10/02/08

«O que há em mim é sobretudo cansaço»

Há alturas em que a poesia nos fala mesmo ao coração: «Go, go, go, said the bird: human kind/ Cannot bear very much reality». Tal e qual. Fora isso, tudo bem, como diria o Senhor Comentador ou se escreveu em tempos no meu blogue preferido: Parecemos lobos em deserto puro. Mas não muito! Fugimos à nova noite negra política que se instalou definitivamente entre nós. Não temos nada a dizer, não temos nada a contar. Não adormecemos ainda mas também não vemos o sol. Estamos cansados de estar cansados.
Eu tão cansada me sinto que seria o caso de me despedir já, se patrão tivesse, fazendo minhas as palavras de Gregório Rocha Novo, membro da direcção da CIP: «Um trabalhador que esteja cansado física ou psicologicamente – porque está mais velho, porque tem problemas familiares, porque trabalhar naquela empresa não era exactamente o que pretendia ou porque se desinteressou do trabalho – deve poder ser despedido por justa causa».
Diminuto será o consolo, mas desmolarizada não estou só. Comigo, os ministros da economia do Clube dos milionários, familiarmente conhecidos por G7, que também eles vêm a coisa preta, suponho que apenas para contrariar o optimismo crónico do nosso Manuel Pinho que já em 2006 se dignara partilhar connosco o tão bem guardado Segredo: «foco claro, acção e ausência de medo».
Convindo que este vocabulário new age se coaduna a 100% com o homem que nos presenteou com o ALLgarve e a West Coast, e apesar dele nos enternecer quase tanto como Chance/Peter Sellers na sua sabedoria infinita: «First comes spring and summer, but then we have fall and winter. And then we get spring and summer again», não nos deixemos sucumbir ao sentimento.
O mesmo sentimento que nos faria compreender as razões de José Miguel Júdice se, como o ilustre advogado, nos pudessemos permitir pagar 500 euros por eleven assoalhadas nem que fosse no Cacém. Não podemos. Como também dificilmente podemos entender a febre dos hospitais de charme, quando por todo o lado se escreve que a saúde está pela hora da morte.
Bastar-me-ia apenas, julgo eu, para sair deste cansaço lusitano, uma pitada de pragmatismo à la norte-americaine: «Quando eles ganham, nós ganhamos». Em vez de um bom argumento, saiu-nos o TGV, um aeroporto em Alcochete e uma ponte em parte incerta. Fora as casas do Engenheiro, o Programa de Oportunidades, os incentivos tecnológicos, as excepções aos coentros, o Tratado de Lisboa e o Museu do Joe Berardo.

De que me queixo? Ora, de nada. Aparte o facto de, entre nós, a repartição da riqueza ser a mais desigual da UE, a qualidade do ensino ser uma calamidade pública e eu própria não estar nos melhores dias, pois fora isso, tudo bem, como diria o Senhor Comentador.

5 comentários:

Joana Lopes disse...

Não desanime: a situação é desesperada, mas pode ser que não seja grave!...

A despropósito: gostei do seu artigo «Fiat Lux" no Actual. Porque é que não publica na net o que escreve por lá? Todos os fazem...
Um abraço

Anónimo disse...

A-CL: Esta é uma mensagem de coragem, fraternidade e lucidez, que, já vi/senti, são coisas que felizmente não lhe faltam.Mas não há nada como preparar o carregador( da arma da crítica e da crítica das armas...).Ora vamos lá. " A esfera das ideias é uma selva, natureza em estado selvagem, onde os indígenas estão condenados à caça e à auto-subsistência. Não há herança, não existem referências, não há acumulação primitiva: o pensamento só tem a chance a seu lado, e a defesa institiva e animal. Em termos de condições de vida, tornámo-nos criadores e produtores. Mas, mental e afectivamente, continuamos a ser caçadores- a cada momento, no pensamento e na escrita, existe uma presa e um predador. E a sobrevivência é um milagre ", J. Baudrillard, Cool Memories, V.
Tem tudo para ser feliz. Deve ter a inteligência activa para se afastar do brilho da dominação superflua, fatal e ilusória( política, mediática e ...) FAR

Unknown disse...

Só agora percebi que a Ana Cristina Leonardo, autora deste blogue, é a mesma Ana Cristina Leonardo do... Expresso! Ainda bem!
Já agora, também gostei do artigo "Fiat Lux", só não concordo com a crítica feita às teses do Sam Harris sobre a religião.
Saudações,
VA

Cristina Gomes da Silva disse...

Não quero engrossar o coro de lamentações mas que acoisa não está para grandes entusiasmos, não está.

Ana Cristina Leonardo disse...

Obrigada a todos pela solidariedade na desgraça...
Quanto ao Fiat Lux, vou pô-lo na Pastelaria, com uns acertos
Quanto ao Sam Harris, não cheguei verdadeiramente a criticá-lo, apenas acho que o Dennett é mais interessante a abordar o assunto