22/10/10

E porque não ressuscitar a licença de isqueiro?

Declaração de interesses: em minha casa, a televisão só serve para ver vídeos.
Dito isto, se isto fosse um país a sério a partir de Janeiro optaríamos por viver romanticamente à luz de velas. E o António Mexia mais o Guilherme Costa que fossem comer palha para Abrantes.

30 comentários:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Esta nossa historia de amor com "electricidade verde" dava uma ópera!
Receio que mais na linha da Carmen, em que o tenor se desgraça por uma poufiasse (pardon my french), do que na da Traviata, em que a senhora se deixa desgraçar pelo palerma que lhe calhou na rifa...
O "mercado" de energia é um excelente exemplo de economia planificada, em que um objectivo colectivo determina as regras a que são sujeitos os agentes económicos.
O objectivo é colocar Portugal na vanguarda das energias verdes, nem que seja para ir ensinar isso em "bad english" nas universidades americanas.
A única regra, a regra nº1, é: tudo tem de dar lucro. E é para assegurar que todos têm lucro que a ERSE calcula as tarifas que todos pagam, culminando nos consumidores.
A coisa funciona assim.
A electricidade verde é muito mais cara a produzir que a electricidade produzida a partir de combustíveis fósseis, e muitíssimo mais cara do que a nuclear. Como a regra nº1 manda dar lucro, as tarifas de aquisição de energia verde aos produtores pela EDP são calculadas para eles terem lucro, e chegam a atingir valores 6 vezes superiores ao da tarifa de venda aos consumidores. E a Drª Ana Maria Fernandes lá pode receber o seu premiozito de gestão por ter tido lucro.
Mas como a energia verde tira mercado aos produtores de energia convencional e manda a regra nº1 que eles tenham lucro, é necessário indeminizá-los por esta perda de mercado. E a EDP lá consegue obter lucro na produção, e o Dr. Mexia pode receber uma parte do seu respectivo.
E quem é que compra a energia mais cara a esta malta toda? É a EDP! E a regra nº1? Bom, a ERSE calcula a tarifa de venda ao consumidor de modo a que a EDP dê lucro apesar destas compras perdulárias... e o Dr. Mexia pode ir buscar o resto do dele.
E como no jogo das cadeiras romanas, acaba aqui a música, e paga quem ficou apeado: o consumidor...
É o exemplo mais acabado de como, ao invés do malfadado mercado, que coloca em contacto compradores e vendedores, a economia planificada coloca em contacto parasitas e parasitados.
Uma das boas razões porque sou liberal...

Pedro M. disse...

É verdadeiramente escandaloso e tudo isto se passa enquanto que, com contornos de bizarria, se discute noutras bandas o preço do leite achocolatado.

Pena é o link para o blogue da teoria da conspiração dos eco-nazis-talibans que vão dominar a terra com o seu isolamento térmico adequado das habitações, lâmpadas de poupança e bróculos da agricultura biológica local.

Acho espantoso o ataque aos subsídios das eólicas, que permitem que geremos parte da nossa electricidade, o que tem um enorme valor estratégico, desde que se invista também em "I e D":
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2010/10/politica-industrial-o-exemplo-da.html

Isto enquanto se tolera com infinita complacência que o nosso défice comercial seja completamente dominado pela importação de petróleo de ditaduras ou países questionáveis em relação a direitos humanos, dando todos os subsídios e mais alguns ao uso do automóvel.
Não consta que o nosso parque eólico sirva para financiar países que realizam bárbaros apedrejamentos, por exemplo.

Apesar do perfeitamente questionável monopólio da EDP no nosso mercado nacional não imagino o motivo que leva a comparar um dos poucos factores em que não seremos terríveis com a bodega da RTP mais o seu buraco de fundos públicos.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Pedro,
Como contribuinte e automobilista tenho de confessar que às vezes ando um bocado distraído...
Tenho a noção de pagar IA e ISP, acrescidos de IVA, IUC, portagens e, até, os parquímetros de rua mais caros da Europa.
Mas "todos os subsídios e mais alguns ao uso de automóvel" é que não estou a ver bem quem mos tem dado. Diga-mo, por favor, porque terei todo o gosto em receber aqueles a que que tiver direito! E dá sempre jeito...
Cumprimentos

Ana Cristina Leonardo disse...

Pedro M., "Pena é o link para o blogue da teoria da conspiração dos eco-nazis-talibans que vão dominar a terra com o seu isolamento térmico adequado das habitações, lâmpadas de poupança e bróculos da agricultura biológica local."
?????
Manuel, muito obrigada pelas explicações. Já agora, um acrescento: dizia-me uma vez em entrevista (que anda por aí na Pastelaria) o James Lovelock, que tb. já vi acusado de se ter vendido ao nuclear, que a energia eólica é dos maiores barretes que deus ao mundo deitou... Mas eu, claro, sou uma simples consumidora. Apenas não gosto de comprar gato por lebre.

Táxi Pluvioso disse...

É só esperar pelo carro eléctrico, então veremos o que são preços altos.

Pedro M. disse...

Com certeza Manuel Vilarinho:

-Beneficia de uma monumental rede de autoestradas e equiparadas, a MAIOR do mundo e que, mesmo após pagamento das SCUTS, muitas ainda se mantêm gratuitas. Não há sequer comparação com outros investimentos em transportes- temos a ferrovia mais miserável da Europa com 3 capitais de distrito sem comboio (as maiores cidades da Europa nesta condição). Isto é encorajar o uso de petróleo. Relembrava que quase 45% dos portugueses não tem carro e amanha-se com o que sobra depois deste monumental apoio.

-Beneficia de um generosíssimo incentivo de abate, que chega aos 1800€ por carro

-Essa de cobrar os parquímetros mais caros da Europa é bombástica, quando o estacionamento é largamente gratuito nas cidades portuguesas enquanto que em dezenas de cidades e capitais europeias se cobra portagem para entrar no centro, para não falar de , esses sim, parquímetros com preços astronómicos- é norma estacionar em Amesterdão, Estugarda ou Copenhaga em parques totalmente fora da cidade. Tendo em conta a quantidade enorme de blogues que publicam abusos no estacionamento (gratuito) acho espantosa a afirmação nesta altura.

- Já que se fala nisso, pagamos das comparativamente menores multas de estacionamento, com a pior fiscalização. Repare-se que se chama a isto, culturalmente, a "caça à multa" não "caça à infracção". O abuso é tolerado.

-Temos os valores mais altos para reembolsos por deslocações em automóveis privados

- Temos das menores áreas pedonais nas cidades, isto quer dizer que quase 50% do espaço PÚBLICO é usado pelo automóvel PRIVADO, com todos os monumentais custos de manutenção de infraestruturas que isso implica

Já não soa tão mal o tal imposto repetido sobre a compra pois não? Depois vai recuperá-lo de muitos modos diferentes.

Acho fantásticas as críticas a aquilo que produzimos ou podemos produzir nós próprios enquanto se defende a importação gigantesca de automóveis e combustível que deve andar na ordem dos milhares de milhões.
Suponho que preferimos cortar no Estado Social em vez de equilibrar a nossa balança comercial(?) por exemplo diminuindo o uso do automóvel e as importações relacionadas.


Cumprimentos

Pedro M. disse...

*maior do mundo por km per capita, obviamente

Manuel Vilarinho Pires disse...

Ana,
Não sou estudioso da matéria, nem sequer conhecia esse James Lovelock, pelo que lhe peço que interprete o que se segue no domínio abstracto, por eu não saber se é pertinente neste caso concreto.
O conceito de "vendido ao nuclear" é curioso.
Significa que terá passado a receber dinheiro da indústria nuclear para defender publicamente posições que não eram as suas anteriormente e em que continua a não acreditar, o que configura de facto aquilo que podemos qualificar como uma venda? Ou significará que ao mudar de posição passou do lado da virtude para o lado do vício, o que o pensamento religioso explica como consequência de se ter deixado possuir pelo demo ou, numa visão mais moderna, vendido a alma ao diabo?
Eu levanto esta questão porque me parece que, no domínio das ciências do ambiente, o normativo tem tendência a suplantar largamente o positivo, o que estimula que se discutam mais as posições e menos os factos que as fundamentam.
Saindo do domínio da filosofia, eu também acredito que a enegia nuclear é hoje em dia a que optimiza melhor o balanço entre ser limpa e ser económica, oferecendo o bonus que não contribuir para financiar países que realizam bárbaros apedrejmentos (se não considerarmos bárbaros os apedrejamentos de automóveis particulares pelos franceses "enragés" por não haver dinheiro para lhes pagar a "retraite" aos 60, ao contrário do que os proprietários provavelmente consideram...).
Mas o nuclear suscita uma paixão irreprimível aos seus detractores que o vêem como obra do demo, as Sodoma e Gomorra onde nos vamos consumir em pecado...

Taxi Pluvioso(?)
Ainda me lembro muito bem de um aviso que na adolescência, no início dos 70s, me fizeram sobre a experimentação de drogas que causam habituação.
As primeiras doses são sempre oferecidas. Só se começa a pagar depois de ficar agarrado. E a partir daí é o que se sabe...
Ou eu me engano muito, ou com os automóveis eléctricos vai acontecer a mesma coisa. No início são fortemente subsidiados, se se tornarem o padrão serão fortemente taxados.
Experimente à sua vontade, mas fica por sua conta e risco.

Pedro,
Agradeço a sua explicação, mas infelizmente não consegui ver nenhuma sugestão para conseguir receber pelo menos alguns de "todos os subsídios e mais alguns ao uso de automóvel".
Percebi, isso sim, mas já tinha percebido no seu comentário original, que vê a utilização de automóvel particular como um vício, e a de transporte público ou bicicleta a pedal, ou mesmo andar a pé, como uma virtude, e isso é notório no seu apelo ao justicialismo sobre o estacionamento.
Deixo-lhe só duas sugestões de reflexão, que pode usar como entender.
A primeira é que a existência da monumental rede de auto-estradas, muitas das quais mantêm gratuitas, não comprova necessariamente que há subsídios ao automóvel. Há subsídios apenas se o balanço entre os impostos cobrados ao automóvel (IA, ISP, IVA e IUC) e o dispêndio do Estado e das autarquias em infraestruturas rodoviárias pesar para este último termo. Conhece os valores e pode-os partilhar aqui?
A segunda é a de chamar subsídio ao incentivo para o abate de viaturas. Não vou entrar pela discussão sobre se é melhor manter em circulaçao viaturas antigas que gastam e poluem muito e são inseguras, ou substituí-las por viaturas novas que gastam e poluem pouco e são seguras. Mas, como sabe, o incentivo não é um subsídio. É uma redução do IA devido pela aquisição de uma viatura nova. O balanço entre o imposto e o incentivo é sempre positivo, ou seja, há um desincentivo líquido para a troca de viaturas velhas por viaturas novas.
Quanto à preferência em cortar no estado social relativamente a equilibrar a balança comercial, sugiro que fale por si em vez de fazer suposições colectivas, mais sujeitas a erro...

Kruzes Kanhoto disse...

Actualmente surtiria mais efeito a licença de telemóvel. Ou então uma taxa sobre cada chamada...Talvez houvesse mais sossego e se acabasse com o clássico "Onde estás?"

Pedro M. disse...

Manuel Vilarinho,

Agradeço a resposta. Como vivo numa cidade sou peão em primeiro lugar e condutor em segundo (é verdade)- ao contrário da sua leitura isto não vem de nenhum maniqueísmo mas do senso comum, a prova é que há bastantes vizinhos nossos a norte que lá conseguem fazer a sua vida deste modo, beneficiando de cidades mais habitáveis.

Como mencionei, é um facto que a infraestrutura rodoviária ocupa uma posição completamente desproporcional face ás nossas necessidades- muitos países prosseguem políticas de desincentivo ao uso o autómovel e disso recolhem benefícios na balança comercial, na qualidade de vida e dos transportes colectivos e na falta de dependência de um recurso não renovável e oriundo de locais politicamente instáveis.

Não acredito que o retorno fiscal com despesas com automóveis compensem a perda de espaço público, sucessivas auto-estradas parelelas, a calamidade de saúde público que é a nossa elevada mortalidade nas estradas (como é que vou contabilizar isto) e peso nas importações.

Já que falou no factor ético, este pode existir- a Venezuela e a Rússia não são propriamente democracias exemplares, a Arábia Saudita e o Irão apedrejam mulheres e assassinam os seus próprios cidadãos, devemos apoiar a importação daquilo que é fonte de receita quase exclusiva destes focos de miséria humana e instabilidade?
Se estivéssemos a falar de banir rebuçados ou sapatilhas havia boicotes, como se trata de controlar o uso do automóvel todos assobiam para o lado.

Aponta correctamente que não lhe são dados subsídios, isto é, apoios e incentivos sob forma monetária, mas a imensa infraestrutura ao seu dispôr constitui um apoio monumental- o resultado inegável é um país pobre com o maior número de km percorridos de carro em toda a União.
Sucessivos governos acharam que é isto um país desenvolvido, logo praticaram políticas que tais comportamentos encorajaram (não subsídios estritamente)enquanto fecharam 25% da nossa ferrovia, e o resultado é o que temos, a ver se se podem manter as coisas como estão após o orçamento do leite achocolatado.

Não fiz nenhum apelo ao justicialismo (não sou Peronista ?!), fiz um apelo à justiça- se se ocupa espaço público com bens privados paga-se um preço por isso se há a isenção até posso entender isso como um "subsídio ao estacionamento".

Após décadas de habituação este simples conceito de civismo é extremamente difícil de transmitir em Portugal.

Ana Cristina Leonardo disse...

Manuel e Pedro, faço desde já uma declaração de interessas: não tenho carta nem automóvel. Isso não me impede, claro, de andar motorizada quando preciso. Mas confesso que prefiro o comboio (nunca enjoo). Dito isto e voltando à vaca fria: a questão das eólicas que o Lovelock refere(autor da Hipótese de Gaia que os verdes veneraram até o senhor começar a defender o nuclera). Faz sentido termos o país pejado de moinhos de vento e andarmos a pagar por causa disso a electricidade mais cara?!
(Manuel, aqui
http://www.guardian.co.uk/environment/blog/2010/mar/29/james-lovelock
está uma boa entrevista com o dito).

Manuel Vilarinho Pires disse...

Muito obrigado pela entrevista, Ana. Vou lê-la com atenção amanhã, que hoje já é hora de fazer ó-ó...
Mas ainda respondo à sua questão das ventoinhas.
Pode fazer sentido, e pode não fazer sentido. Depende do respeito que atribuirmos à liberdade de escolha dos indivíduos.
Há indivíduos que valorizam a energia verde o suficiente para estarem dispostos a pagar mais por ela do que pela energia convencional. Outros, não.
No sistema actual somos todos obrigados a pagar a energia mais cara para financiar a energia verde, quer a valorizemos, quer não. E não temos dados para responder à sua pergunta porque não sabemos quantos consumidores estariam dispostos a pagar pelo justo valor a energia verde.
Mas há uma forma de colocar a questão à prova. É através do respeito pela liberdade de escolha dos consumidores, recorrendo ao famigerado "mercado". Como?
Seria possível e até fácil a EDP permitir a cada consumidor escolher a energia que prefere consumir (x% de combustíveis fósseis, y% de nuclear, z% de vento, e por aí fora...) e comercializar a energia de cada origem ao seu justo valor, que até pode ser semelhante à tarifa a que a EDP no sitema actual é obrigada a adquiri-la.
Num sistema assim, quem valorizasse a energia verde ao seu justo valor seria livre de a adquirir, e quem não a valorizasse não seria obrigado a subsidiá-la.
E a realidade trataria de responder à sua questão: se houvesse clientes para a energia das ventoinhas elas seriam um negócio rentável, e construir-se-iam em abundância, se não houvesse seriam um negócio ruinoso e deixariam de se construir.
Se em vez de se confiar na liberdade de escolha dos indivíduos se preferir confiar na posição de peritos, temos o sistema actual.

Pedro M. disse...

O Lovelock é certamente uma ave rara e pouco consensual, em parte devido á sua concepção escatológica das consequências do aquecimento global.
Será um excelente cientista na sua área mas não um perito em política energética, uma vez que o seu apoio ao nuclear é algo bizarro- acha uma péssima forma de gerar energia a vários níveis mas considera-a prioritária pelo seu potencial mitigador de emissões a curto prazo. Por isso se calhar as suas opiniões neste tema têm uma importância relativa.

É verdade que subsidiamos a eólica, e também , como já referi, ser desastrosa a inexistência no nosso know-how nesta área, a tolerância do monopólio no nosso mercado da energia e da corrupção no seio a EDP. Isto são problemas estruturais mas não têm nada a ver com o (bom) sentido do investimento em renováveis.

Tanto a Costa Rica como a Islândia investiram e pagaram bastante na factura energética e agora são países quase 100% autónomos em electricidade e conseguem ou estão em vias de a exportar e também a sua tecnologia. Um país que não tem petróleo, gás, carvão ou recursos minerais como o nosso tem investir na energia, que tendencialmente é cada vez mais escassa, cara e dependente de países que instrumentalizam esse poder politicamente.

Pessoalmente acho que não nos podemos dar ao luxo de não ter uma boa posição estratégica neste domínio e ficarmos (ainda mais) ao sabor de outras correntes. São opções.

Cumprimentos

Manuel Vilarinho Pires disse...

Desta vez tenho vontade de concordar com o Pedro. Seria óptimo reduzirmos radicalmente a dependência do petróleo e, de caminho, neutralizarmos o imenso poder dos parasitas que controlam a sua produção.
Mas tenho algumas dúvidas relativamente àquilo que afirma.
A primeira é que, dada a importância que atribui à questão da dependência do petróleo, e que parece atribuir à das emissões, não o vejo aflorar a alternativa do nuclear, que resolve estas duas questões de uma penada, e a preços de produção muito mais baixos que a energia convencional. É favorável ao nuclear, Pedro?
A segunda é quem considera que deve dispor da soberania para decidir se devemos investir recursos (pagar subsísios) para "ter uma boa posição estratégica neste domínio"? O Governo, juntamente com peritos, académicos, empresários e financeiros que partilhem a sua visão? Ou o "Povo", seja no papel de eleitor, seja no papel de consumidor? Se preferir a primeira alternativa (que tem para mim a desvantagem de obrigar todos à preferência de uma elite "esclarecida"), está-se bem como se está. Se preferir a segunda na vertente "eleitor" (que tem para mim a desvantagem de obrigar todos à preferência da maioria), falta informação clara que permita aos eleitores tomar a decisão em consciência, como sejam, por exemplo, os custos reais de produção de todas as tecnologias disponíveis. Se preferir a segunda na vertente "consumidor", basta garantir a existência de um mercado, cada indivíduo decidirá em liberdade usando a informação que entenda recolher para definir a sua preferência, e terão viabilidade as aternativas que os indivíduos escolherem. As decisões devem ser tomadas pela elite, pela maioria ou pelos indivíduos, Pedro?
Cumprimentos,

Manuel Vilarinho Pires disse...

Ana, já li a entrevista, que re-agradeço.
Personagem curioso, de facto, parecendo ter uma honestidade intelectual de betão, que me suscita de novo a pergunta que lhe coloquei ontem: vendido ao nuclear porque recebe dinheiro do nuclear ou apenas por ser favorável ao nuclear?
De qualquer modo, o que ele diz passa por uma daquelas coisas que eu também gosto de dizer.
A diferença fundamental entre o pensamento religioso e o pensamento científico é que o primeiro procura factos para confirmar as suas convicções, enquanto o segundo procura factos para contradizer as suas convicções.
E onde está religioso pode-se subtituir por muitos outros domínios, sempre que a preferência por uma conclusão justifica evitar perceber se ela não passa de uma tonteria.
Gostei!

Ana Cristina Leonardo disse...

Manuel, "vendido" vale o que vale. Nunca ouvi/li ninguém dizer que Lovelock recebe dinheiro do nuclear, mas já ouvi/li chamarem-lhe muitas coisas (atitude que acho muito feia atendendo ao curriculo do senhor e tb. à sua provecta idade).
Pedro, essa da escatologia tem muito que se lhe diga. Não me parece que a Lovelock se possa aplicar o adjectivo no sentido forte. Claro que ele diz que a Natureza tem regras e funciona para além da possiblidade de intervenção humana. Mas o que há de escatológico nisso? A não ser que tb. ache escatológica a afirmação de Einstein, um agnóstico, Deus não joga aos dados. E isto sim, é uma metáfora (a piada é para o Alegre não é para si).
Quanto ao resto, além de fazer minhas as perguntas do Manuel, como é que explica a aposta de Portugal nas alternativas, sabendo-se que, até 2010, o país iria investir (segundo estudo da Espírito Santo Research) 6,4 mil milhões de euros em energias renováveis, 69,4% dos quais nas eólicas?
Não lhe cheira mais a negócio fácil do que a política estrategicamente pensada? E, para terminar, se o nosso esclarecido governo tem tantas preocupações ecológicas (energéticas e, supõe-se, políticas) como explicar o namoro descarado (e para mim, indigno) de Sócrates com gente tão recomendável como Kadafi, Chavez ou mesmo a decisão de votar num anti-semita pirómano egípcio para a direcção da Unesco?

Já agora, o link da conversa com o Lovelock publicada na Pastelaria:
http://wwwmeditacaonapastelaria.blogspot.com/2007/06/vingana-de-gaia.html

Pedro M. disse...

@ACL

Só para clarificar eu quis dizer escatológico, no sentido teológico e não no seu homónimo médico. ;)

Estou totalmente de acordo com a hipócrita diplomacia real-politik em relação à energia politicamente "suja"- mais motivos temos para apostar na AQS para cortar a nossa dependência em gás natural.

Pedro M. disse...

Manuel Vilarinho,

Nem demonizo o nuclear nem vou à bola com manifestos anti-renováveis para promover negociatas em torno do mesmo, tento olhar para as coisas objectivamente, na medida do possível no meio de tanta cabeça quente.
À excepção de disparates como as primeiras gerações de bio-combustíveis e as areias betuminosas da Venezuela e do Canadá e também na procura de alternativas urgentes à queima de fósseis (por vários motivos) julgo que tudo são hipóteses que têm, sem excepção, prós e contras importantes. Acho que não há nenhum país que possa ou deva apostar em todas as opções ou em apenas uma para a sua maior autonomia energética.

No caso de Portugal, que não é um local absolutamente ideal para quase nenhuma da tecnologia que existe actualmente (ainda aguardamos as nucleares de última geração, o solar barato a mais de 25% de eficiência, as eólicas duráveis, as baterias baratas e compactas, etc) há que pensar qual é a opção mais realista para a configuração do território, da economia e da nossa capacidade técnica. Neste aspecto precisamos de algo que consigamos implantar a curto prazo, faseadamente, de forma distribuída e em que a tecnologia nos seja acessível (apesar de, sem visão, a EDP não apostar nada na I+D nacional).

Quando me perguntam qual o meio favorito de geração de energia digo que não é nenhum, a solução é fazer menos. Por outras palavras, utilizar menos energia. Aumentar eficiência no sector doméstico e industrial, tornar os organismos públicos em exemplos de conservação, combater desperdícios na distribuição, educar nesse sentido e apostar na mobilidade colectiva em vez da falácia do transporte individual eléctrico.
Estima-se que o valor da poupança potencial (não estou a dizer sacrifício) pagava um programa de barragens ou uma central nuclear e definitivamente prefiro-o aos moinhos eólicos também.

Mas como a poupança não dá "obra" para inaugurar nunca ouviremos qualquer político a falar disto.

Pedro M. disse...

(cont)

A segunda parte do seu comentário toca em bastantes temas interessantes de discutir portanto vou apenas exprimir uma ideia muito simples: a vontade do povo é soberana mas os governos coordenam e é essa coordenação que define rumos. O povo informa-se e depois decide se esse rumo, decidido para todos os efeitos por uma "elite" eleita, continua ou não a ser prosseguido.

Falamos aqui de auto-estradas: governos eleitos desde há quase duas décadas decidiram optar pela sua construção e eliminação de alternativas enquanto outros países implantavam as políticas de mobilidade opostas na mesma altura. O que sucedeu? Alguns países têm taxas de utilização de transportes elevadíssimas e caminhos de ferro que dão lucro e nós temos dependência total de importações de petróleo e automóveis e um sistema de transportes públicos em frangalhos, com a mortalidade nas estradas, cidades inabitáveis, dispersão territorial e outros danos "colaterais" que mudaram totalmente o nosso território e coesão social.

Porém o povo, no papel de eleitor e também de consumidor, aprovou sucessivamente a continuidade dessa estratégia até hoje e mesmo na eminência da sua ruptura total manifesta-se neste momento contra portagens em auto-estradas. É legítimo e sagrado que o façam? Absolutamente. Mas será desejável ou correcta a continuidade desta estratégia? Foi o povo devidamente informado do peso espantoso desta estratégia de mobilidade e de energia?

Provavelmente não. Mas podemos dizer que, sem prejuízo da democracia (acima de tudo), escolhemos o rumo que seguimos e temos hoje um país que nos reflecte.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Pedro,

Parece mais bem informado do que eu sobre o assunto. Pelo que aproveito para lhe pedir para partilhar uma informação de que eventualmente disporá: sabe-nos dar uma ordem de grandeza dos custos típicos de produção de energia em centrais térmicas, de cogeração, hidroeléctricas, nucleares, eólicas e fotovoltaicas?
Valores sem os quais uma discussão sobre estas alternativas corre sérios riscos de andar aos círculos, de se tornar numa troca de opiniões aonde ninguém aprende nada. E eu, como o Doutor Lovelock, gosto de aprender nas discussões.

Relativamente aos processos de decisão, parecem-me bem mais opacos e mesmo obscuros do que os apresenta.
E vou dar o exemplo do TGV, o comboio de encher o olho.
Os números que tenho de memória para garantir a sua viabilidade são 5 milhões de passageiros por ano (13.500 por dia) a pagar 100€ para viajar entre Lisboa e Madrid. Se tiver números mais precisos, podemos corrigir este exercício.
Se, uma vez construído, as previsões de tráfego contratualizadas não se vierem a verificar, os contratos de PPP dão origem a indeminizações compensatórias. Se houver, por exemplo, 3.500 passageiros por dia entre Lisboa e Madrid (uns bons 30 aviões), a indeminização deverá ser de 10.000 passageiros que faltam a 100€ cada, quanquer coisa como 1 milhão € por dia. Durante décadas...
Estes números não são claramente apresentdos aos eleitores, que acabam por definir as suas preferências com base em critérios vagos ou mesmo vazios como "ser moderno", "ser estratégico", "não ficar isolados da Europa"...
Por outro lado, os 5 milhões de passageiros por ano que os estudos do governo enfiam no TGV, estão também, sou capaz de apostar, nos já não me lembro quantos milhões que atafulham a Portela e criam a necessidade do um novo aeroporto.
Pelo que não devemos ficar surpreendidos se as previsões de tráfego do novo aeroporto também não se vierem a concretizar, e se formos obigados a pagar indeminizações compensatórias também a esta infaestrutura.
Aquelas cinco milhões de almas (encarnadas ou etéreas...) vão-nos custar uma pipa de massa!
E mais uma vez os eleitores vão ter de escolher com base em "ser moderno", "ser estratégico", "não ficar isolados da Europa"...
Mas, pensando bem, estes são também os argumentos com que o governo defende o investimento (subsidiação) das energias renováveis!

Pedro M. disse...

Manuel Vilarinho,

É difícil gerir a conversa com tantos temas a emergirem a cada momento, ficando no âmbito da energia não vejo qualquer relação entre um projecto de soberania energética e elefantes brancos como o TGV, auto-estradas paralelas ou mais aeroportos ainda. Se chamar "moderno" e "estratégico" a algo que é redundante basta para inviabilizar qualquer outra coisa que receba esses qualificativos então não me parece que estejamos a ser objectivos.

O "não ficarmos isolados", a "modernidade" e a "mobilidade estratégica" são importantes?

Quando temos capitais de distrito sem comboio; ligações a Espanha que podem ser feitas pela velocidade elevada a curto prazo e de forma económica e quando temos 90% do nosso tráfego de mercadorias a ser feito por rodovia (a percentagem mais alta da Europa) que, se alguém se lembra ou sequer reparou em 2008, foi a causa da falta de abastecimento em supermercados em todo o país após uma greve de apenas 3 dias (!) dos camionistas. Então sim é um bom investimento. Gastar fundos imensos num único projecto de TGV? Não, é um péssimo investimento face à renovação da ferrovia e da reestruturação do antro de tachos que se tornaram a CP e REFER, para além dos motivos que bem descreveu.

Há que ser objectivo. O novo plano nacional de barragens por exemplo, uma energia (mais ou menos) renovável, é eficiente, traz benefícios ambientais e é um bom investimento?
Pesando tudo provavelmente não, especialmente quando há um potencial enorme para eficiência.

Sintetizando, existem três frentes de ataque na energia que são acessíveis ao nosso orçamento, politicamente viáveis e implantáveis a curto prazo: AQS generalizada para funções de aquecimento (temos um país quase ideal) e reduzir substancialmente a nossa dependência do Norte de África; aposta brutal em transportes colectivos e pedonalização, para combater importações, dispersão territorial e uma gasolina que só vai ser cada vez mais cara (e o nosso país não consegue lidar com o barril acima dos 100$); requalificação da rede de abastecimento eléctrico para evitar perdas e programa agressivo de apoio à eficiência doméstica e pública (com objectivos anuais, com penalizações e prémios) e auditorias gratuitas de eficiência energética a domicílios, empresas e instituições.

Quando todos os nossos gastos relativamente a energia vão subir ao mesmo tempo que caem salários e empregos- este é o programa possível e desejável (o único?).
Infelizmente, se alguém tem esta concepção então é um orfão político.

Ana Cristina Leonardo disse...

Isto sim, é uma caixa de comentários! Muito obrigada.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Ana,
Uma excelente forma de dizer que é hora de "move forward"...
Permita-e só fazer um pequeno esclarecimento e um pedido adicional ao amigo Pedro.

Amigo Pedro,
Eu não trouxe o assunto do TGV para abrir uma nova frente de discussão, mas para ilustrar que os eleitores são alimentados com informação incompleta, mais de natureza qualitativa do que quantitativa, e raramente têm elementos para calcular o impacte financeiro das suas decisões.
O meu professor de Finanças do MBA dizia uma coisa que em 20 anos ainda não esqueci: quando se quer defender um investimento que não se consegue justificar com números, alega-se que é estratégico.
Já percebi(emos) a importância estratégica da produção de energia a partir de fontes alternativas aos combustíveis fósseis (ainda não me apercebi de nenhum "handicap" do nuclear face às renováveis nesse domínio...). Agora, gostava de ver as contas feitas para perceber qual é a melhor opção, e saber quanto me custa.
Por isso lhe perguntei, e volto a perguntar, se sabia os custos típicos de produção de energia nas diversas tecnologias disponíveis, incluindo o nuclear?
Relativamente às suas receitas, parecem-me um bocado musculadas...
O que é a "aposta brutal em transportes colectivos e pedonização"? É investir numa rede de transportes colectivos melhor? "By the way", quanto custa? Ou proibir ou tornar incomportável o uso de automóvel?
O que é um "programa agressivo de apoio à eficiência doméstica"? É obrigar os particulares que não têm dinheiro para mandar cantar um cego a fazer obras de isolamento em casa, substituir os electrodomésticos de marca branca por electrodomésticos Miele mais eficientes? É "penalizar" os que não têm dinheiro para cumprir "os objectivos anuais" com tarifas mais altas que os impeçam de aquecer a casa no Inverno?
As ideias podem ter objectivos louváveis, mas sem saber quanto custam dita a prudência que nem se avaliem...
Cumprimentos,

Ana Cristina Leonardo disse...

manuel, qual "move forward" qual carapuça. deixem-se estar que eu continuo a servir cafés...

Pedro M. disse...

Caro Manuel Vilarinho,

Concordo, use-se o "estratégico" com parcimónia mas assuma-se que existem de facto "estratégias" porque se em Portugal tal modo de pensar parece frívolo e gratuito outros países não serão tão púdicos a fazer valer os seus interesses.

Como disse não diabolizo o nuclear nem o eólico mas se calhar existe um bom motivo para que essa solução seja deficitária na Finlândia e se calhar uma boa ideia no Reino Unido. Por questões políticas, de escala e de capacidade julgo-a particularmente ineficaz em Portugal- já é um pesadelo instalar um parque eólico (e há muitos mal colocados) imagino referendar uma localização para o nuclear. Podemos ficar sentados umas décadas à volta disto ou aplicar aquilo que temos conseguido de forma sustentada ao longo dos anos com tecnologia que nos é acessível- isto está muito longe de ser ideal mas pode contribuir trazer alguma soberania energética (lá estou eu outra vez com o estratégico) que não sei como ia ser resolvida com importação de minério enriquecido, tecnologia, consórcios de construção e exportação de resíduos.

As minhas receitas musculadas são bastante exóticas para um país em que todos estes ingredientes para a poupança são novidade, mas digerem-se bem no curto prazo e têm propriedades terapêuticas verificadas pela experiência...e são caseirinhas, não precisam de importações. (pronto não faço mais trocadilhos fraquinhos)

Começo por repetir o seguinte: havendo potencial para a poupança e eficiência porquê investir maciçamente , seja em eólicas ou nuclear, para continuar a desperdiçar? Especialmente neste momento em que se propiciam posturas de poupança a vários níveis.

Respondendo:

"É investir numa rede de transportes colectivos melhor?"

Sim, e nalguns casos nem sequer é melhor mas mesmo investir para que (re)exista.

"BTW, quanto custa?"

Custa menos do que TGV, construção de auto-estradas anunciadas, etc, etc. Um valor de referência: a EP gasta apenas no Distrito de Lisboa 800 milhões por ano só em manutenção enquanto que a ferrovia de todo o país custa por ano 200 milhões por ano (mesmo com a mais onerosa gestão do país).

É bastante mais económico reabilitar e electrificar uma única linha férrea a unir Lisboa a Leiria (e depois Coimbra e Porto) a velocidade elevada do que construir 4 faixas de mais uma auto-estrada para o mesmo percurso. Espectacularmente escolhemos sem qualquer discussão a opção mais cara e redundante, agora parcialmente adiada enquanto a outra (que mereceu petição) foi para o lixo.
Há exemplos por todo o país.

"Ou proibir ou tornar incomportável o uso de automóvel?"

Só se por proibir entender acabar com o uso gratuito privado do que é público, dentro de cidades- a maioria dos percursos têm poucos quilómetros e o estacionamento e circulação são 50% do espaço ocupado. E eu não falei em proibir, só em possibilitar alternativas que não existem em muitos casos. O Estado já tratou de disponibilizar transportes públicos dentro de cidades, o carro é um luxo que a metade da população (55% vá lá) que não o possui não deve pagar, esses é que estão proibidos de circular.
O incomportável é subjectivo: neste momento, para muitos que viram o seu ordenado reduzido, a gasolina prestes a subir e as portagens a serem implantadas provavelmente começa a sê-lo.
Isso vai pô-los a pensar nas alternativas que têm que existir.

(cont)

Pedro M. disse...

(cont)

"O que é um "programa agressivo de apoio à eficiência doméstica"?"

É um programa que é implantado amanhã mesmo, que abrange toda a administração pública, que aparece em campanhas por todo o país, que tem objectivos claros e realistas e é rigorosamente implantado e avaliado para produzir efeitos palpáveis no imediato. É um objectivo comum que está presente no quotidiano. Para um país que se mobilizou para pôr bandeiras na varanda e festejar diariamente em nome de futebol fazê-lo em nome da sua prosperidade deve ser canja.

"É obrigar os particulares que não têm dinheiro a fazer obras de isolamento em casa, substituir os electrodomésticos de marca branca por electrodomésticos Miele mais eficientes?"

Podem ser milhares de coisas diferentes e caso a caso. Eliminar o imposto para placas de cortiça nacional a utilizar como isolamento ao abrigo do programa (é boa para esta função, não é só rolhas)- assim não gastam tanto em aquecimento e poupa-se dinheiro. É tirar o incentivo ao abate dos automóveis e desviá-lo para electrodomésticos eficientes (agora é obrigatório que todos tenham classificação A, não é só Miele), por exemplo.
A parte positiva é que se poupa dinheiro em quase todas estas alterações- existe um défice de informação, que seria o alvo prioritário da campanha.

"É "penalizar" os que não têm dinheiro para cumprir "os objectivos anuais" com tarifas mais altas que os impeçam de aquecer a casa no Inverno?"

É penalizar o desperdício, não o uso. E recompensar a eficiência- quem isolar a casa ao abrigo do programa e assim gastar menos em aquecimento/arrefecimento face ao período anterior tem direito a um retorno do investimento sobre o isolamento através da factura da electricidade ou gás.
Já sei que a seguir vai-me perguntar quanto custa: aplica-se mão-de-obra (da construção, que levou agora um pontapé) e materiais nacionais para impedir importações estrangeiras e melhorar a qualidade de vida e economia doméstica da população.

O nosso programa de AQS segue um procedimento semelhante mas ainda está aquém dos objectivos- precisam de ser reforçados os incentivos e a obrigatoriedade.

Existem dezenas de receitas deste tipo para vários casos e sectores mas não inventei nenhuma, vêm de exemplos avulsos já concretizados por esse mundo fora.

Concordo que a prudência é louvável, e a iniciativa também.

Cumprimentos

Manuel Vilarinho Pires disse...

Amigo Pedro,

Continuamos sem a tabela para a tradução da estratégia em decisão, ou seja, os custos de produção. Depois dos elogios da Ana eu seria incapaz de sair desta discussão sem eles, e, como aparentemente não os tem, vai-me obrigar a googlar...
Já googlei, obtives estes valores para custos totais de referência (incluindo o tratamento de resíduos para o nuclear):

Solar fotovoltaico: 23,5ç/kWh
Solar térmico: 19,0ç/kWh
Biomassa: 9,7ç/kWh
Eólica (off-shore): 11,0ç/kWh
Eólica (em terra): 7,0ç/kWh
Biogás: 5,5ç/kWh
Ciclo combinado a gás: 6,0ç/kWh
Hidroeléctrica (média): 5,7ç/kWh
Carvão dessulfurizado: 5,6ç/
Nuclear: 4,9ç/kWh

Fonte: http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/2010/06/custos-e-precos-da-electricidade.html

Para comparação, os valores da minha factura da EDP são de 7,4ç/kWh e 13,8ç/kWh (horas de vazio e não-vazio)
Ou seja, o nuclear é o mais barato, e o fotovoltaico é um caso de polícia.
Boa escolha!

Manuel Vilarinho Pires disse...

Continuando,

Relativamente a políticas musculadas para a melhoria da eficiência energética doméstica, deixe-me começar por confessar que já emprestei dinheiro a quem precisava dele para poder suportar o aumento da conta da EDP para ligar durante um Inverno um aquecedor no quarto aonde dormia um bebé recém-nascido.
Posso ter feito mal, podia ter feito músculo, recusado o empréstimo, explicado que não desejava premiar o desperdício, e sugerido que fizesse obras para melhorar a eficiência térmica da casa, isolando o quarto com os tais painéis de cortiça, e, já agora, substituindo a janela (não vale a pena isolar a parede e deixar aberta ao tráfego térmico a auto-estrada da janela), com mão-de-obra e materiais nacionais. Podia ter feito um manguito.
Mas sei que se o tivesse feito a família em causa não teria forma de financiar as obras e o bebé teria mesmo passado frio. E quando hoje em dia me olhasse no espelho, ia-me ver como aquilo que as minhas origens minhotas me desaconselham a escrever aqui, mesmo neste blogue, que estimula a liberdade de expressão.

Quanto a esse tipo de programas, no papel parecem bons. Mas para perceber se de facto o são é bom estar atento a duas coisas.
A primeira é a velha pergunta: quanto custa, quem paga? Forçar particulares a fazer obras "para o seu próprio bem" raramente me parece outra coisa que não uma pulhice, uma "business proposition they can't afford to refuse".
Outra é a oportunidade de parasitagem que essas obrigações criam. Como os painéis solares que davam direto a deduções no IRS, mas apenas se fossem adquiridos a uma certa e deteminada empresa.

Finalmente, confirma que lhe é indiferente ter um parque automóvel velho, gastador e poluente, ou um novo, económico e limpo, pela insistência na eliminação da redução de IA pelo abate de veículos velhos. Porque acha que os 2 ou 3 litros aos 100 que os carros novos poupam não pesam na balança de pagamentos, ainda por cima com países com regimes políticos pouco recomendáveis? Ou porque sonha tornar irrelevante essa redução determinando a paragem forçada dos veículos (a única solução matemática para a equação "menos 3 litros aos 100 resultam em poupança 0" é mesmo percorrer 0 km)?

Cumprimentos

Pedro M. disse...

Caro Manuel Vilarinho,

Mais uma vez faz um apelo à objectividade mas volta a focar unicamente nos custos de produção, independentemente de tudo o que está associado à instalação e à nossa realidade.
Repetindo-me, digo que existem prós e contras em todas as formas de geração e se nalgumas, como o fotovoltaico com a tecnologia actual, o custo permite logo descartá-las enquanto investimento a médio prazo, noutras não é assim tão simples.

Mais uma vez, acho que o nuclear tem um bom potencial para muitos países mas optou novamente por ignorar todos os outros factores que podem torná-lo uma opção desvantajosa para o nosso país. Na Finlândia ultrapassou-se largamente o orçamento que dava o nuclear como opção mais económica e existem vários problemas de segurança com o construtor francês enquanto que o Reino Unido tem condições atractivas para a sua implantação/expansão, cada país tem uma solução à sua medida económica, técnica e política.

Nos custos não entram a importação de minério enriquecido, que teríamos que assegurar, e depois exportar resíduos perigosos que também são de tratamento questionável e dispendioso (lá se ia a independência estratégica). A Urgeiriça é considerada a maior catástrofe ambiental isolada da história de Portugal por isso não vejo alternativa à colocação deste risco noutros países, se tal for aceitável. Já não se fala na importação de tecnologia, de construtores especializados, de pessoal, etc, etc.

Nos custos não entram as externalidades políticas como a localização e realização da central. Noutro comentário chamava a atenção e bem para as decisões de "iluminados" sobre o povo. Como também sou nortenho e como os "iluminados" do nuclear em Portugal têm como localização desejável de uma central (e acredito neles) no Douro Internacional isso não me deixa numa posição favorável. Impediu-se a construção de um parque eólico (e bem) no Gerês, qual o sentido de uma nuclear no Douro?

A eólica é ideal? Não, mas permite a instalação imediata e faseada (mais conveniente para a nossa economia); só dependemos de nós (a autosuficiência técnica e construtiva também podia ser total facilmente e a curto prazo se houvesse visão); favorece a proximidade com fontes de consumo e equilíbrio territorial (menos perdas na rede, e apoio económico a populações rurais) e não é tão politicamente difícil de realizar, para além de levarmos balanço no investimento, apesar de erroneamente a EDP investir apenas em aquisições. Podíamos ser um dos maiores instaladores mundiais, nomeadamente para Ásia, Brazil e EUA, mercados em que estamos bem posicionados e em que a Dinamarca e Alemanha ainda não entraram decisivamente. É um investimento técnico exportável, coisa que dificilmente conseguiríamos com a nossa central nuclear.

Nada disto entra nos custos mas é inegável que são factores cruciais para instalação do que quer que seja, é preciso que sejamos objectivos e não redutores e é por este mesmo motivo que também acho totalmente errada a perspectiva que diz "nuclear porque não".

Não sei se considera que nada disto é importante senão também preferia ficar por aqui.

(cont)

Pedro M. disse...

(cont)

Em relação à duplamente vantajosa iniciativa de poupança e eficiência, que insiste em confundir com sacrifício, agradeço todas as críticas, só assim se chegam a soluções reflectidas.

O isolamento é um factor, os vidros duplos são outro, ainda podemos incluir o sombreamento, a ventilação, iluminação eficiente, etc, etc. A ideia é apoiar a instalação destes elementos que representam enorme poupança privada a longo prazo através de abatimento das despesas de instalação nas facturas, dando preferência à mão-de-obra e material nacional.
É um duplo incentivo bastante eficaz e já vale para as construções novas e transacionáveis e assim era mais um apoio à reabilitação do edificado, prioridade dos próximos tempos. Acredito que, informadas, as pessoas fazem estas obras porque poupam dinheiro a longo prazo, o apoio serve como o "empurrão" que não existe agora.

Este tipo de obras podem ser feitas por quase qualquer empreiteiro e não me parece que ocorressem os casos de favorecimento da AQS (bastante suspeitos), que, já agora, foram resolvidos: http://www.ambienteonline.pt/noticias/detalhes.php?id=7747
Não vou descartar uma boa ideia só porque teve uma execução inicial imbecil, entretanto aprendeu-se qualquer coisa (espero).

Em relação aos automóveis confirmo totalmente que têm uma presença excessiva. São 45% dos portugueses que têm carro, mas 95% que têm frigorífico, 75% máquina de lavar roupa e 60% que têm máquina da lavar louça. Os 1800€ de incentivo ao abate de um único carro dão para renovar os equipamentos domésticos de 6 lares. Apesar de uns funcionarem a electricidade (e com água) e outro a gasolina, sendo assim problemas energéticos diferentes, o foco de financiamento do governo parece-me bastante óbvio. Em vez disso a situação que temos patrocina um transporte urbano ineficiente e tolera equipamentos domésticos obsoletos. Não me parece benévolo, de facto.

A solução para os carros (se não discute os valores que mencionei anteriormente) é a sua substituição gradual nas áreas urbanas e metropolitanas, por via do incentivo e fornecimento de alternativas no colectivo e também taxando ou eliminando entradas nos núcleos das cidades, acabar com estacionamentos gratuitos na via pública e portajar todas as auto-estradas e equiparadas, que dão mais custos ao Estado que benefícios (já que se fala hoje em dia em cortar coisas ineficientes).

Não faz sentido substituir uma má solução pela mesma má solução um pouco melhorzinha, sejam carros mais eficientes ou eléctricos, especialmente quando um autocarro a diesel cheio é muito mais eficiente do que 50 carros eléctricos e quando um comboio ou metro suburbano eléctrico ainda melhor é do que os engarrafamentos diários com carros convencionais com um passageiro, mesmo que sejam o carro mais eficiente do mundo. Afinal que opção é que está a financiar ditaduras?

Embrenhámo-nos tanto na cultura do automóvel que o óbvio já parece mentira.