18/12/07

Excitação! Excitação! Excitação!

Se eu tivesse uma livraria colocaria no seu frontispício esta frase de Groucho Marx: «Outside of a dog, a book is man's best friend. Inside of a dog it's too dark to read».
Se eu tivesse uma livraria poderia até vir a escrever um livro que começasse assim: «Eu tive uma livraria em Olhão...», e depois falaria de ilhas.
Nunca tive uma livraria: ninguém disse que a vida seria fácil, ou se disse devia ser julgado por perjúrio. Mas gosto de livrarias. Por exemplo, adoro a Galileu de Cascais. E de uma que havia no Chiado com um sininho na porta que fazia tlim-tlim-tlim-tlim quando entrávamos (é verdade que não tinha muito movimento, o que que tornaria ensurdecedora a onomatopeia...).
Mudam-se os tempos, mudam-se as livrarias. E também elas se renderam ao progresso galopante que já vem da Revolução Industrial. Se nessa altura a maior parte da malta era analfabeta com todas as letras, hoje, apesar da alfabetização que o século XX nos trouxe, às livrarias já não bastam os livros — que são, para quem não souber do que se trata, objectos tradicionalmente feitos para serem lidos.

«O livro em si não chega, porque há muita concorrência dentro da própria área da cultura e entretenimento, e é preciso reinventar o negócio e trazer alguma excitação». Foram estas sábias palavras proferidas por Teresa Figueiredo, actual directora de marketing da Bertrand, senhora que exibe no curriculum 12 anos de árduo labor na Lever, a maior multinacional de sabões e detergentes.
Numa entrevista que descobri transcrita na WEB (aqui, para ser mais precisa), quando a páginas tantas lhe perguntam (suponho que vomitando já tanto know-how):
Afinal, a Bertrand é uma loja ou uma livraria?
a resposta foi esclarecedora:

«Depende de como entendemos livraria. Se sinónimo daquele sítio pouco envolvente, com teias de aranha e pouco excitante, a Bertrand não é uma livraria. Agora, a ideia de livraria não tem de ser negativa, é uma loja onde vendo livros e tenho um ambiente agradável. Somos uma loja no sentido em que vendemos livros. Mas face ao passado, somos uma livraria no sentido de divulgar os livros e de ter como missão fazer chegar os livros a todo o lado e de divulgar os autores e a leitura. Dizer que somos apenas uma loja seria redutor.»
Quanta fluência! Quanta inteligência! Quanta modernidade!
Todas estas exclamações não passam de inveja minha, claro. Como nos dias que correm só com uma Mauser apontada à cabeça entraria numa livraria Bertrand, resta-me reconhecer que não passo de uma carcomida leitora, cheia de teias de aranha, pouco envolvente e nada, nada, excitante. Analfabeta? Reaccionária?

19 comentários:

-pirata-vermelho- disse...

'Aí vão dois...' de reforço,
eu e você!
Primeiro pela minha solidariedade com o que desmonta; segundo pela minha identificação com o que diz.

Lembrei-me, sem nexo, daquela tirada de raiva: 'Vai lamber sabão!'
(Um tanto revisteira mas adaptava-se, não acha? Ao antecedente... )

Unknown disse...

Ana, não bata no mensageiro (sim, citar shakespeare é chique), não fomos nós que entrevistamos a Teresa Figueiredo, foi a Meios e Publicidade, pelo que também lhe peço que compreenda o público a quem a entrevista se dirige.

Por outro lado, e felizmente, existem livrarias diferentes para leitores diferentes - sim, também sou capaz de frases profundas - pelo que a Ana, eu (provavelmente) e muitos outros (pronto, alguns...) iremos preferir livrarias diferentes.
Mas eu mantinha as teias de aranha claro, elas são úteis para impedir as traças de destruirem os livros.

Ana Cristina Leonardo disse...

NSL, eu sei que foi a Meios & Publicidade que entrevistou a senhora. Apenas descobri a entrevista no vosso blogue, mas vou tornar isso mais claro no meu post. Quanto a sermos leitores "diferentes" para livrarias "diferentes" é que, desculpe lá, dispenso a adjectivação... mesmo se profunda. Eu não sou "diferente" - o que essa senhora defende, em péssimo português, é que é com certeza anormal, mesmo se porventura maioritário. Há que ser preciso nos adjectivos.

Ana Cristina Leonardo disse...

-pirata-vermelho, tem graça falar em sabão, porque era o que a senhora vendia antes...

Arrebenta disse...

Quando é que vem colaborar connosco, em vez de andar para aqui sózinha?... Kisses

Unknown disse...

Já não se podem usar adjectivos inanes... o que é feito do património de termos destruídos da «langue de bois», do politiquês assemântico e eufemístico que toda a gente consome sem olhar ingredientes?
O que fazemos nós das décadas de trabalho civilizacional a destruir o significado das palavras?
E eu que sonhava fazer um «dicionário de palavras simplesmente úteis».

Compreendo o que a Ana diz, a visão actual é muito maniqueísta e quem está do lado oposto é retratado de uma forma bastante redutora. O pior é que às vezes parece que o mundo dos livros (aquele que pertencia a quem os amava verdadeiramente) se afasta para cativar os que não os amam, e de repente o nosso próprio mundo nos coloca «do outro lado», como se nós é que estivéssemos errados.
E isso, obviamente, irrita, irrita bastante até, apetece pagar numa Divina Comédia do Vasco Graça Moura e correr toda gente à tijolada.

O mundo é um local estranho e esta profissão ainda mais, acredite.

Anónimo disse...

Tenho um roteiro dos alfarrabistas de Lisboa. Como já tive de Paris:os do Quai Branly, perto de S.Germain-des-Près, sao óptimos e com todas as novidades recentes, e as Pleiade, a 50% por cento...Ana Cristina: Claro que deve conhecer a Letra Livre, cisao da Ler Devagar..., e o sr. Ferreira da Calcada do Carmo!?! E lembro-me de ver o Raul Rego em S.Pedro de Alcântara, naqueles paraísos recheados de livros do séc.XVIII e XIX...FAR

Anónimo disse...

Pepe Carvalho, o personagem de Montalbán, é que tratava bem os livros: aquecia-se com eles.

-pirata-vermelho- disse...

(por isso mesmo...)

Táxi Pluvioso disse...

Se tivesse uma livraria escreveria no frontispício: “só entra quem for analfabeto”. Porque, apenas para esses sortudos, os livros terão alguma utilidade. Escorar uma porta, acender uma lareira, substituir os pinos do bowling. Concordo – se ele incluiu também os seus livros na enxurrada – com Lobo Antunes: “uma imensa enxurrada de mediocridade enche as livrarias”. Nos livros não se aprende nada. E, dos vastos “tesoiros” da Humanidade, um ou dois valem a pena ser lidos. O resto é perder tempo, porque é preciso fazer algo, enquanto a Morte não vem.

Sobre a denúncia electrónica num post anterior: este método não presta! Porque não preserva a maior conquista democrática – o anonimato do denunciante. Há, pelo nosso querido Portugal, um movimento chamado “não apaguem a memória”, (todos aqueles que a têm sabem que a memória é selectiva), relacionado com a História no tempo do dirigente, que moldou os portugueses do século XXI. Parece que querem lembrar algumas coisas e esquecer outras.

No tempo do querido Salazar, Portugal tinha a melhor polícia política do mundo. Ela não tinha a capacidade inventiva da Stasi ou os meios financeiros e o número de agentes do KGB, mas tinha um capital precioso, como diria Estaline: a própria população. Todos os portugueses eram denunciantes em potência (haveria raríssimas excepções. Em tudo há uma minoria que sai da manada. Neste caso era ínfima).

A PIDE tinha um efeito terapêutico. Dava a possibilidade ao cidadão de tramar as pessoas de quem não gostava e, por tabela, ganhar algum dinheirito razoável. Aqui está a perversidade dos fascistas. Para receber a massa lá se ia o anonimato. Atentado aos direitos humanos que a democracia tem obrigação de corrigir. (Também estava instituída a chibadela anónima, sem chatices, limpa, na qual os portugueses se habituaram e, que, o e-mail vem pôr em causa).

Em Portugal, o dilema moral de Rousseau não se coloca. Mataria um mandarim na China para lhe ficar com a fortuna? Se isso não implicasse algum contratempo policial ou judicial ou outro? Claro que todos tocariam a campainha.

O nascer do dia 26 de Abril de 1974 encontrou um país diferente. A força da PIDE, não os seus agentes efectivos, mas a rede de informantes, desapareceu. Na RTP, nos jornais, nas fábricas etc. sabia-se quem eram os bufos, mas o milagre de Abril desabrochou o democrata que tinham dentro de si, e esfumaram-se.

Até vemos alguns na TV, a jurar que sempre foram democratas, e que os colegas eram uns imvejosos dos seus sucessos, quando os puseram a correr para o Brasil ou Espanha.

Anónimo disse...

Que injusta!
Uma livraria é uma livraria.
Uma livraria não é aquilo que um director de marketing quer. Muita menos a citada sra. (deve ser complicado aceitar isso para a sra., mas é assim).

Entre na Bertrand, entre (não estou armado).

Da última vez que lá entrei foi, como ponto de encontro. Entrei, encontrei com quem combinei e saí sem comprar nada.

E ainda deu para folhear uns quantos livros.

Ana Cristina Leonardo disse...

Por ordem:
NSL, o mundo é, sem dúvida, um lugar estranho. Pessoas como a directora de marketing da bertrand tornam-no desconfortável. E, mais uma vez, chamo a atenção para o rigor da adjectivação;
Arrebenta, sinceramente, muito obrigada pelo convite. Sobretudo porque nem sempre estamos de acordo. Mas apesar de estar longe de conseguir atirar mais rápido do que a minha própria sombra, adoro aquele final do Lucky Luke em que ele canta, dantes com um cigarro ao canto da boca, agora com uma palhinha, "I'm a poor lonesome cowboy /I've a long long way from home" - imagine isto cantado no feminino
FAR, será uma infelicidade ficarmos condenados aos alfabarristas. Estaremos a ficar velhos, como os trapos?
Milú, sempre na mouche.
Táxi Pluvioso, eu gosto dos livros do Lobo Antunes (não todos, naturalmente)
Se eu fosse Zen já teria dispensado os livros; não sou zen e, francamente, acho que não chegarei lá nesta encarnação
Enquanto a morte não vem é preciso fazer alguma coisa: também acho, até porque depois dela se calhar vai ser difícil
Há 2 ou 3 livros que merecem ser lidos - não seria tão parca, mas a essa conclusão só se chega depois de muito ler
Denúncias online e portugueses - suponho que fizesse parte dessa ínfima minoria de que fala; neste assunto seria mais parca na denúncia dos portugueses, é que como o mesmo é o ser e o nada, ao denunciar os Portugueses, iliba todos, incluindo os denunciantes;
JN, há uma coisa na língua chamada hipérbole - a próxima vez que for à Bertrand veja no dicionário. Terá é de descobri-lo no meio de tanto lixo e excitação!

Anónimo disse...

Exacto.
Exagerou.
Daí dizer que foi injusta.
Na resposta exagerou novamente.
E foi injusta novamente.

Afinal não há Meditação na Pastelaria.

Ana Cristina Leonardo disse...

há, há. O último mantra da pastelaria é: le mot juste e pas juste un mot

Anónimo disse...

juste des mots plutôt que des mots justes

Ana Cristina Leonardo disse...

Os nossos mantras não são decididos nos comentários, por muito democráticos que sejamos na Pastelaria

Ana Cristina Leonardo disse...

gralha no mantra: le mot juste eT pas juste un mot

Anónimo disse...

Ana Cristina L.: Como sabe, qualquer livraria que se preze na Europa, tem fundos editoriais,coleccoes e livros de ocasiao. Deve conhecer os 5 andares da Guibert Jeune, livraria, na Praca S. Michel; a Collins em Londres e na Kaiser Strasse, em Frankfurt,onde xistem livros novos- as coleccoes inteiras...-os usados e os de promocao de fundos editoriais. Este ano, vi isso mesmo na Bucholz, que era dirigida pelo José Leal Loureiro, e onde encontrrei livros antigos da Morais Editores, que tinha sido dele. Os alfarrabistas dos Cais do Sena, têem livros a 50 por cento, o que quer dizer, que todas as grandes coleccoes da Gallimard, Galilée, Puf e Mercure de France ou Grasset, surgem lá. Sao alternativas ao preco despótico do livro, claro.Comprei lá os últimos livros do Lyotard. Claro, ao lado do café Flore, em St-Germain-des-Près, existe a grande livraria, La Hune, onde há tudo- mas ao preco da lei.

Outra coisa ainda mais interessante, uma amiga que vive em Oxford contou-me que, na Inglaterra e nos EUA, existem Clubes de Livros anónimos, particulares, onde os seus associados, trocam livros- fazem-nos circular-entre-si. O que me parece uma belíssima opcao. A Ler Devagar e a Letra Livre sao magnificos exemplos de Livrarias, com fundos e coleccoes de bibliotecas particulares.

Salut" FAR

Ana Cristina Leonardo disse...

FAR, infelizmente não estava. Um abraço. O meu e-mail está no EU (de perfil)