19/11/08

Automedicação

Portugal ultrapassa – na velocidade dos disparates – o gigantesco acelerador de partículas sediado na Confederação Helvética. Se Eça e Ramalho fossem vivos, a biblioteca de Pacheco Pereira (mesmo somada à do Graça Moura) seria insuficiente para conter os números d' As Farpas.
Ainda não refeitos do encarniçamento da ministra da educação e ultrapassada a distracção de Constâncio, levamos com o dá e tira do «Magalhães» às crianças, ouvimos Ferreira Leite tentar ter piada em público e acabamos a confirmar que o iluminado Teixeira dos Santos é o pior ministro das finanças da UE.
Meus amigos, eu ando doente e confesso-vos que isto não ajuda nada! Vale-me a leitura, em jeito de anti-histamínico.

«I.
Myra atravessou os carris desconjuntados em direcção ao mar.
Cresciam ervas e tojo e havia chorões apodrecidos nas juntas e as traves e ferros estavam negros das marés vivas sujas de crude. Corria contra o vento, procurando saltar as arestas de cascalho e os cacos de vidro, pulando alto a entreter o frio e o seu desgosto.
O céu estava baixo e muito escuro. Havia estrias roxas e vermelhas na distância mais clareada do horizonte e pareciam, céu e mar, uma única onda a levantar-se para cobrir a terra. Myra tirou os sapatos e as meias rotas e ficou parada a ver aquele assombro. Se corresse por ali adentro ninguém daria com ela nunca mais, nem no país dali, nem em nenhum outro.
Assoou-se à bainha da saia e limpou o resto da cara à manga do casaco esburacado que a mãe lhe fazia usar em casa e que dizia que viera de lá. Myra lembrou-se da neve em cima dos telhados de ouro e loiça. E os blinis que não tinham nome nesta terra. Ao princípio nada tinha nome. E a avó, com ela pela mão à porta das igrejas, o cheiro de mil velas, a estender-lhe a mão, a esconder-lhe a mão. Tanto medo. […]»
Maria Velho da Costa, Myra, 2008, Assírio & Alvim (o começo...)

7 comentários:

Anónimo disse...

Não tenho muito o hábito de comentar, mas dá-se a feliz coincidência de ontem, ao fim de já longos anos, nos termos reencontrado - eu, agora, já sem bigode e mais gordo - no lançamento da nova edição de Requiem Para D. Quixote, de Dennis McShade,e de acabar de ler, aqui na tua casa, um excerto de Myra, de Maria Velho da Costa. Trata-se, no meu modesto entendimento, de um dos grandes livros de 2008. Li e reli e não me canso de aconselhar a sua leitura.
As melhoras e boas leituras.
LG

Ana Cristina Leonardo disse...

foi o Manel que me deu ontem (já estou a devorar, como notaste). obrigada pelas melhoras (o dennis até ajudou...)

Anónimo disse...

O Aníbal Rodrigues a semana passa na rua da Anchieta, em conversa com um alfarrabista teceu os seguintes comentários:

i. Essa Maria excede-se. O exemplo foi qq coisa de enrubescer que era um disparate de frase

ii. O Machado escreveu um livro e um livro apenas e todos os restantes estão mal escritos com muitos disparates.

iii. e, o Mexia não vai ter tempo para ser um grande crítico literário por causa do cargo que ocupa na cinemateca.

Desculpem-me a inconfidência, oK?

Joana Lopes disse...

Estou mesmo quase a acabar: quando sai um livro da M.V. da Costa, passa à frente do que está em fila de espera.

Anónimo disse...

fernandes e não rodrigues

Ana Cristina Leonardo disse...

joana, a MVC é superlativa.
quim, sempre abominei o traz e leva, mas não será afinal cavaco silva?

Anónimo disse...

Andas doente? Oh, miúda, abinha-te, afiba-te e abafa-te.
Deita-se que isso passa, sério :)