07/12/09

Gostar de [alguns] homens: e que se lixe o feminismo pequeno-burguês de fachada socialista

DAS DIFERENÇAS ENTRE O NASCIMENTO DO AMOR NOS DOIS SEXOS

(...) Como dezanove, em cada vinte dos seus devaneios habituais [das mulheres], são relativos ao amor, esses devaneios, depois da intimidade, acabam por se agrupar em torno de um só objecto; prestam-se a justificar um comportamento extraordinário, decisivo e contrário às regras do pudor. Nos homens esse trabalho não existe; em seguida, a imaginação das mulheres disseca à-vontade esses instantes tão deliciosos.
Como o amor faz duvidar das coisas mais comprovadas, a mesma mulher que, antes da intimidade, estava tão segura de que o seu amante era um homem acima do vulgar, mal julga não ter mais nada a recusar-lhe, treme ao pensar que ele poderá tê-la procurado apenas para acrescentar mais uma mulher à sua lista.
Só então surge a segunda cristalização que, porque acompanhada pelo medo, é de longe muito mais forte.
(Esta segunda cristalização não existe nas mulheres fáceis que estão bem longe de todas estas ideias romanescas)
Uma mulher acredita ter passado de rainha a escrava. Este estado de espírito e de alma é ajudado pela embriaguez nervosa nascida dos prazeres tanto mais sensíveis quanto mais raros. Uma mulher, no seu ofício de bordar, trabalho insípido que apenas ocupa as mãos, sonha com o seu amante, enquanto este, a galope na planície com o seu regimento, é posto sob prisão se origina um passo em falso.
Estou em crer, pois, que a segunda cristalização é muito mais forte nas mulheres porque o receio é mais vivo; a vaidade, a honra estão comprometodas ou, pelo menos, as distracções são mais difíceis.
Uma mulher não se pode guiar pelo hábito de ser racional, esse hábito que eu, homem, adquiro obrigatoriamente no meu escritório trabalhando seis horas todos os dias em coisas frias e racionais. Mesmo fora do amor, as mulheres tendem a entregar-se à imaginação e à exaltação habitual; o desparecimento dos defeitos do objecto amado deve ser, pois, mais rápido.
As mulheres preferem a emoção à razão; é muito simples: como, em virtude dos nossos limitados costumes, elas não têm a seu cargo nenhuma responsabilidade familiar, a razão nunca lhes serve para nada, nunca lhe acham qualquer préstimo.
Ao invés, é-lhes sempre prejudicial, já que apenas surge para as censurar de terem tido um prazer ontem, ou para lhes ordenar que não tenham nenhum amanhã.
Entregue à sua mulher os negócios com os rendeiros de duas das suas terras, e aposto que os registos serão melhor cuidados do que por si, e nessa altura, triste déspota, terá pelo menos direito a queixar-se, já que não tem talento para se fazer amar. A partir do momento em que as mulheres levam a cabo raciocínios gerais, elas fazem amor sem se aperceberem. Nas coisas de pormenor, pretendem ser mais severas, mais exactas do que os homens. Metade do pequeno comércio está entregue às mulheres, que dele se ocupam muito melhor do que os seus maridos. É uma máxima conhecida que quando se fala com elas de negócios, toda a gravidade é pouca.
É que elas estão sempre, e seja onde for, ávidas de emoção: vejam-se os festejos dos funerais na Escócia.

in Do Amor, Stendhal, Relógio D'Água, 2009 (com algumas alterações na tradução introduzidas por moi-même)
[boneco daqui]

5 comentários:

henedina disse...

"tão segura de que o seu amante era um homem acima do vulgar, mal julga não ter mais nada a recusar-lhe, treme ao pensar que ele poderá tê-la procurado apenas para acrescentar mais uma mulher à sua lista."
Stendhal e o sec.XXI

Ana Cristina Leonardo disse...

Ao século XXI tem faltado decididamente a ironia...

Anónimo disse...

É claro que não por sua culpa...
Uma douta na matéria.

Ana Cristina Leonardo disse...

Uma douta na matéria.
da ironia?

margarete disse...

"...e que se lixe o feminismo pequeno-burguês de fachada"

ontem, na discussão de um assunto em que me julgava até serena, perguntaram-me pq respondera tão alto e com agressividade
de imediato respondi que a causa seria possivelmente a porcaria do período que me deixa com variações involuntárias da intensidade vocal e lapsos faciais
disseram-me que eu estaria a abrir um precedente p/ usarem o argumento "ah! 'tás com o periodo"
ofereci-lhe um estalo
acabou-se a conversa.


:)


p.s. nem precisa de deixar visível o comentário, era mm só a propósito do titulo