21/12/07

Se há Começos que nos Levam a Devorar Compulsivamente um Livro... Então, este É com Certeza um desses

Raparigas de Escassos Recursos
Há muito tempo, em 1945, todas as boas pessoas de Inglaterra eram pobres, salvo certas excepções. Prédios em mau estado, ou sem estado possível, ladeavam as ruas, alvos de bombardeamentos cheios de destroços de gravilha, casas como dentes gigantes cujas cáries haviam sido perfuradas, exibindo as cavidades. Alguns prédios bombardeados pareciam ruínas de velhos castelos até que, vistos mais de perto, sobressaíam os papéis de parede de várias salas bastante normais, andares sobre andares, expostos, como num palco com menos uma parede; às vezes uma corrente de autoclismo suspendia-se sobre o nada do tecto de um quarto ou quinto andar; a maioria das escadas sobrevivia, como uma nova forma de arte, dando para um destino não especificado cada vez mais alto, que exigia esforços extraordinários à imaginação. Todas as boas pessoas eram pobres; ou, pelo menos, era um axioma genérico, sendo que os melhores de entre os ricos seriam pobres de espírito.
Não havia qualquer razão para alguém ficar deprimido com o cenário, seria como ficar deprimido com o Grand Canyon ou qualquer outro fenómeno terrestre sobre o qual não havia nada a fazer. As pessoas continuavam a trocar garantias de sentimentos depressivos sobre o tempo ou as notícias, ou o Albert Memorial que não tinha sido atingido, nem sequer beliscado, por bomba nenhuma desde o princípio até ao fim. [continua]
Muriel Spark, Relógio D'Água, Novembro 2007

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