MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Altas Temperaturas»

«(...) Quando, no ano já distante de 2014, Matt Taylor, astrofísico britânico e um dos responsáveis pelo sucesso da missão Rosetta, apareceu em público a chorar – reagindo à enxurrada de críticas que milhares de mulheres terráqueas e ofendidas tinham feito chegar às redes sociais –, a pedir desculpa por ter ousado vestir uma camisa de manga curta com desenhos de pin-ups, houve quem se lembrasse imediatamente da Revolução Cultural Chinesa e dos seus métodos de flagelação e humilhação públicas.

Ao contrário da frase erradamente atribuída a Sigmund Freud (não há evidência alguma de que a tenha proferido) – “Por vezes, um cachimbo é só um cachimbo” –, a camisa de Matt Taylor era tudo menos uma camisa. Esgrimindo a semiótica com uma destreza capaz de envergonhar Umberto Eco, as ofendidas (e ofendidos) deixaram Matt sem camisa e por pouco sem cabeça. E num crescendo de paranóia que em tudo vê sinais ocultos e potencialmente perversos, foram-se impondo e generalizando dois conceitos avassaladores.

Um, que já Deleuze havia detectado na psicanálise: “O mecanismo de interpretação da psicanálise pode ser resumido ao seguinte: o que quer que se diga quer sempre dizer outra coisa”; o outro, orwelliano, de que verdade e mentira são intermutáveis dependendo de quem as profere.»