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Yourcenar — uma senhora que me reconciliou com o chamado “romance histórico” (bocejo...) via A Obra ao Negro (aplauso prolongado...) — afirmou numa longa conversa com Mathieu Galey (transposta para o livro De Olhos Abertos) que, fora ela adepta da pena de morte (não era…), a violação seria um dos crimes aos quais a aplicaria. Dito isto, logo de seguida acrescenta, indiferente ao escândalo que as suas palavras poderiam provocar, inferir em certos casos de estupro algo a que chama “provocação feminina, consciente ou não”.
Para alguns, simplificando-lhe a linguagem (sacrilégio...), tal não passaria de uma versão cultivada do “Estava mesmo a pedi-las!”, o pressuposto infeliz da frase do polícia canadiano que esteve na origem das SlutWalk, manifestação que em Portugal ganhou o pitoresco nome de “Marcha das Galdérias”.
O mote do movimento é claríssimo: “Não é não!”. Estou de acordo. Mini-saias, decotes, saltos-agulha, hot pans e etc. não devem ser vistos como atenuantes em caso de atentado às suas portadoras e, muito menos, como justificativo. Se alguém quiser vestir-se de Lady Gaga e sair à rua, deverá poder fazê-lo em segurança, embora a mim, pessoalmente, me custe perceber por que razão há-de alguém querer vestir-se de Lady Gaga e sair à rua.
Assente o pressuposto — não é não, uma vítima é uma vítima e um crime é um crime por muito, pouco (ou mesmo pessimamente) vestidas que as mulheres apareçam em público — já querer criminalizar piropos e assobios julgo que nem na Arábia Saudita.
Tatiana Mendes, coordenadora de um estudo da UMAR sobre assédio sexual, deu-os, contudo, como exemplos das coisas intoleráveis a que as mulheres se sujeitam e que justificariam uma lei mais dura.
Pergunto-me, então, o que faria Tatiana se fosse homem e a Mae West lhe dissesse, como disse, a man has one hundred dollars and you leave him with two dollars; that's subtraction. Chamava-lhe sua galdéria ou chamava só a polícia?
4 comentários:
E se lhe dissesse "Is that a gun in your pocket, or are you just happy to see me?"?
Chamava a polícia por causa da posse de arma sem a respectiva licença, ou por causa do piropo ofensivo que associava felicidade à visão da actriz-mulher-objecto?
Uma sábia, a Mae West.
Subscrevo.
E acrescento:
A não resistir à tentação de mandar piropos (não sei muito bem porquê, algo muito característico do homem latino), então que sejam imaginativos e de sentido de humor apurado, de preferência.
Seria mais divertido para quem os ouve!
Marguerite Yourcenar estava na moda em Portugal nos anos 80, deve ter sido num Portugal muito restrito, o que estava na moda era o Boy George, e ainda bem pois libertou vocações.
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