Não sei muito bem como é possível, mas a verdade é esta: sou um índio. Não o sabia antes de ter encontrado os Índios, no México e no Panamá. Sei-o agora. Não sou talvez um índio muito bom. Não sei cultivar o milho nem afeiçoar uma piroga. O peiote, o mescal ou a chicha mastigada sobre mim não exercem grande efeito. Mas quanto ao resto, quanto à maneira de andar, de falar, de amar ou de ter medo, posso dizer o seguinte: quando encontrei esses povos índios, eu, que não julgava por aí além ter família, senti-me como se de repente tivesse conhecido milhares de pais, de irmãos e de esposas. Como sempre, porém, quando uma pessoa pretende falar de um povo, quando se põe a adivinhar as paixões e os desígnios de uma comunidade que não é a sua, e mesmo que não creia forçosamente na ciência, corre sempre grandes riscos. Assim acontece com estas páginas, escritas para falar de gentes cuja grande virtude é a de serem inacessíveis e silenciosas, porque, desgraçadamente, estas páginas só sabem falar do seu autor.
Há, no entanto, outra coisa: na altura em que este livro termina apercebo-me de que seguiu, sem eu disso me dar conta, e como se fosse por acaso, o desenvolvimento do cerimonial mágico de cura: Taú Sa, Beka, Kakvahaí. Serão pois estas três etapas, que arrancam o homem índio à doença e à morte, precisamente as mesmas que balizam a vereda de toda a criação: Iniciação, Canto, Exorcismo? Há-de talvez saber-se um dia que não havia arte, mas tão-só medicina.
Sem comentários:
Enviar um comentário