A introdução de computadores na sala de aulas das primárias causa-me arrepios e não é gripe.
Deixem-me ser completa e assumidamente retrógrada: eu sou pelos cadernos sem argolas, pelos lápis, plasticinas, barro, batuques, papel cenário e cartolina, tabuadas e muitas cópias. Acho que as escolas deviam ter hortas, caixas de sapatos com bichos-da-seda, bibliotecas sem livros chatos, mini-laboratórios, salas de música, recreios com árvores e baloiços e, talvez seja pedir muito mas enfim, um burro financiado pela Comunidade Europeia ― sempre se lhe dava uso e não me refiro ao jumento.
E, não, não sou especialista em qualquer ramo pedagógico ou similares.
Estou firmemente convencida que o uso precoce de computadores não só não servirá para nada em termos estritamente gnosiológicos mas também aumentará o número de neuroses prematuras – para não falar da obesidade infantil que tantos teimam em varrer para debaixo do tapete da cadeia McDonald’s.
A WEB será a grande invenção dos humanos depois da roda mas, anterior à roda e à WEB está certamente a nossa origem cósmica, misticismos aparte. Afinal, como dizia o outro que era sábio, somos filhos das estrelas e do carbono 14. Não da Intel, num acrescento meu.
Vem esta reaccionária prosa a propósito das declarações de um tal José Dias Coelho, presidente de uma tal Associação para a Promoção da Sociedade da Informação, que, não contente com a distribuição de Magalhães a crianças que ainda ontem usavam chucha, afirma com todos os dentes da boca que “é fundamental garantir o total alinhamento dos projectos educativos com o computador Magalhães”.
E diz mais, o visionário. Sentencia Coelho que a dita infra-estrutura (o novo Santo Graal dos info-deslumbrados promovido pela Sá Couto) devia ser integrada nas “comunidades locais, desporto, clubes, cultura e escuteiros, inclusivamente, de modo a colocar um verdadeiro impacto na educação e transformação da criança”.
Colocar impacto e ainda por cima verdadeiro? Transformação da criança?!!! Escuteiros?!!! Que nos salve depressa o burro dos 27 ― sempre se lhe dá algum uso e não me refiro ao jumento.
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11 comentários:
é demasiado bom - e concordo demasiado consigo - para não o levar, em jeito de destaque mas também de 'subscrevo!', para o meu 'tasco'.
com a sua licença, claro está.
:-)
sem-se-ver, ora faz favor! E agora a sério, estes visionários são absolutamente assustadores, até porque se reproduzem como coelhos
Estes iluminados saberão que ainda se passa frio nas escolas?
ana
a quem o diz, ana cristina... não sei se sabe mas sou professora...
Que visão retrógrada, por Toutatis. Plasticinas? Cópias? O que é preciso ensinar nas escolas é a saber teclar com os dez dedos (e, se se conseguir explicar o significado do símbolo #, também não se perde nada). Mas o Magalhães é apenas o primeiro e singelo passo no glorioso trajecto da informatização infantil. Haverá outros (por exemplo, o telemóvel com acesso ao Facebook ou com câmara de vídeo com activação automática quando detectar um pai ou uma mãe a ralhar com a criança) até se chegar à implantação de um chip programável nas criancinhas, o qual as deixará instantaneamente barras em matemática, português, história e filosofia (bom, filosofia talvez não porque é difícil de traduzir em zeros e uns e não tem qualquer utilidade prática). Os professores serão obsoletos (façam lá então as manifestações que muito bem entenderem) e apenas precisaremos de programadores que saibam consultar a Wikipedia. Portugal - oh, glória - será o primeiro país do mundo onde isto vai ser verdade (será logo a seguir a termos a primeira rede do mundo para abastecimento de carros eléctricos).
Será que se levam a sério estes terroristas de gravata? Será que têm memória, será que tiveram infância? Será que alguma vez viram um burro para além de si próprios ao espelho? Será que isto é ser "moderno" e "inovador", dois termos doentiamente, obsessivamente, repetidos pelo Grande Engenheiro? Será que nas Beiras ou em Trás-os-Montes o famigerado magalhães (com minúscula, pois) ensinará a fazer alheiras e chouriços? Não se poderá internar para sempre esta espécie de gente?
"sou pelos cadernos sem argolas, pelos lápis, plasticinas, barro, batuques, papel cenário e cartolina, tabuadas e muitas cópias. Acho que as escolas deviam ter hortas, caixas de sapatos com bichos-da-seda, bibliotecas sem livros chatos, mini-laboratórios, salas de música, recreios com árvores e baloiços e, talvez seja pedir muito mas enfim, um burro"
:-| estranha crise de nostalgia que se me deu
Acabei de ler no I online que em Espanha, à imagem do Reino Unido, passam na televisão um Big Brother só de crianças. Os adiantados mentais crescem por todo o lado.
Assino entusiasticamente por baixo :)
Também assino por baixo, e também "se me deu" a nostalgia dos bichos da seda alimentados a folhas de amoreira em caixas de sapatos, quando ficávamos impacientemente à espera de que a lagarta branca se fechasse dentro de um casulo amarelo vivo e depois virasse borboleta, milagrosamente.
Quanto aos computadores na primária, acho-os não só prematuros como perigosos: cada vez mais cedo se faz depender a espécie humana da tecnologia, e ninguém parece considerar possível que um dia possamos ficar sem esses apoios, de repente. Mas é possível e até provável, e se isso acontecer, ficaremos completamente desamparados, sem saber ler, escrever nem contar sem máquinas.
Percebe-se pelo que escreve que não, não é especialista alguma em qualquer "ramo pedagógico ou similares". A sinceridade torna-a uma natural. Lê-se e um sorriso benevolente ilumina qualquer rosto mais prevenido. De facto, o pecado mortal do conhecimento continua a fazer o seu caminho. A Ana Cristina não é o que afirma mas antes uma certa espécie de religiosa do século.
Anónimo assumido
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