09/04/11

A culpa foi do macaco

Fora O Processo escrito, não pelo Franz Kafka mas por um autor português, o mais provável seria que Josef K. não morresse no fim “como um cão”, antes continuasse a deambular até hoje pelos corredores dos tribunais feito Sísifo.
Sísifo — o grego espertalhaço que Camus usou para escrever um ensaio cuja frase de abertura (Existe apenas um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio) se tornou há muito num dito de salão, à imagem dos girassóis de van Gogh reproduzidos ad nauseam nos posters da minha juventude tendo por único rival a fotografia do Che tirada pelo Alberto Korda, caracóis, boina e olhar oblíquo — acabaria a carregar para todo o sempre uma pedra, monte acima monte abaixo, castigo dos deuses que lhe provavam, assim, que quem se metia com eles lixava-se.
Este cultivado intróito serve apenas para nos conduzir à variante popular da frase de outro francês, Sartre: O Inferno são os outros, tirada dramática que em português vernáculo se poderia traduzir por “a culpa morreu solteira”.
Não será por mal. Os portugueses parecem sofrer de uma dificuldade congénita em lidar com a finitude das coisas (que melhor exemplo do que o mito sebastianista?), o que talvez possa advir, sabe-se lá, do facto de termos nascido num país aberto à imensidão oceânica.
Em alternativa, há quem invoque uma bipolaridade tipicamente lusa — ora arrotamos passadas glórias ora nos queixamos das varizes —, efeito ou causa (os especialistas dividem-se) da inveja e desconfiança, esses flagelos nacionais encarnados no Chico esperto, figura, ela própria, ora também cheia de graça ora caída em desgraça (ver José Gil, Em Busca da Identidade — o Desnorte).
De malandreco inofensivo a mafioso de dimensão caseira ou mesmo internacional, tudo parece indicar, contudo, que o número dos pequenos Chicos espertos tende a ser ultrapassado pelo número dos grandes Chicos espertos. Até porque, parafraseando Aristóteles e Pimenta, dentro do pequeno Chico esperto estão em potência os grandes.

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