Um enorme prazer. Assim se pode resumir, para começo de conversa, a leitura de Todos os Homens São Mentirosos, no caso quinteto que não é de Alexandria mas que retoma a perspectiva cubista e polissémica, delineando um retrato incompleto, complexo e, quase sempre, contraditório do seu protagonista.
Todas as biografias são projectos inúteis. A essa conclusão inevitável chegará no final da novela o francês Jean-Luc Terradillos, jornalista que intenta, sem sucesso, saber quem foi Alejandro Bevilacqua, argentino que Vila-Matas poderia ter incluído na lista dos «Escritores do Não», refugiado político na Madrid da década de 70, autor (sê-lo-á?) de um só livro que a morte leva prematuramente em voo picado e inexplicável por sobre uma varanda madrilena.
Alberto Manguel, leitor de Borges na juventude — e não eram só os livros do cego que ele lia, lia presencialmente para o cego —, senhor de uma cultura literária extraordinária (veja-se, por exemplo, No Bosque do Espelho, publicado pela Dom Quixote em 2009, uma viagem pelos livros conduzida por Alice, a do Lewis Carrol), mistura com mestria e humor o registo policial, a metaliteratura e a História, fazendo de Todos os Homens São Mentirosos uma novela que toca temas tão diferentes como as ditaduras militares, as vaidades do mundo literário e, claro, os caminhos eternamente dicótomos da memória humana.
Num tom próximo da oralidade, organiza-se em cinco capítulos, cada um deles entregue a um próximo de Bevilacqua que, do defunto, dirá coisas diferentes.
Um escritor argentino seu confidente durante o exílio em Madrid (o próprio Manguel); uma amante espanhola que detesta Manguel: “Alberto Manguel é um imbecil. Não sei o que terá dito a ti, Terradillos, acerca de Alejandro, mas ponho as mãos no fogo em como está tudo errado”, diz ela logo a abrir o segundo capítulo; um ex-companheiro de cárcere de Bevliacqua na Argentina que acabaria por trocar o amor pela escrita pelo amor de uma mulher; um delator morto e despeitado que ainda assim tem coisas para dizer; e, finalmente, Jean-Luc Terradillos, o jornalista que acaba a confessar o seu fracasso: “A história termina aqui. O verdadeiro leitor não precisa de continuar a ler. Isto é tudo. O que importa foi dito. Saber quem matou quem, como, porquê, são assuntos que apenas interessam ao burocrata ou ao inspector de polícia, e eles não lerão estas páginas.”
Assim termina, mais coisa menos coisa. Mas se o cepticismo é conclusão inevitável, já que todos os homens são mentirosos, a pergunta impõe-se: será a verdade literária?
Todos os Homens São Mentirosos, Alberto Manguel, Teorema, 2010
24/05/10
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5 comentários:
O repto está lançado; a ver quem se chega
fallorca, em portugal ninguém se interessa pela verdade - nem pela literária nem pela outra...
É verdade ou literatura?
Nada sei de verdades e adoro as mentiras literárias.
Não sei se os grandes livros são mentiras literárias.
Anna Karenina é uma mentira literária?
Debaixo do Vulcão é uma mentira literária?
Viagem ao Fim da Noite é uma mentira literária?
A Casa e o Mundo é uma mentira literária?
etc., etc., etc.
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