Marilyn nunca veio a Olhão. A actriz que Billy Wilder foi dos poucos a levar a sério ― garantindo, a contracorrente, que ela não precisava de lições de representação, apenas de se inscrever no colégio suíço Ómega, «onde dão cursos de pontualidade superior» ― ainda não era nascida quando Manuel Zorra ― Captain ou Manny Zora nos States ― troca as águas do Algarve pelas margens do rio Hudson. Era a segunda fuga. A primeira, a bordo de um barco de pesca que se dirigia a Gibraltar, acabou com o rapaz a ser mandado para casa, uma dúzia de anos apenas. Pouco depois, aos quinze, arrisca salto maior, sem rede nem título de transporte válido, a fasquia na América. Ah, a América! No porto de Nova Iorque, lotado de europeus deserdados para quem o americano dream é agora a derradeira esperança, espera-o um familiar que não ficará para a história. Nesse dia, vê neve pela primeira vez. The Sea Fox; The Adventures of Cape Cod’s most colorfull rumrunner conta (também) o que aconteceu depois.
O livro A Raposa dos Mares inclui relato dos anos americanos: a chegada, os biscates, a pesca, a Depressão e a Máfia, os festins e as raparigas, as misérias e as glórias. Nunca traduzido, narra como o olhanense, fintando fome e Lei Seca, empresta engenho e astúcia aos homens de Al Capone, sobrevive ao FBI e aos que lhe pagam em cash o contrabando do álcool, chega à fala com os maiores ― Dos Passos e Eugene O’Neill estão na lista dos amigos ― , ele próprio herói de série B e da vida, príncipe das marés e traficante encartado com direito a letras gordas nos jornais controlados por Hearst.
O livro A Raposa dos Mares inclui relato dos anos americanos: a chegada, os biscates, a pesca, a Depressão e a Máfia, os festins e as raparigas, as misérias e as glórias. Nunca traduzido, narra como o olhanense, fintando fome e Lei Seca, empresta engenho e astúcia aos homens de Al Capone, sobrevive ao FBI e aos que lhe pagam em cash o contrabando do álcool, chega à fala com os maiores ― Dos Passos e Eugene O’Neill estão na lista dos amigos ― , ele próprio herói de série B e da vida, príncipe das marés e traficante encartado com direito a letras gordas nos jornais controlados por Hearst.
Na década de 60 abandona Provincetown e volta à terra de origem. Instala-se no Avenida, entretanto desaparecido. À mesa do velho café, dá aulas de inglês (oral) com pronúncia americana e acode aos poucos turistas que se aventuram na vila. Homem grande, mãos de gigante e nariz à Jimmy Durante, espanta os locais com as suas histórias de gangsters e garotas libertinas, a que soma a distinção do porte e a elegância das fazendas italianas. Com o tempo, o fascínio esmorece. Reformado sem casa própria, colosso para quem se olha agora como atracção circense, Zorra definha em silêncio. Alguns jornalistas chegam a entrevistá-lo.
Vera Lagoa transcreveu encontro memorável, grand finale no cemitério, ela, ele e o coveiro, dado a tertúlias. A Baptista Bastos confessará, melancólico, em conversa regada a uísque, na Armona, era a ilha um paraíso: «O que eu aprendi nos anos americanos. Santo Deus, o que aprendi! Queria ser grande, queria ser famoso, queria ser conhecido na América. E, para isso, precisava de ser um homem com dólares (...) é muito importante ter dinheiro, o dinheiro dá poder, é necessário para um homem ser feliz. A fome só é boa até uma certa altura da vida: permite-nos ter cautela, ensina-nos a ser hábeis; é a melhor companheira da maturidade daqueles que se tornam ricos». Quando morreu, Manuel Zorra teria 76 anos. Sepultado em Olhão, foi-se sem deixar lastro de monin, como por ali se dizia.
A obra que o imortalizou, assinada por Scott Corbett, data de 1956. Ex-soldado correspondente em Paris, Scott era um respeitável escritor que, anos antes de se cruzar com a raposa dos mares, vira a conta bancária engrossar com a adaptação para cinema de The Reluctant Landlord, o seu romance de estreia, no ecrã Ninho de Amor, filme onde Marilyn, aliás Norma Jean Mortenson, na circunstância Roberta Stevens, faz brevíssima aparição que lhe apimenta o currículo; em 1952, já trabalha com Howard Hanks ― nunca virá a Olhão.
Por esses tempos, a cidade, então com estatuto de vila, continua a esbanjar fortunas obtidas durante a guerra. Tinha sido um regabofe. Enquanto Hitler empestava a Europa com o fedor da suástica, por lá ia-se aviando, esgotos a céu aberto, fosse aos países do Eixo fosse aos (poucos) Aliados. Contas feitas, tanto a Alemanha perderia a guerra como Olhão as suas fábricas. Das 37 existentes sobram hoje apenas três.
Vera Lagoa transcreveu encontro memorável, grand finale no cemitério, ela, ele e o coveiro, dado a tertúlias. A Baptista Bastos confessará, melancólico, em conversa regada a uísque, na Armona, era a ilha um paraíso: «O que eu aprendi nos anos americanos. Santo Deus, o que aprendi! Queria ser grande, queria ser famoso, queria ser conhecido na América. E, para isso, precisava de ser um homem com dólares (...) é muito importante ter dinheiro, o dinheiro dá poder, é necessário para um homem ser feliz. A fome só é boa até uma certa altura da vida: permite-nos ter cautela, ensina-nos a ser hábeis; é a melhor companheira da maturidade daqueles que se tornam ricos». Quando morreu, Manuel Zorra teria 76 anos. Sepultado em Olhão, foi-se sem deixar lastro de monin, como por ali se dizia.
A obra que o imortalizou, assinada por Scott Corbett, data de 1956. Ex-soldado correspondente em Paris, Scott era um respeitável escritor que, anos antes de se cruzar com a raposa dos mares, vira a conta bancária engrossar com a adaptação para cinema de The Reluctant Landlord, o seu romance de estreia, no ecrã Ninho de Amor, filme onde Marilyn, aliás Norma Jean Mortenson, na circunstância Roberta Stevens, faz brevíssima aparição que lhe apimenta o currículo; em 1952, já trabalha com Howard Hanks ― nunca virá a Olhão.
Por esses tempos, a cidade, então com estatuto de vila, continua a esbanjar fortunas obtidas durante a guerra. Tinha sido um regabofe. Enquanto Hitler empestava a Europa com o fedor da suástica, por lá ia-se aviando, esgotos a céu aberto, fosse aos países do Eixo fosse aos (poucos) Aliados. Contas feitas, tanto a Alemanha perderia a guerra como Olhão as suas fábricas. Das 37 existentes sobram hoje apenas três.
(...)
Legenda das imagens
Captain Manuel Zora, 1955, Philip Malicoat (1908-1981) oil on canvas, 16" x 14"
Recensão de 1961 assinada por Almeida Langhans ao livro de Scott Corbett
4 comentários:
E quem escreve assim não é gago...
oooobrbrbrigada
Olá cara Ana Cristina Leonardo
Como sabe a APOS, associação de que sou presidente, em www.olhao.web.pt tem informação sobre muitas personalidades de Olhão.
Falta-nos a de Manuel Zorra.
Nós próprios temos o projecto de traduzir o The Sea Fox e temos interesse em dar alguma relevância à pessoa em causa que eu também via, já idoso, no café Danúbio.
Importa-se de aproveitar o que escreveu dele e, com mais ou menos transformações, me enviar para eu colocar em seu nome na nossa página?
Cumprimentos
Gostei do seu texto.
Ele também é um pouco nosso na Fuzeta, onde viveu algum tempo. Naquele tempo eu era uma criança e não me apercebi quem era o Manel Zorra. Isso só aconteceu anos depois, quando li The Sea Fox.
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