Vem isto a propósito dos jornais dinamarqueses terem sublinhado hoje a liberdade de expressão, voltando a publicar os cartoons de Maomé. Eu vou atrás e relembro a minha liberdade de pensar, AQUI, aproveitando para reproduzir, desta vez sem vénia, as declarações do ex- Ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral, a quem, na altura, coube representar o papel do ecuménico de serviço.
Declaração do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros sobre a publicação dos "cartoons" sobre Maomé
«Portugal lamenta e discorda da publicação de desenhos e/ou caricaturas que ofendem as crenças ou a sensibilidade religiosa dos povos muçulmanos. A liberdade de expressão, como aliás todas as liberdades, tem como principal limite o dever de respeitar as liberdades e direitos dos outros. Entre essas outras liberdades e direitos a respeitar está, manifestamente, a liberdade religiosa – que compreende o direito de ter ou não ter religião e, tendo religião, o direito de ver respeitados os símbolos fundamentais da religião que se professa.
Para os católicos esses símbolos são as figuras de Cristo e da sua Mãe, a Virgem Maria. Para os muçulmanos um dos principais símbolos é a figura do Profeta Maomé. Todos os que professam essas religiões têm direito a que tais símbolos e figuras sejam respeitados. A liberdade sem limites não é liberdade, mas licenciosidade. O que se passou recentemente nesta matéria em alguns países europeus é lamentável porque incita a uma inaceitável “guerra de religiões” – ainda por cima sabendo-se que as três religiões monoteístas (cristã, muçulmana e hebraica) descendem todas do mesmo profeta, Abraão.
Diogo Freitas do Amaral, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros»
Amen!
7 comentários:
Por que achas que o Freitas sofre de papeira?
E o Freitas, desta vez pelo menos, estava certo e - desculpando-me desde já - é quem pensa com o coração que cai em erro.
A primeira publicação é um insulto gratuito, oriundo de um jornal mais do que suspeito, a segunda, a republicação, é escabrosa - sob o manto dos pergaminhos de ocidentalidade, aponta-se directamente o dedo à comunidade que na quinzena seguinte incendiará os bairros. Estava-se à espera de quê?! Trata-se, ao fim, de apelidar de mentecapta toda uma comunidade sob fogo. Não só não é a nossa comunidade - um engenheiro pode zombar dos engenheiros, mas se quem o faz é homem de letras as coisas mudam de figura -, como está sob fogo livre, curiosamente, todos os focos explodidos até ao momento sempre empunharam essa mesma indignação justiceira, veja-se os resultados.
É só uma opinião.
Meu caro antónio, a liberdade não deve ser circunstancial. Independentemente do que diz, e do que espreita ou não por detrás da publicação dos cartoons (não sou assim tão inocente...), eu serei sempre a favor da sua publicação. Quem se sente ofendido pode recorrer aos tribunais ou pode inclusive manifestar-se na rua, já que não sou legalista.
Não se pode é admitir em caso algum que uma ofensa a nível das ideias seja resolvida com a ameaça de morte a quem as profere ou defende. A tolerância é apenas isso: equidade e equivalência de meios para resolver os conflitos.
Já agora, não será por acaso que o expoente máximo do humor em Portugal sejam hoje os gatos fedorentos, e, que eu saiba, eles nunca se tenham metido com a Igreja.
Não pretendo discutir consigo, mas quem ameaçou de morte? É aqui que está o senão. Não foi com certeza o islão, como - concordará comigo - a inquisição não foi a cristandade. Ponha assim as coisas, é o mal das generalizações. 'As mulheres-a-dias roubam' não é conclusão aceitável para a D. Mariquinhas e a D. Idalina roubaram e eram mulheres-a-dias. Esta é hoje uma perigosa postura política, que tanto serve para levianamente afirmar 'os professores são...', 'os funcionários públicos são...', 'os juízes são...' etc., como, do mesmo modo que forja uma união contra os supostos corporativismos, a pode forjar no grande mundo contra os pretensos inimigos: 'os muçulmanos são...' ou, talvez assim me entenda melhor, 'os pretos são...'. Na realidade, como recentemente pudemos ver no Paquistão, os radicais nem sequer têm grande representatividade no mundo islâmico. Porquê então insultar um profeta que, é sabido, nem sequer pode ser representado internamente, e com ele toda uma comunidade que também sabemos ser fortemente crente - independentemente do que nós possamos pensar disso? Porquê tornar coisas que são essencialmente políticas, fenómenos de uma suposta luta de religiões? E nisso, volto a dizer, o Freitas e o Soares, esses perigosos radicais, continuam a ter razão, mesmo se não a têm numa quantidade de outras. Depois, a liberdade de imprensa não pode justificar tudo, de facto, se estes cartoons fossem, não sobre muçulmanos, mas sobre judeus e nos anos trinta, escandalizar-nos-iam como campanha nazi. E note que o problema que lhe coloco, ao contrário do que parece supor, não tem nada a ver com religião.
se estes cartoons fossem, não sobre muçulmanos, mas sobre judeus e nos anos trinta, escandalizar-nos-iam como campanha nazi.
Talvez. Mas nem por isso eu seria pela sua proibição mas pela sua contestação. De qualquer forma, e embore o António queira separar religião de política, o problema é que o caso dos cartoons veio uma vez mais lembrar que essa separação é muito ténue.
De qualquer forma, o essencial da minha argumentação está num texto que coloquei aqui na Pastelaria e cujo link está neste post, clicando no AQUI referido.
Quanto às generalizações, peço desculpa mas não concordo. O exemplo das mulher-a-dias não colhe. Porque a D. Mariquinha e a D. Idalina não têm um Estado, uma teoria de suporte. Mas se entrar no Vaticano estão lá expressos os princípios e as regras. Assim como se ler o Alcorão também. Não há aqui qualquer generalização: as próprias religiões SÃO uma generalização (por isso, quando se acusa a Inquisição, acusa-se a Igreja que a criou - e isso não significa que não tenham existido católicos contrários à caça às bruxas e ao resto).
Cara Ana, espero que não se importe que assim a trate, acontece que serei dos poucos ocidentais que efectivamente leu o Corão - por curiosidade mas também por 'deformação' profissional - e essa afirmação é simplesmente falsa. O Corão não é, ao contrário do que se diz, um livro de violência, mesmo se é musculado frente à opressão - o que poderá explicar a sua crescente implantação em África, inclusive em áreas onde antes não tinha importância assinalável.
Mas que isto serve o clima geral, serve: o dividir para reinar está aí (veja-se, mais recentemente, o Kosovo) e o bode expiatório também. Desmembra-se o antigo império soviético (suposto rival político), instala-se o caos no mundo árabe (real rival geoestratégico) e o caminho está aberto.
O medo dos muçulmanos que nos explodem nos berços é útil. Mas, lembra-se, das violações, corte de orelhas e decapitações que causaram os 'terroristas' em África? E estavam, mesmo se odiosamente, no seu direito, que, de resto, acabaria sendo-lhes reconhecido. A violência que nasce do ressentimento é atroadora. E o mundo árabe (ou o que dele fizemos a régua, esquadro e golpes), só para não recuar mais, vive-o como uma segunda pele desde 1920.
O que, como saberá, deu origem, primeiro, à grande vaga do arabismo secular e, por incapacidade deste, ao clássico retorno às origens, e então o inevitável fundamentalismo (os radicais). A religião é um 'encosto' natural, isto num mundo em que tudo é efectivamente religião.
Heródoto ensinou os gregos a olhar bem para os bárbaros antes de usar o termo, apelando à compreensão do outro e seus motivos. E nós, filhos do mundo greco-latino tratamos de fazer tudo ao contrário. Bush instituiu um 'eixo do mal' e nós, satisfeitos no frenesim do medo, alargamo-lo a todo um modo da civilização.
Concordo consigo no caso da inquisição. A igreja como instituição responsável não pode escamotear a sua responsabilidade. Mas, ainda assim, esse não é o caso, não há no mundo muçulmano uma institucionalização do terrorismo.
Agora vou procurar o link.
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