Se estivessemos em 1961, e ainda bem que não estamos, ontem, 4 de Fevereiro, tinha começado o inferno português em África. A propósito da data, permitam que partilhe convosco um episódio caseiro. Abrevio.
Um dia, mandava Salazar, começou-se a falar da guerra. Que vinha aí. O meu pai não gostava de África. Apesar de nascido no Algarve, dava-se mal com o calor. Não queria ir. Então, ele e mais três muchachos alugaram um carro de praça (nome por que eram conhecidos os táxis) e puseram-se a caminho na direcção oposta. O táxi galgou Olhão/Hamburgo num ápice de sete dias.Chegados finalmente à Alemanha, o meu pai acabaria a trabalhar para um clã italiano familiar dos Sopranos, proprietário de uma garagem de reparação de automóveis. Foi aí, entre motores fanados, radiadores sobreaquecidos, escapes tuberculosos, velas ardidas e peças contrabandeadas que lhe deu a dor de burro que o traria de volta. O coice era apendicite, evoluiu para peritonite e, não lhe subtraindo o pneuma mas ainda assim vinte quilos, isentou-o do ultramar. Regressou à pátria.
Na fronteira, junto a Vilar Formoso, a polícia portuguesa conferia os passaportes. A licença para se deslocar ao estrangeiro já há muito caducara e o Pide de serviço quis saber os motivos da ausência e do regresso. A resposta saiu rasa: Fui para aprender a grande língua de Goethe e volto por saber a pátria em perigo. O Pide olhou-o de esguelha mas logo se perfilou quando, retomando o fôlego, o meu pai largou um gutural Angola é nossa! No bolso, guardava o papel que o dava como inapto em alemão. Juntou-lhe o passaporte português e abandonou Fuentes d’Oñoro com um sonoro auf Wiedersehen. Entre dentes e sorriso largo acrescentou para o Pide: Va fan culo.
E foi assim que não me tornei alemã.
7 comentários:
Que sorte teve ele em não ter ido para a Guerra do Ultramar! :-O
Também estou a par dessa efeméride, pois foi o início duma guerra que marcou a geração de 60 e 70 portuguesa e que criou situações fracturantes na nossa sociedade, que até hoje ainda não estão saneadas...
Lembro-me, quando dávamos grandes passeios em Angola, havia sempre as zonas chamadas de "terrorismo", onde os carros eram registados à entrada e à saída (tipo operação stop na estrada).
Andava à procura de um artigo na revista colóquio letras...e vim parar à pastelaria... Fabuloso! O mestre pasteleiro confeccionou um primor de doçaria conceptual e estética... entre o fino humor e inteligência dos textos e bela selecção de imagens...permita-me puxar de uma cadeira e vir cá tomar café todods os dias...
P.S. São deliciosas as histórias de pessoas que, com simples frase de inteligência superior aos agentes da PIDE, se desembrulhavam de situações complicadas...
... mas o filão olhanense é que é!
A capa é fantástica. Há muito que não reencontrava o rosto deste disco. Já nesse tempo se cantava «Quem vê TV» e se lhe acrescentava o resto.
O meu pai agradece todos os comentários
Delicioso...
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