17/08/10

Da esquerda e da direita ou como se prova de novo mais valem dois escritores a voar do que um político na mão

[Enquadramento: o pequeno texto que se segue foi retirado de Como um Verão que Não Voltará (Quetzal, 2010), livro de memórias e reflexão assinado pelo marroquino Mohamed Berrada. Viagem na primeira pessoa até ao Egipto, cobre um período que vai dos anos 50 até ao final do século XX e é um documento imprescindível para se perceber como em meia dúzia de anos se pode passar da civilização à barbárie (e note-se que na Europa também já se provou do mesmo…)]

«Hammad não esquecerá o seu encontro com o poeta Salah Jahine no início dos anos setenta. Tendo vindo ao Cairo procurar elementos para a sua tese, instalara-se numa pensão perto da avenida Kasr al-Nil. Uma noite, quando estava estendido na cama, foi iluminado pelo som de um alaúde acompanhado de uma voz doce e, de tempos a tempos, por comentários e risos; os ocupantes do quarto ao lado haviam organizado uma pequena festa entre amigos. No dia seguinte de manhã, perguntou ao proprietário da pensão quem ocupava o quarto: era o compositor Sayyed Mekkaoui. À tarde, ao sair, cruzou-se com Salah Jahine, cujo rosto lhe era familiar. Cumprimentou-o e apresentou-se; começaram a conversar e, quando Hammad lhe disse que gostaria de o rever com mais tempo, o poeta concordou de boa vontade e combinaram jantar juntos. Hammad, ainda cheio de entusiasmo apesar das decepções, inclinava-se para a revisão radical da experiência da esquerda. Nasser estava morto e tinha deixado um vazio que ninguém sabia como preencher. Hammad, ao abrigo da sua juventude e inexperiência, elaborava críticas e indicava o caminho da esperança; Salah Jahine deixava-o falar, contentando-se em intervir de tempos a tempos para lembrar a sucessão de desmoronamentos e recuos que assinalava a morte do grande sonho. Havia na voz dele uma melancolia indescritível; mesmo quando gracejava, o seu riso breve não conseguia vencer o muro de tristeza que o habitava por inteiro. Depois do jantar, Salah ofereceu-se para acompanhá-lo; a conversa continuou. Hammad falava e Salah escutava pacientemente. Chegados à porta da pensão, este disse-lhe:
— Ouça, ostaz Hammad, tudo o que diz é muito bonito mas, infelizmente, não serve para nada.
— E porquê, ostaz Salah?
— Porque o povo sempre foi de direita!
Hammad lançou um olhar surpreendido ao seu interlocutor; continuava embrulhado na sua tristeza, mas, de repente, desatou a rir. Riu-se com ele e depois separaram-se com um aperto de mão. Foi o seu primeiro e último encontro com Salah Jahine [que assina os diálogos e as canções do filme abaixo, realizado antes da moda da burka].»



[Nota de rodapé incluída no livro:] Poeta e artista de génio multifacetado, Salah Jahine (1930-1986), renovador da poesia egípcia e de expressão dialectal, foi também autor de canções glorificadoras da revolução e de Nasser, bastante populares nos anos sessenta. Muito afectado pela derrota de 1967, minado pela depressão, acabou por se suicidar em 1986.

7 comentários:

Nuno Dempster disse...

Claro que o "povo" ou a amálgama em que a palavra romântica se vai diluindo, é de direita, e é-o contra os seus próprios interesses. Eu teria acrescentado "e burro", salvo em momentos excepcionais da história de um país. Isto não é uma posição elitista, é uma constatação fácil.

fallorca disse...

O livro foi escrito em português ou esqueceste-te do tradutor? Ai, a menina... Além de contribuires para me desgraçar

Ana Cristina Leonardo disse...

pronto, fui eu, confesso (atão e o hêrnani?)

Cristina Gomes da Silva disse...

"Porque o povo sempre foi de direita": isso não sei mas que é muito conservador, lá isso é. Apetite aberto para ler o resto. Tks :-)

fallorca disse...

Hernaniza-se na 6ª ou no Sábado, não perdes pela demora...

Ana Cristina Leonardo disse...

Vêmo-nos atão por massamá...

fallorca disse...

Em mando sms seguida da contraditória, para não estranhares, fiufiu...