Publica o Expresso deste fim-de-semana um artigo sobre o livro do embaixador João Hall Themido, acabado de editar pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros; João Hall Themido é aí descrito como um «dos diplomatas portugueses com maior currículo» e Uma Autobiografia Disfarçada como tendo sido esgalhado num «registo crítico, mas também humorado».
Segue-se depois a transcrição de alguns excertos, um dos quais evoca Aristides Sousa Mendes, o cônsul português em Bordéus que, desobedecendo a Salazar, salvou a vida a milhares de refugiados judeus cujo destino, não tivesse ele arriscado a carreira nesse gesto, teria sido a câmara de gás.
Passo a citar o Expresso: um «dos capítulos, porventura o mais polémico [e sublinho eu o advérbio porventura], chama-se "A mitificação de Aristides de Sousa Mendes". O embaixador acusa o cônsul de "actuação irregular". "De forma totalmente irrealista, fala-se em 30 mil" o número de vistos "concedidos em apenas alguns poucos dias pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no consulado e até nos cafés da vizinhança". Themido sublinha "a necessidade de manter disciplina nos serviços que de forma directa ou indirecta pudessem, com a sua actuação, afectar o estatuto de neutralidade" do país. Para o embaixador, Aristides foi um "mito criado por judeus e pelas forças democráticas saídas do 25 de Abril". E mais à frente: "quando a família" do cônsul, "grupos judaicos e forças da esquerda ressuscitaram o assunto, procurei saber mais sobre o ocorrido". Observa que Aristides apenas "pertencia à carreira consular, considerada carreira menor em relação à carreira diplomática". Por outro lado, o processo disciplinar ao cônsul em Bordéus "foi o último de vários de que foi alvo ao longo da carreira, quase sempre por abandono do posto ou concussão". Nota que a maioria dos processos "desapareceu misteriosamente" do MNE e que o de Bordéus está "incompleto". Assim, considera "incompreensível criticar" o Ministério, "incluindo o ministro, por ter aplicado a lei nas circunstâncias da época"».
Passo a citar o Expresso: um «dos capítulos, porventura o mais polémico [e sublinho eu o advérbio porventura], chama-se "A mitificação de Aristides de Sousa Mendes". O embaixador acusa o cônsul de "actuação irregular". "De forma totalmente irrealista, fala-se em 30 mil" o número de vistos "concedidos em apenas alguns poucos dias pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no consulado e até nos cafés da vizinhança". Themido sublinha "a necessidade de manter disciplina nos serviços que de forma directa ou indirecta pudessem, com a sua actuação, afectar o estatuto de neutralidade" do país. Para o embaixador, Aristides foi um "mito criado por judeus e pelas forças democráticas saídas do 25 de Abril". E mais à frente: "quando a família" do cônsul, "grupos judaicos e forças da esquerda ressuscitaram o assunto, procurei saber mais sobre o ocorrido". Observa que Aristides apenas "pertencia à carreira consular, considerada carreira menor em relação à carreira diplomática". Por outro lado, o processo disciplinar ao cônsul em Bordéus "foi o último de vários de que foi alvo ao longo da carreira, quase sempre por abandono do posto ou concussão". Nota que a maioria dos processos "desapareceu misteriosamente" do MNE e que o de Bordéus está "incompleto". Assim, considera "incompreensível criticar" o Ministério, "incluindo o ministro, por ter aplicado a lei nas circunstâncias da época"».
Deixando de lado o «fala-se em 30 mil», «forma cega», «neutralidade», «circunstâncias», «carreira menor» e etc., concluo que para este senhor quando se trata de escolher entre salvar uma(s) vida(s) ou a «disciplina dos serviços» e a sua regularidade, não há nunca que hesitar: opte-se pelas últimas! Perante tão miserável juízo é natural que a loucura compassiva de Aristides Sousa Mendes lhe seja incompreensível. Porque é preciso possuir alguma nobreza em si para entender um gesto nobre.
A Hall Themido assentar-lhe-á antes como uma luva a frase com que define a princesa Diana de Gales: «Escondido por detrás de um sorriso estereotipado, pareceu estar uma pessoa fria e sem interesse». A mim nem me parece, tenho a certeza.
8 comentários:
Eu também acredito em santinhos. Onde estaria o nosso querido Portugal sem eles?
Com muita piada.
Raciocínios de arara:
1)O MNE é do Estado, o Estado somos nós que andamos a pagar impostos, logo, fomos nós quem financiou a «Autobiografia» do senhor Embaixador.
2) A RTP é do Estado - em 1993 financiou um documentário da Diana Andringa - «Aristides de Sousa Mendes, o Cônsul injusticado» - que ganhou um prémio da FLAD, e que muito contribuiu para o «Mito criado por judeus»;
3) Esse documentário é referido no Instituto Camões, passou no Canal História, na RTP 1 e 2 (ainda este ano), na FR3 e IBA.
Convinha que o Estado ficasse de acordo quanto a Mitos - até são importantes - e não nos pusesse a pagar asneiras.
Excelente post sobre um homenzinho Tremido que nada deve à excelência. Gostaria de saber quais são os critérios editoriais do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Pelos vistos, publicam qualquer porcaria, como esta "Autobiografia Disfarçada".
Também li o artigo e a indignação foi tanta que já me preparava para publicar um "post" no meu cantinho. Agora já não vale a pena. A Ana Cristina Leonardo já disse tudo. Crítica incisiva e certeira, pronta a atingir os medíocres. Quanto a mim que fiquei sem assunto, olha, vou-me vingar no Sócrates (eh eh).
Magnífico post!
A edição paga pelos contribuintes foi de apenas 1 000 exemplares e deve estar prestes a esgotar-se.
É certamente controversa a questão de saber a quem pertencem os direitos de autor.
Mas admitamos que o ex-diplomata conservaria os direitos de autor.
Nesse caso, seria inaceitável que uma editora responsável desse cobertura a um texto repleto de insolências, panegíricos pessoais, destilação de invejas e desrespeito por figuras que desempenharam papéis fundamentais na História.
Le Pen, de facto, é um verme.
Os Aliados só agiram porque a partir de certa altura viram a sua integridade territorial em risco. Aliás, não precisamos de recuar muito no tempo para vermos o que acontece quando as matanças não alastram a outros territórios; os anos 90 do século XX são uma década repleta de exemplos.
A aplicação e o cumprimento da lei “nas circunstâncias da época” é uma daquelas ideias que serve para tudo desculpar. Com ela, também os nazis se podem desculpar (Eichmann, no julgamento em Jerusalém, não foi muito além desta ideia, daí a banalidade do mal a Hannah Arendt recorreu para resumir o mal nazi).
Ao embaixador Hall Themido (eu sei que o senhor não tem culpa, mas há cada nome!) eu recomendaria a leitura de Antígona, de Sófocles. Duvido é que produzisse efeitos positivos em tal burocrata.
Encontrei uma coisa boa de 12-11-2008. Refiro-me à evocação do nome de Aristides de Sousa Mendes a propósito de "Uma Autobiografia Disfarçada", livro dum diplomata de carreira.
O assunto Sousa Mendes não está bem estudado, sobretudo no que toca àquilo que tem sido chamado de desobediência. A desobediência aos superiores hierárquicos.
Em determinada altura o autor diz "... concluo que para este senhor [o autor do livro] quando se trata de escolher uma(s) vida(s) ou a «disciplina dos serviços» e a sua regularidade, não há nunca que hesitar: opte-se pelas últimas!"
Não fico admirado. Muitas vezes os diplomatas fazem exactamente isto; os nossos e os estrangeiros. A minha experiência assim mo ensinou, basta lembrar-me do que se passou, por exemplo, em ex-colónias portuguesas. Parece estranho.
A propósito de tudo e de nada passam-se coisas estranhas. Por exemplo: onde é que estavam os Revisores Oficiais de Contas do Banco Português de Negócios e do Banco Privado Português?
o "autor" sou eu.
e sobre a desobediência muito já se disse e escreveu, embora a desobediência, propriamente dita, seja um bem escasso.
quanto a outras coisas estranhas, como os revisores de contas, pois, boa pergunta.
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