece impregnar o ateísmo. Dito isto, não acredito em deuses de carne e osso, virgens engravidadas por pombas e muito menos em fogueiras como método de conversão. Cá em casa, as minhas filhas mais velhas chegaram a discutir se Cristo morrera enforcado ou levado por uma bala. Preferi não intervir no debate, que era aceso, e deixei passar o anacronismo da pólvora. Isto porque não gosto de cruzes, como terão percebido. Apesar disso, há guerras que não compro. Não compro, por exemplo, guerras fracturantes contra as ditas. Há quem faça questão nisso.
Sentado atrás de mim vinha um desses. Vivia em Monchique e não consegui perceber se era imigrante regressado com pronúncia enviesada, se estrangeiro convertido à língua camoniana. Tinha um filho que andara na escola primária em plena serra algarvia. Pelo que consegui ouvir, agora frequentava o ciclo. Em Monchique, o meu companheiro do Alfa indignara-se com o crucifixo pendurado na sala de aula. Fizera uma exposição. O Estado é laico e o Estado laico respondera-lhe que o estabelecimento devia agir em conformidade. Mais não lhe responderam. Depois soube da visita programada de um bispo e aí adoptara formas de luta mais firmes: Através de um amigo fiz saber à Fernanda Câncio o que se estava a passar. Os jornalistas apareceram e aquilo não ficou assim.
Continuo sem perceber a parte do «aquilo não ficou assim». Agora que religião é cultura, do contrário ninguém me convence. Apesar de Ockham, Giordano Bruno, Galileu e muitos mais. E, também por eles, nunca me apanharão em cruzadas. Por muito que abomine cruzes.
10 comentários:
Você, na sua 'maneira engraçada', acaba de se revelar uma passe-partout do caraças.
Sinuosa! Nas voltas; que não a conheço, não sei se nas curvas...
Defina-se, senhora, mas não diga nada. Nunca ouviu dizer que "o medo de ser livre faz o orgulho de ser escravo"?
passe-partout?! Já uma pessoa não pode achar a vida complexa e desatam a insultá-la.
Não é insulto.
Os portugueses são todos cristãos.
Chega aquela melhor época do ano. Rebentam foguetes. Ou a triste alternativa.
O ateísmo e o misticismo não são incompatíveis. É aí que entrará a imaginação. Para mim (e para outros que o terão já escrito), foi o Homem que criou Deus (os deuses). Isso é imaginação (místca).
-pirata-vermelho-, se não é insulto...
Táxi, lá estás tu a contrariar-me
F, concordo que a ideia de Deus é uma ideia extraordinária. E também concordo que a imaginação é uma qualidade extraordinária.
No Livro do Desassossego, F. Pessoa/Bernardo Soares diz num fragmento: «Deus é o existirmos e isto não ser tudo» (frg. 22 na ed. da Assírio). Será esta a definição de um místico ou de um ateu? Como sugere um dos comentários anteriores, talvez não sejam coisas incompatíveis.
olá, ana cristina. parece que estiveste no almoço do círculo, mas no meio de tanta gente não nos cruzámos.
acho que o linque certo é este:
http://dn.sapo.pt/2005/12/14/sociedade/tres_anos_a_espera_tirem_crucifixo.html
o que não entendi, mas se calhar não tem importância, é o que consideras, ao certo, a cruzada.
bj
f., olá! o link que deixas não funciona mas o que está no post remete exactamente para o assunto do passageiro atrás de mim. Deixa-me que te diga que não vejo qualquer interesse jornalístico no dito. O bispo foi à escola, falou de catolicismo e perguntou se alguém teria pensado em ser padre. Então, mas de que querias que o homem falasse?
Quanto à cruzada. A questão das cruzes nas escolas tem sido encarada de duas perspectivas:
1. O Estado é laico
2. As religiões devem ser encaradas igualitariamente
Começando pelo segundo: é curioso que não se ouçam judeus crentes ou acólitos de Alá indignados com as cruzes; o que nos devia fazer pensar que se calhar o que aproxima as pessoas com fé é mais do que aquilo que as separa; por outro lado, achar que o cristianismo na Europa deve ser visto como tendo o mesmo peso e importância do que outra religião qualquer é o mesmo que eu chegar ao Japão e pregar que a figura de Cristo deve ser tão venerada como as tradições religiosas locais. Não é uma questão religiosa, esta - é uma questão histórica.
Quanto ao ponto 1 - o Estado é laico, pois sempre me ouvirás dizer: graças a deus! Já a indignação contra uma cruz na parede que leva alguém a fazer uma reclamção me parece dizer muito da forma de estar na vida do reclamante. Eu, como não crente, teria optado pelo humor e pela explicação. Primeiro, porque a minha costela anarquista não favorece requerimentos ao Estado, no qual pouco confio, depois porque perante uma cruz, apesar de tudo o que ela representa me repugnar, nunca ninguém se verá dizer va de retro, satanás. Como estilo parece-me um pouco primitivo. Tanto ou mais do que as cruzes. Mas nada disso tem importância: na realidade, o que irritou na conversa do citado passageiro foi o ele estar tão cheio de si e ter tanta falta de imaginação. Ou seja, acho que uma conversa com o bispo que visitou a escola de monchique, assim como assim, poderia ser mais interessante e divertida.
Já agora, convidemos para almoço o senhor Gonçalo M. Tavares: «Tenho a convicção de que um escritor acredita mais na palavra "deus" do que em Deus propriamente dito.» Nem teísmo, nem deísmo, nem ateísmo - verbísmo, sem mais. (Parabéns pelo seu blogue!)
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