Para alguns, A Sociedade do Espectáculo continua a ser a bíblia a que se recorre em caso de dúvida. Publicado originalmente em 1967 em França, de texto marginal passou a obra de culto e referência, sobrevivendo ao tempo e ao seu autor, Guy Debord (1931-1994). Título que se converteu, entretanto, em conceito banalizado, citado por publicitários e comunicadores update, nele se expõe, contudo, a mais radical das críticas à sociedade moderna, profecia de Cassandra que antecipa o actual modelo global e tecnológico, confrontando-nos com a nossa vulnerabilidade face a uma máquina avassaladora que se constitui como realidade única: «[o espectáculo] é o sol que não tem poente, no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície do mundo e banha-se indefinitivamente na sua própria glória». E é precisamente pela análise das teses presentes nesse livro que se inicia Guy Debord do ensaísta alemão Anselm Jappe, também autor de As Aventuras da Mercadoria (Antígona em 2006).
Não se trata de uma biografia. Aliás, logo no «Prefácio à Edição Portuguesa», Jappe deixa isso bastante claro: «(...) a perspectiva historiográfica, biográfica e anedótica é um aspecto meramente secundário nesta obra. A sua preocupação principal reside na análise teórica, na busca das fontes do pensamento de Debord, na demarcação do seu posicionamento em face da teoria marxista e na comparação com outros autores seus contemporâneos».
Ensaio de reflexão política, portanto, que deixa de fora aspectos mais ligados ao «Debord poeta», a sua leitura pressuporá algum conhecimento do pensamento do teórico e cineasta francês que fez da contestação uma forma de vida, mesmo se não podemos deixar de considerar seriamente a advertência lançada por José Bragança de Miranda, em texto que lhe é dedicado: «(...) pelo menos desde há 20 anos se tem vindo a fazer com Debord o que já tinha sido feito a McLhuan. A sua redução a uma fórmula: a sociedade do espectáculo, metonímia de Debord, como o TIDE é a metonímia dos detergentes».
Conseguirá Debord subtrair-se a essa integração? O homem a quem o Maio de 68 tantas palavras de ordem deve e que até ao fim recusou submeter-se (suicida-se aos 64 anos driblando a morte que a doença lhe pressagia), militante marginal cuja obra completa acabaria publicada na conceituada Gallimard, membro do movimento artístico/político Internacional Situacionista dado a cisões, solitário mergulhado no mundo, megalómano e visionário – acabará, também ele, reduzido a celebridade hollyoodesca, triturado pela lei do espectáculo da qual, segundo o seu sombrio Comentários sobre a Sociedade do Espectáculo (1988), já não parece haver saída?
Anselm Jappe é, claramente, um admirador do homem e da obra, tentando, neste ensaio, sublinhar a actualidade das teses de Debord, que o tempo não teria caducado. Apesar disso, estamos longe de um elogio acrítico, de um panegírico militantemente «Guy The Bore», como lhe chamaram em tempos, num registo provocatório que talvez o próprio pudesse subscrever, os membros (anónimos) do Luther Blissett Project. Leia-se, pois.
Guy Debord, Anselm Jappe, Antígona, 2008
Não se trata de uma biografia. Aliás, logo no «Prefácio à Edição Portuguesa», Jappe deixa isso bastante claro: «(...) a perspectiva historiográfica, biográfica e anedótica é um aspecto meramente secundário nesta obra. A sua preocupação principal reside na análise teórica, na busca das fontes do pensamento de Debord, na demarcação do seu posicionamento em face da teoria marxista e na comparação com outros autores seus contemporâneos».
Ensaio de reflexão política, portanto, que deixa de fora aspectos mais ligados ao «Debord poeta», a sua leitura pressuporá algum conhecimento do pensamento do teórico e cineasta francês que fez da contestação uma forma de vida, mesmo se não podemos deixar de considerar seriamente a advertência lançada por José Bragança de Miranda, em texto que lhe é dedicado: «(...) pelo menos desde há 20 anos se tem vindo a fazer com Debord o que já tinha sido feito a McLhuan. A sua redução a uma fórmula: a sociedade do espectáculo, metonímia de Debord, como o TIDE é a metonímia dos detergentes».
Conseguirá Debord subtrair-se a essa integração? O homem a quem o Maio de 68 tantas palavras de ordem deve e que até ao fim recusou submeter-se (suicida-se aos 64 anos driblando a morte que a doença lhe pressagia), militante marginal cuja obra completa acabaria publicada na conceituada Gallimard, membro do movimento artístico/político Internacional Situacionista dado a cisões, solitário mergulhado no mundo, megalómano e visionário – acabará, também ele, reduzido a celebridade hollyoodesca, triturado pela lei do espectáculo da qual, segundo o seu sombrio Comentários sobre a Sociedade do Espectáculo (1988), já não parece haver saída?
Anselm Jappe é, claramente, um admirador do homem e da obra, tentando, neste ensaio, sublinhar a actualidade das teses de Debord, que o tempo não teria caducado. Apesar disso, estamos longe de um elogio acrítico, de um panegírico militantemente «Guy The Bore», como lhe chamaram em tempos, num registo provocatório que talvez o próprio pudesse subscrever, os membros (anónimos) do Luther Blissett Project. Leia-se, pois.
Guy Debord, Anselm Jappe, Antígona, 2008
(As capas foram roubadas aqui)
13 comentários:
Fixo-me na expressão "movimento artítico/político". Voo para além da gralha ou com ela e falho-me também no acto. Artítico em vez de artístico ou de artrítico? Não aspirarão todos os movimentos artísticos a desarticular a moda que serve ao espectáculo da crítica e a alimenta? Ou seja, não serão todos eles... artríticos?
Abençoadas gralhas!...
apesar de ter abençoado a gralha, vou corigir
Não coriga: corrija, simplesmente!
Freud, Freud...
isto hoje está mal!
até já estou com medo de clicar em «publicar o comentário»
Não é motivo bastante (creio) para se (neologisticamente) haraquirar (Santo Houaiss que me perdoe!).
Ahahaha
"[o espectáculo] é o sol que não tem poente, no império da passavidade moderna."
Não sei se "passavidade" é gralha, mas se for é uma gralha admirável.
"posiocionamento"
esta é gralha claro.
mas eu não mudava o "passavidade", acho que traduz melhor o que o debord queria dizer
Isto agora tem ratings? Acho que inaugurei então. Dei 4 estrelinhas a este, nada mau.
vejo que tenho leitores atentos...
Tom Waits em conferência de imprensa. Todas deviam ser assim!
A par da editora Antígona, gerência do pantagruelesco escalabitano Oliveira de boa-sorte, o blogue 2+2=5 tem sido, sem falsas modéstias, o arauto irregular e ateu da imensa revolução posta a mexer por Guy Debord, de quem PH. Sollers, o maestro-editor da Gallimard que fez tudo para lhe publicar as obras completas,diz e sublinha, " ser o último dos metafísicos do séc.XX ".
A cena cultural portuguesa tem destes paradoxos: são os médias mais intrincadamente " feitos " com o sistema neo-liberal-ilegal-despótico, a par do " caixote-do-lixo do capital" , a Universidade, que se " atrevem " a vender gato por lebre, a tentar contrabandear conceitos e afectos, assumindo, cinicamente, aquela pose tantas vezes denunciada por Debord: " A teoria- em torno da Sociedade do Espectáculo- deve ser perfeitamente inadmissível. Todos os que querem destruir esta sociedade, devem formular uma teoria que a explique, fundamentalmente. Será necessário que possa declarar mau, perante a estupefacção indignada de todos que o acham razoável, o centro do mundo, devido ao facto de o ter analisado na sua mais íntima estrutura. A teoria do espectáculo responde a estas duas exigências ". Salut! FAR
gralhas decapitadas.
quanto às estrelinhas (tão espectaculares) não sei como tinham aparecido na Pastelaria mas já foram à vida.
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