04/10/09

A book a day keeps the doctor away

O historiador Jorge Martins assinou um estudo recente e exaustivo, em três volumes, sobre a presença judaica no nosso país: Portugal e os Judeus. A obra, reconhecida como o mais importante trabalho da área desde que Mendes dos Remédios publicou, em 1895, Os Judeus em Portugal, foi agora complementada por uma versão breve dirigida ao grande público.
Entre nós, a presença judaica, tida como um lugar-comum, é na verdade pouco estudada. Afirma-se correntemente que um número assinalável de portugueses terá sangue judaico a correr-lhe nas veias, aponta-se a origem judaica de inúmeros apelidos (pondo nisso, talvez, até um certo exagero), conhecem-se influências na culinária (as alheiras, por exemplo, criadas para contornar o consumo proibido da carne de porco), na linguagem, na própria idiossincrasia lusa, mas trabalhos aprofundados são escassos. Breve História dos Judeus em Portugal vem contribuir para colmatar essa falha.
Organizado cronologicamente e recuando até período anterior à fundação do reino, conduz-nos pela Idade Média, pela época dos Descobrimentos, pelo período Liberal, pela I República e pelo Salazarismo, detendo-se em pormenor na sangria cultural e financeira que resultou do estabelecimento da Inquisição, na extraordinária Obra de Resgate encabeçada por Barros Bastos já no século XX (de que a comunidade de Belmonte é exemplo mundialmente único), e na política do Estado Novo no que respeita aos acossados de Hitler. Mas ler esta Breve História… será, sobretudo, compreender como a especificidade da política nacional em relação aos judeus (nomeadamente, o seu baptismo compulsivo em 1497, durante o reinado de D. Manuel I) se repercute até hoje no marranismo que atravessa a sociedade portuguesa, fundamento de uma identidade “não apenas múltipla e miscigenada, mas [também] difusa e sempre dominada por uma angustiante duplicidade (…)”.
Breve História dos Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, 2009

5 comentários:

Jorge Martins disse...

Obrigado Ana Cristina Leonardo pelo seu texto no Expresso, aqui citado. É bom ler o que escrevem sobre o nosso trabalho, quando nem sequer nos conhecemos.
E obrigado também por ser mais uma voz persistente contra o anti-semitismo, assunido ou disfarçado de anti-sionismo ou outras desculpas convenientes.

Ana Cristina Leonardo disse...

Jorge, o texto saiu no Expresso com alguns cortes, suponho que por falta de espaço. Quantos aos agradecimentos, não tem nada que agradecer. Naturalmente. E obrigada eu por visitar a Pastelaria, mesmo tendo este modesto estabelecimento entrado em modo de meditação. Um abraço

Jorge Martins disse...

Ana, depois de ter escrito sobre "Portugal e os Judeus" há 3 anos (em conjunto com o livro da Irene Pimentel), achei que só lhe poderia agradecer pela sua apreciação do meu trabalho. Na altura não tinha nenhum contacto seu. Desta vez, acabei por descobrir a Pastelaria e não podia deixar de lhe agradecer. Como sabe, são apreciações como a sua que dão alento a quem escreve. Com ou sem cortes, acho as suas palavras muito generosas para o meu trabalho.
Boa meditação... e que chegue a bom porto.
Jorge Martins

fallorca disse...

Os cortes, por óbvia «falta de espaço», é o pão-deles do Expresso.

Lord of Erewhon disse...

Em boa parte, os judeus fizeram Portugal, mas também fizeram a Holanda, a primeira globalização económica moderna, etc.
Não conheço a obra, pelo que não me pronuncio, mas vou tratar de colmatar a «falha»...