MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Riso Amarelo»

«(...) não se espere da minha parte qualquer contribuição relevante para o debate actual em torno do idadismo – a nova palavra da moda que, aposto, irá ultrapassar um dia a praga do populismo.

Sobre o termo – cuja definição mais comum parece estar a ser alterada pelas queixas dos mais novos – tudo o que é essencial saber pode ser lido em "Diário da Guerra aos Porcos", livro escrito pelo grande amigo de Borges, o argentino Adolfo Bioy Casares que o publicou em 1969 (tem tradução em Portugal na Cavalo de Ferro).

Dir-me-ão: também tudo o que é essencial consta do "Eclesiastes" e nem por isso se nos paralisou o cérebro. Com certeza. Mas ver adultos, alguns já de cabelos brancos e membros enferrujados pelo reumático, a tecer loas ao TikTok, vão desculpar-me, além de ridículo e suspeitosamente oportunista, é bastante deprimente.

Foi através deste jornal que fiquei a saber da existência de uma nova profissão de garantido futuro: tiktoker. E quem nunca sonhou em pequenino em vir a ser tiktoker que atire a primeira pedra!

Longe vão os tempos em que os petizes sonhavam ser astronautas, polícias, médicos, bailarinos, futebolistas, músicos e etc. Após a avalanche de gestores, informáticos, secretários de Estado e influenciadores, tiktoker é o que é trend e – lá está –, não vem no "Eclesiastes".»

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Incertezas de Agosto»

«(...) onde pára o jornalismo?

Calma, a pergunta, tal como a estupidez, também não é de hoje. O inclassificável Karl Kraus dizia, era ainda o século XX uma criança, que a imprensa era “a prostituta de Viena”. Se dermos por boa a opinião de Kraus – e não vemos motivos para o contrário – imagine-se, mais de cem anos decorridos, o actual bordel!

Um bom sintoma do estado em que se encontra aquele que era, até há relativamente pouco tempo, considerado o quarto poder, reside no facto – lá está, um facto – de Kamala Harris não ter dado até agora nenhuma entrevista a um jornalista encartado, tendo os mentores da sua campanha preferido apostar naquilo que também até há relativamente pouco tempo se poderiam chamar happenings, com reprodução assegurada de reels, soundbites e vibes nas redes, nomeadamente no Tik Tok, o que não deixa de ser paradoxal dado as autoridades norte-americanas suspeitarem de se tratar de um meio privilegiado de propaganda da China, tendo o ainda presidente Joe Biden sancionado em Abril passado um projecto-lei que determina a sua proibição, a menos que o proprietário chinês venda a operação americana num prazo de nove meses.

Para resumir: a campanha de Kamala Harris considerou a velha imprensa irrelevante – lá está! – como assinalava há dias a insuspeita Margaret Sullivan no jornal The Guardian.

Deu-se, portanto, um upgrade, confirmando-se que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, como poetava Camões. A propósito, é o seu quinto centenário, não foi?»

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Os livros são para se comer»

«(...) A mulher que nunca largará a cor do luto viajou menos do que a mulher de olhos muito azuis. Na realidade, nunca viajou. Com uma história igualmente, se não mesmo mais difícil – mãe espanhola que cruzou o rio em fuga da Guerra Civil e marido contrabandista que cruzaria o rio em sentido contrário enfrentando tanto a Guarda Fiscal como a Guardia Civil – é a prova de que a causalidade é conceito demasiado infecundo, sobretudo quando aplicado ao comportamento humano. Sempre positiva, apesar da vida de trabalho e pobreza, sempre gentil, apesar da dureza que lhe calhou em sorte, contrasta com familiar de sangue e destino comum a quem um simples “Bom dia!” poderá acarretar como resposta: “Bom dia só se for para si!”

Penso na mulher que nunca largará a cor do luto e penso em Emily Dickinson, um génio da observação do humano, apesar da misantropia que sempre lhe vem associada, para quem “a esperança é uma coisa com penas”. Há uma leveza na mulher que nunca largará o luto que diverge em absoluto do pesar que se adivinha na mulher de olhos muito azuis.

Uma frase atribuída a William Faulkner fá-lo afirmar que um escritor não hesitará, se necessário, em roubar a mãe – o valor de um grupo de velhinhas, irrisório quando comparado com o valor de "Ode a uma Urna Grega",do poeta romântico John Keats: “If a writer has to rob his mother, he will not hesitate; the ‘Ode on a Grecian Urn’ is worth any number of old ladies”.

Arrisco que roubar a mãe será, ainda assim, mais radical do que matar a mãe. Sobretudo se interpretarmos literalmente “roubar a mãe” e metaforicamente “matar a mãe”. E se o gosto por biografias ou pela escrita confessional parece ter aumentado (Annie Ernaux veria ser-lhe atribuído o Nobel em 2022), naturalmente, sem poupar as mães, o panorama geral não deixa de ser sobretudo adocicado, a ponto, por vezes, de provocar diabetes, obesidade ou hipertensão ou tudo ao mesmo tempo. (...)»

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Então e os Bárbaros: Chegam ou não Chegam?»

«(...) A extrema-direita e as redes sociais têm servido de explicação [para a situação no Reino Unido]. Mas eu que sou do tempo dos aplausos e vivas às redes sociais aquando da chamada Primavera Árabe de 2011, pergunto-me que diferenças substanciais no seu uso se deram de ontem para hoje?

E, voltando ao caso concreto de Inglaterra, pergunto-me o que terá acontecido para o mesmo tipo de acções violentas se ver espoletado por acontecimentos de sinal contrário? Em 2011, acusava-se a extrema-esquerda de se aproveitar da morte de Mark Duggan para atacar a polícia e as autoridades. E era em nome do anti-racismo que se saía à rua. Hoje acusa-se a extrema-direita de islamofobia, de se aproveitar da morte de crianças para atacar a polícia e as autoridades. E denominam-se racistas os que saem à rua.

Não sou ingénua ao ponto de não saber que a propaganda dispensa os factos. Recordo sempre o mesmo exemplo: o anti-semitismo existiu em locais onde nunca, jamais, em tempo algum se avistara um judeu. Mas alguém devia reflectir sobre o avanço da extrema-direita em países que, até há pouco, se tinham como faróis da tolerância. Trump, Farage (que também já vi responsabilizado), Le Pen e etc. não nasceram das pedras. Temo que continuar a acusá-los de tudo e mais um par de botas ainda vá acabar por dar razão ao Elon Musk.»