Mark Rowlands, peculiar professor de filosofia que desde a infância sempre tivera cães, passou ao papel a sua vivência de doze anos ao lado de Brenin, um lobo bebé que um dia não resistiu a comprar e a levar consigo.
O relato dessa ligação resultou no colorido “O Filósofo e o Lobo”, um ensaio maravilhoso sobre o que se pode aprender sobre os homens vivendo com um canis lupus.
A primeira tese do livro – mais do que uma tese, é um aviso aos leitores que, seduzidos pelas aventuras narradas, as pretendam repetir – é que um lobo não é um cão; e embora Rowlands já imaginasse que assim fosse, imaginava-o apenas de uma maneira vaga. Quando chegou a casa com Brenin e em cerca de quinze minutos lhe foi dado avaliar, pela experiência, o grau (catastrófico) das diferenças, o então jovem filósofo retirou a única conclusão que se impunha: “nunca, mas mesmo nunca, (…) podia deixar Brenin sozinho em casa. (…) Os lobos, aprendi, aborrecem-se muito, muito rapidamente – 30 segundos sozinhos, normalmente é quanto basta”.
Nesta altura estamos ainda no princípio da vida conjunta de ambos… e no princípio do livro. O que se segue é um excepcional, divertido e comovente ensaio filosófico (apesar de as palavras “divertido” e “comovente” raramente nos ocorrerem quando lemos filosofia) sobre coisas tão diversas como a felicidade, a ética (incluindo os direitos dos animais), Deus ou a morte. Além, claro, de ser uma reflexão (com muito, muito de empírico) sobre o que é “ser homem” e o que é “ser lobo” (ou, se preferirem, sobre o “ser” de cada um dos referidos “entes” – a excentricidade de Rowlands permite-lhe, entre muitos outros, citar Heidegger).
À medida que o relato prossegue, vamos ficando a perceber que, segundo o companheiro de Brenin, os primeiros "entes" (ou, mais genericamente, os “símios”) não saem (estética e moralmente, pelo menos) a ganhar aos segundos (os “lupinos”). À cultura requintada da dissimulação e da mentira, à qual séculos de evolução conduziram vitoriosamente os primatas, o autor de “O Filósofo e o Lobo” contrapõe a existência do lobo, assente na fruição do presente, na força destemida, sem truques, mais próxima de Dionísio do que de Apolo.
Não se trata, porém, de humanizar o lobo; muito menos de vender qualquer teoria pronta-a-usar que nos garantisse coisas tão tolas e requentadas como a que devemos “viver o momento” (Rowlands é claríssimo a este respeito: “nunca aconselharia ninguém a fazer algo que é impossível”). Trata-se, antes, de um livro exigente, apesar de leitura acessível, porque nos coloca – nus – face à nossa existência, escolhas, esperanças ou momentânea sorte. Um livro que nos propõe viver com a “impassibilidade de um lobo”. Aposta decerto “demasiado difícil e demasiado austera”, mas, como escreve Rowlands, “no final, só os nossos desafios nos podem redimir”.
O Filósofo e o Lobo, Mark Rowlands,Lua de Papel, 2009
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7 comentários:
Já o citei abundantemente no tasco aqui ao lado. Belo livro.
Isto já tinha saído no Espesso? Escapou-me...
Já li, e gostei muito. Engraçado: só despertou a minha atenção após ler uma crítica positiva. É uma idiotice, eu sei, mas, até esse momento, pela capa, pensei tratar-se de um daqueles livros da treta, auto-ajuda ou coisa do género.
A minha mãe deu-mo nos anos. Gostei muito. Lê-se bem e, acima de tudo, não se fica com um vazio quando se acaba.
Excelentemente bem sugerido, Ana Cristina.
Sofia.
«...até esse momento, pela capa...» Mas quem consegue convencer os editores disso? Quem?
É só papel de parede, sérios concorrentes do IKEA
Obrigada pela sugestão. Fiquei curiosa!
João, acho que saiu este último fim-de-semana. não o cheguei a ver no teu tasco (deve ter sido durante o meu período sabático)
Carlos e Fallorca, até que nem acho...
Fico contente por a Sofia concordar comigo
F., acho que irá gostar
Carlos e Fallorca, eu acho.
Li num post uma crítica perfeita, fui a FNAC e não tinha, encomendei. Fiquei doente e pedi que fossem à fnac para mo trazerem, mas ainda não estava ou não foram. Fui a Lisboa e na estação do Oriente não tinha na feira do livro e fnac ou bertrand já não dava. Voltei à fnac e tinha, sem sms e, finalmente, tinha chegado nesse dia. Comprei-o, fui ao cinema e aguardei pelo fim de semana. A capa não gostei nada e pensei vais-me desiludir (estava a falar para o livro). Fiz 24h de urgencia e fui de bicicleta até Vila do Conde, dormi, peguei no livro e parei só qdo acabei.
Agora quero ser "lobo". Já sabia que não tinha arte para ser símia, agora acho que é bom não ter. Mas, as vezes, peço desculpa, dantes, nunca pedia. Este livro pões-me outra vez no bom caminho. Pedir desculpa nunca, antes "rugir" :).
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