28/11/08

A prova que um bom escritor também pode ser um idiota

Se me perguntassem por nomes de escritores, Jorge Luis Borges estaria entre os primeiros. Lembro-me, aliás, de abandonar a conferência que ele deu há uns anos na Faculdade de Letras, incomodada até ao vómito com a feira de vaidosos que, tomando a palavra para simular perguntas, esqueciam que tinham pela frente um génio (e eu não sou nada de ver génios a cada esquina...). Lembro-me também de uma entrevista brilhante que lhe foi feita pela Lourdes Féria, salvo erro para o Diário de Lisboa, e lembro-me dela me contar os meandros da conversa.
Lourdes Féria tinha ido a Madrid entrevistar Mick Jagger. Acontece que os Rolling Stones se tinham fechado em copas. Por uma daquelas coincidências que nem a Vila-Matas ocorreria, Lourdes soube que Borges estava hospedado no mesmo hotel do que ela. Foi tentar a sorte e bateu-lhe à porta. E Borges falou. Sobre tudo. Até sobre os Rolling Stones.

Lembrei-me disto a propósito destas declarações de V. S. Naipaul (de quem foi há pouco publicada uma biografia). Disse ele sobre o escritor argentino: Não sou nada como Borges. Acho que Borges é um escritor muito limitado (...). E era cego, claro. Eu não sou cego. Faz uma grande diferença, porque o homem cego vive internamente, enquanto eu sempre vivi com o mundo que vejo, que conheço (o que me recordou uma entrevista que fiz ao Luís Sepúlveda onde o chileno afirmou, do alto da sua mediocridade, que afinal Borges não merecia o Nobel porque escrevia sempre o mesmo livro).
Agora se me encostassem uma pistola à cabeça e me obrigassem a escolher ― ou o mundo sado-masoquista de um ou o imaginário luminoso do outro ― eu sei bem o que escolheria. A Borges, o cego, bastava-lhe ter escrito estes versos. Definitivos.
Yo, que tantos hombres he sido/ no he sido nunca/ aquel en cuyo abrazo desfallecía Matilde Urbach.

16 comentários:

Anónimo disse...

A Lourdes Féria tinha uma grande capacidade de efabulação.
Digo tinha porque não sei se ainda tem, já que não a vejo nem ouvia falar dela há anos.

Anónimo disse...

Em relação ao tema. Eu acho que não há nenhum escritor ou músico, etc, sagrado. O Orson Welles dizia o piorio de outros cineastas como o Antonioni ou o Bergman. etc, etc.

Portanto o Borges não é sagrado. A questão é: dizer mal de forma inteligente.

Não me parece que o Naipaul aqui esteja a ser inteligente. Tá a ser um bocado peixotal até.

Ana Cristina Leonardo disse...

Manuel,completamente peixotal.
mestre de obras, ao que sei a Lourdes continua com uma grande capacidade de efabulação. graças a deus.

Anónimo disse...

Imagino o Naipaul na conferência a dizer "o Borges é cego, eu não sou cego" e uma senhora - dona de uma pastelaria famosa - indignada na assistência levantar-se e dizer de dedo em riste: "cego é aquele que não quer ver!" e abandonar estrepitosamente a sala.

Ana Cristina Leonardo disse...

estrepitosamente assenta-me como uma luva

-pirata-vermelho- disse...

Muito bem!








(desculpe a aparente petulância)

Ibidem disse...

Três posts saborosos em três dias consecutivos: deliciae blogorum cristiniae, ou que que bem se cozinha nesta pastelaria! ;-)

Adoro Borges, apesar de preferir a prosa à poesia, mas esses versos são maravilhosos, mesmo não sabendo quem é a Matilde Urbach. A doceira deste blogue sabe por acaso se a explicação do escritor espanhol Juan Bonilla é verdadeira (link mais abaixo), ou mera caça aos gambuzinos? Parece-me apócrifa, ao melhor estilo borgiano.

Suponho que seja irrelevante, mera cusquice literária: a Matilde pode ser substituída por quem quer que seja que o(s) poeta(s) (o falso Gaspar Camerarius ou Borges himself) tenham desejado (Estela Canto?). Mas fiquei curiosa e não tenho vergonha de ser a primeira a perguntar: quem era afinal Matilde Urbach? :-P

Aqui vão os links onde já andei a investigar:
http://es.geocities.com/juanbonillaweb/matilde.htm

http://www.letraslibres.com/index.php?art=8532&rev=2

P.S. Concordo absolutamente com o manuel. E não li o Naipaul mas estas postas de pescada fazem-me perder a vontade, apesar de acreditar numa das teses deste post (que a obra de um escritor vale independentemente da personalidade dos ditos).

Anónimo disse...

Ana, este é capaz de ser, de entre todos os blogs que visito, aquele que actualmente mais me satifaz! Muitos parabéns. Cada post enriquece e acrescenta algo a este belíssimo sítio da internet. Nenhum é mais do mesmo. A própria Ana não é mais do mesmo. Gosto tanto! Apeteceu-me deixar aqui um comentário positivo ao que escreve. Merecido, completamente merecido!
Mais um óptimo post. :)

Anónimo disse...

A "declaração" de Naipul é estapafúrdia e prova que um bom escritor pode ser uma pessoa muito pouco recomendável... Ele esteve há pouco tempo na FCG, no âmbito da Weltliteratur, mas não assisti à conferência (talvez tenha formulado também algumas pérolas). Já agora, o adjectivo "peixotal", que a Ana e o Manuel utilizaram, refere-se ao "estilo" de J. L. Peixoto? (e já agora, se sim, sou só eu a reparar que ele anda a escrever crónicas que só têm como tema a atracção que exerce sobre os seres femininos?)

Ana Cristina Leonardo disse...

Ibidem, amanhã investigarei. agora vou para a cama com 5 cobertores e uma botija de água quente.
comentadora ocasional, obrigada por ser tão simpática
Ana, tenho que ir espreitar o blog desse cujo nome evito pronunciar

Táxi Pluvioso disse...

Ficamos cegos com génios, depois, a vida acaba...

Ibidem disse...

As melhoras, Ana!

Luis Eme disse...

não sei se culpe os escritores, se os jornalistas, que adoram "guerrinhas" e tem a mania das comparações, sempre com perguntas na algibeira pouco inocentes...

cá no nosso burgo, também tentam colocar o Saramago e o Lobo Antunes no circo...

sem-se-ver disse...

no comments.

Anónimo disse...

vcs são tão mauzinhos uns com os outros.

Ana Cristina Leonardo disse...

mauzinhos?! eu tenho fama de ser péssima...