08/12/07

Os Bestsellers São apenas isso: Bestsellers. Sobra a Questão Encombrante de Saber quanto Espaço Ocupam

Ser ou não ser literatura, eis a questão. O dilema impõe-se, tanto mais que as letras se subtraem ao rigor logarítmico de uma escala de Richter, por exemplo. Claro que seria sempre possível submetê-las a uma grelha cujas variações se situassem, como em Mercalli, entre os graus qualitativos «muito fraco» e «catastrófico». Ainda assim.
Literariamente falando, a que corresponderia, digamos, o grau X, o «desatroso», aquele que exige que a maior parte dos edifícios e suas fundações sejam destruídos, assim como pontes e barragens, já para não falar de águas enlouquecidas, rasgões no solo e linhas de comboio entortadas? Somos obrigados a reconhecer que, pelo menos esta última condição, dificilmente se aplicará à literatura. Resumindo: por muito mau que um livro seja, ele não provoca terramotos (mesmo quando é Pulido Valente a criticá-lo).
O leitor pensará que estamos a ser irónicos (talvez, um bocadinho...), mas a verdade é que este é um problema tramado. Como definir esse indefinível «je ne sais quoi» que tanto explica a obra literária como a beleza do nariz de Cleópatra?
Fazemos aqui um desvio porque é impossível resistir a Pascal: «A causa [do amor] é um je ne sais quoi (Corneille) e os efeitos são espantosos. Esse je ne sais quoi, tão pouca coisa que não se pode reconhecê-lo, revolve toda a terra, os príncipes, os exércitos, o mundo inteiro. Se o nariz de Cleópatra tivesse sido mais curto, toda a face da terra teria mudado» (Pensamentos, frag. 162). Os romances, ao contrário do nariz de Cleópatra, não mudam a face da terra. Por muito boas que sejam as intenções dos autores. Sobre isto, André Gide proferiu a tal frase assassina: «É com bons sentimentos que se faz má literatura». Será injusta, mas só muito, muito raramente.
O jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos publicou o seu quinto romance. A curiosidade levou-me e lê-lo. A curiosidade matou o gato. E é com pena que confesso: O Sétimo Selo foi uma desilusão.
Explico o «com pena». Precisamente por ser de opinião que nenhuma escala é aplicável, sem risco, à literatura, não sou dos que acham que só a intensidade de grau XII merece a pena. Entre Raúl Brandão e Lídia Jorge existe um mundo. Claro que o título era suspeito. Sobretudo após a vaga requentada de new age trazida por Dan Brown e que apenas serviu para dar razão a G. K. Chesterton: «Quando os homens já não acreditam em Deus, isso não se deve ao facto de não acreditarem em nada mas sim ao facto de acreditarem em tudo».
Esclareça-se. José Rodrigues dos Santos não joga propriamente nesse campeonato; os esoterismos não são sequer a sua «cup of tea». Indo directa ao assunto: de que trata, então, O Sétimo Selo? Bom, de dois assuntos estridentes: petróleo e aquecimento global.
Tomás de Noronha (historiador português, perito em criptanálise e línguas mortas) vê-se envolvido numa estranha aventura que começa quando um cientista é morto na Antárctida, logo após ter confirmado que a plataforma de gelo Larson-B se tornara mais esburacada do que um queijo suíco. Ao lado do corpo, uma mensagem que Noronha é chamado a decifrar pela Interpol: «666», o número da Besta.
Depois disto, andamos com ele num corropio planetário, com início na pacata Coimbra, cidade onde a mãe do herói definha num lar, pretexto que serve para coser, sem felicidade, o tema da velhice no romance. Ao longo da investigação, o historiador, que fora colega de liceu de um dos suspeitos do crime, irá tomar contacto com a catástrofe (energética) iminente e os meios de a conjurar.
Naturalmente, a vertente pedagógica do livro atravessa-o do princípio ao fim (o autor agradece, aliás, a especialistas de várias áreas). Disso não viria mal ao mundo (apesar de, ao contrário do que se conclui, o conceito de aquecimento global por acção humana não merecer a unanimidade científica – e os que o negam não estão todos a soldo das petrolíferas!).
O mal está em que para romance falta-lhe o sal do «je ne sais quoi» (a pitada de «666» é demasiado insonsa). Para livro científico, faltam-lhe as credenciais. Salva-se o primeiro capítulo, cuja leitura nos recorda, a espaços, as saudosas aventuras de Blake e Mortimer assinadas por E. P. Jacobs. «Damned!». É muito pouco.

17 comentários:

João Lisboa disse...

EncombrantE.

Ana Cristina Leonardo disse...

Merci

Unknown disse...

É chato isto de se avaliar livros como se fossem livros.

Como a primeira parte do tema me diz respeito, não resisto a opinar.
Como a Ana bem diz, os bestsellers são apenas isso, bestsellers, e isso nem devia interessar aos leitores, só aos editores com gosto no negócio, pois cada leitor compra/lê apenas um livro, e não 100.000. Mas as pessoas são cuscas, gostam de saber que outras 99.999 também compraram e que, logo, não foram enganadas. Também é mais giro falar-se sobre livros com o mesmo à-vontade com que se fala da novela da noite (digo isto off the record, claro).

Em relação ao espaço que ocupam, bem, esse é já um outro problema: mais grave, reconheço. Mas as livrarias não são os melhores locais para se querer mudar o mundo, isso atrapalha o negócio.

Mas não escutem o que eu digo, sou um mau exemplo, um Darth Vader das forças escuras do negócio.

Ana Cristina Leonardo disse...

NSL, na minha opinião este é um problema sem solução. Mais grave me parece a chantagem exercida sobre as editoras em relação aos descontos que têm de fazer às livrarias e distribuidoras para lá terem os livros.

Unknown disse...

Sic Transit Gloria Mundi, que é para parecer chique.

Isso faz parte Ana, se não fosse assim seria ao contrário, como na América, onde (algumas grandes) editoras mandam os livros - com factura respectiva - para as livrarias sem elas terem sido ouvidas, ou sequer os terem pedido.

O pior é que tudo isso se deve à maior concentração do lado livreiro (mais força) e a única forma de o alterar é equilibrar a força do outro lado (concentração de editoras) mas isso, já se sabe, significa que quem está fora (livrarias e editoras independentes) ficam em péssima posição.

Quanto a solução, tudo tem solução. A questão aqui é «solução para quê?», pois muitas vezes os objectivos são os mesmos, logo os que estão em cima já têm a solução, quem está abaixo, não quer nada mais excepto estar na posição do que está em cima.

Acha então a Ana que as pessoas querem mesmo encontrar soluções, ou só querem trocar de posição?
Confesso que ainda não encontrei muita gente - autores, editores, livreiros, etc. - que quisesse, de facto, mudar as coisas, todos querem é estar na posição de cima.

-pirata-vermelho- disse...

'Encombrante', ana!?

Luis Eme disse...

Gostei de te ler.

Não sei explicar, mas não tenho vontade de conhecer a obra deste José.

No natal passado ofereceram-me dois livros dele (o tal codex e a filha do capitão), mas estão no final da fila...

Ana Cristina Leonardo disse...

Pirata-vermelho, o que é que tem encombrante, para além de ser, reconheço, um pouco encombrant num título?
Luís, eu, por acaso, tive pena de não gostar. Agradava-me o facto dele nunca ter dito "Agora já posso dizer que sou escritor!"
NSL, voltarei com mais tempo. Desconhecia essa coisa das grandes editoras americanas. Aliás, creio não ter percebido bem. Porque as livrarias podem sempre devolver, não é?

-pirata-vermelho- disse...

É isso mesmo, encombra a língua portuguesa e nem tod'a gente o lê, ao encombrante!
(embora adivinhe o seu prazer íntimo no uso do galicismo)

Ana Cristina Leonardo disse...

Oh pirata-vermelho, não é galicismo, é francês puro e duro: encombrant, feminino: encombrante, como bem me fez notar o João Lisboa, logo no 1º comentário

Táxi Pluvioso disse...

A qualidade de um romance (a sua “literaturidade”) mede-se pela quantidade de volumes vendidos. A matemática ainda é, depois de Galileu e pares, o único critério objectivo.

O aquecimento global é apenas um pretexto para fazer (outros) negócios.

Unknown disse...

Sim, Ana, podem devolver. Mas no caso americano (o no das pequenas livrarias) a questão não é assim tão simples, pois os custos processuais (para já não falar da perda de tempo) de devolução ficam por conta da livraria, e para teres uma noção, equivale a aproximadamente 4x mais do que os custos de envio.
Entretanto estão já facturados, a editora tem prazos fixos para devolução, o crédito não é imediato, etc. o que significa que se o livreiro americano quiser devolver o livro, tem de gastar dinheiro, pagar o livro e esperar que depois lhe devolvam o dinheiro.

Por isso alguns até aceitam, pelo menos não perdem dinheiro com o processo vendendo aquilo que lhes mandam vender.

Mas isso é assunto para outras luas.

Ana Cristina Leonardo disse...

Era mais ou menos isso que tinha imaginado que acontecesse... Em Portugal estamos, portanto, ao nível dos aprendizes de feitiçeiro. Mas com a grande concentração de editoras a que se assiste, não me parece que a coisa vá por melhor caminho. E o livro é que paga

-pirata-vermelho- disse...

E vai eu e aportuguesei, no contexto da língua da fala escrita, ora...

quem é que ia ler ali français, mnina?!

-pirata-vermelho- disse...

(s'ao menos tivesse deixado ficar o erro, a indicar a gracinha... assim é definitivamente galicismo)

menina alice disse...

Acabo de almoçar com um amigo que me esteve a falar bem da construção e do crescer da escrita deste rapaz. Vou então linká-lo para o teu texto.

Ana Cristina Leonardo disse...

menina-alice, se há coisa má naquele romance é precisamente a construção: rígida, previsível e com todo o esqueleto à vista. só o primeiro capítulo se salva. como se ele a tivesse rabiscado num papel e depois se tivesse limitado a preenchê-la. dará para hollywood fazer um filme, mas como romance... e digo isto com pena, porque a pessoa nem me é antipática, embora sem a conhecer pessoalmente. e também porque acho que os livros «medianos» também têm direito à existência.