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29/11/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Outras guerras: a vitória dos “espetadores”»

 

22/09/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «A ilustre casa de Portugal»

«(...) Tão à-vontade a emborcar uma mini pelo gargalo na Ovibeja como a beber una caña com Felipe VI de Espanha numa esplanada em Madrid, Marcelo Rebelo de Sousa não consegue escapar ao pecadilho dos bem-nascidos que se relacionam com o povo (recordo o poema de Cesariny [“Vamos ver o povo / Que lindo é / Vamos ver o povo. / Dá cá o pé. // Vamos ver o povo. / Hop-lá! / Vamos ver o povo. / Já está.”]) mesclando comportamentos paternalistas e elitistas com uma condescendência mais ou menos postiça.

10/03/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Penélopes de todo o mundo, uni-vos!»

« (...) Escudo-me em Kafka (quando pedimos amparo a alguém, convém pedi-lo aos maiores). E se o checo pôde anotar no seu Diário (entrada de 2 de Agosto de 1914): “A Alemanha declarou guerra à Rússia. À tarde, piscina”, que me seja permitido escrever: a Rússia declarou guerra à Ucrânia. Desde então, crochet e mais crochet.

Venho sobretudo fazer a apologia do trabalho manual. O surgimento de uma forma nascida de uma massa informe. Garanto que é um milagre.

No caso específico do crochet, digamos que alia a tecedura às artes da aritmética e da geometria. Como fazer um quadrado em crochet? Um círculo? Um losango? Uma oval? E como montar losangos de maneira a criar um rectângulo, um quadrado? Todo um processo de cálculos, aumentos e diminuições que convoca as mãos e a abstracção. Afinal, o filósofo antigo Eratóstenes de Cirene não chegou à circunferência terrestre preso a equações abstrusas, mas agarrando numa vara e fazendo-se à estrada.

E se falo de equações abstrusas é para regressar a Mário Cesariny, esse poeta sábio e desconcertante que deixou dito: “… o homem precisa da mulher. É a tragédia dele. Inventou a Matemática, a Aritmética, a aviação, a Nona Sinfonia, a ida à Lua… (…) Ela, muito quietinha em casa, a tratar de coisas importantes, como a comida e a roupa, enquanto o sábio está a chorar frente às equações.” (in Uma Última Pergunta — Entrevistas com Mário Cesariny (1952-2006), Sistema Solar, 2020). 

Ora, caro Mário, quietinhas em casa, digo-lhe eu, muita aritmética é precisa para fazer um crochet flower granny square! (...)»

04/11/22

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «UM MUNDO PERFEITO»

«Elon Musk, o multimilionário que comprou o Twitter por 44 mil milhões de dólares, na véspera de o negócio estar fechado passava a definir-se no seu perfil na rede social como “Chief Twit”, chefe idiota em tradução literal, bobo da corte na minha tradução livre. Já na condição de patrão efectivo, deixaria um aviso (e não, não falo da libertação do tal pássaro que o comissário do Mercado Interno, Thierry Breton, veio logo advertir, no próprio Twitter, que entre nós teria de voar segundo as regras da União Europeia). Falo disto, publicado a 28 de Outubro: “Comedy is now legal on Twitter”.

Não sejamos ingénuos. Se “a um morto nada se se recusa” como escreveu Mário de Sá Carneiro, menos ainda se recusa a um milionário aparentemente bem de saúde. Diz-me a experiência, e John Locke não me deixaria mentir, que milionários de confiança só os falidos, o que é em si uma contradição nos termos. 

Assim, é com saudável cepticismo que encaro a galhofa cool de Musk. Não é em vão que se frequentou a Pastelaria de Mário Cesariny: “… Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo / à saída da pastelaria, e lá fora — ah, lá fora! — rir de tudo / No riso admirável de quem sabe e gosta / ter lavados e muitos dentes brancos à mostra”. (...)»

07/05/13

Só tenho uma dúvida, se eu não gostar de comer frango com as mãos mandam-me para um campo de reeducação na Coreia do Norte?

José Luís Peixoto gosta do seu povo. E é por me comover que ele goste tanto do seu povo que dedico ao Peixoto este poema que o Mário Cesariny dedicou às gentes que gostam do seu povo.

Vamos ver o povo
Que lindo é
Vamos ver o povo
Dá cá o pé

Vamos ver o povo
Hop-lá!
Vamos ver o povo

Já está.

A declaração de amor ao povo de José Luís Peixoto pode ser lida aqui

22/04/12

A pão e água e era pouco

Não há fome que não dê em fartura. Vem o ditado popular a propósito de uns dias me faltar assunto, em outros ser uma avalanche (espero poder continuar a escrever avalanche e não, obrigatoriamente, avalancha). Quando o assunto é isso, pois, fica uma pessoa em apuros para focalizar, verbo que tem vindo paulatinamente a substituir o démodé dissílabo focar e que me faz sempre lembrar alguém a espancar outrem na cabeça com binóculos, resultado talvez de ter consumido BD em excesso durante a juventude.
A semana passada, por exemplo, gostaria de ter falado da medida anti-tabágica anunciada por Paulo Macedo para proteger as crianças do fumo dos progenitores dentro de veículos fechados (nada foi dito, que eu saiba, sobre descapotáveis), medida que, naturalmente, faz o pleno com outra – a de querer encerrar a Maternidade Alfredo da Costa – esta última por razões obscuras (tão obscuras que nem a sagacidade de Marcelo Rebelo de Sousa as conseguiu desvelar).
Ia eu comentar as louváveis prioridades do ministro da Saúde quando tropeço noutro tema (neste caso musical): o hino do Movimento Zero Desperdício, com música de João Gil e letra de Tim, interpretado por cerca de 50 artistas de um largo espectro político (como sói dizer-se).
Começa assim:“Eu não sei o teu nome mas sei que te posso ajudar/Sei que andas a passar fome mesmo andando a trabalhar/ O que eu não aproveito ao almoço e ao jantar/ A ti deve dar jeito/ Temos de nos encontrar”.
Não vou falar da miséria das rimas nem dos pobrezinhos do antes do 25 de Abril (cada família tinha o seu…). Vou limitar-me, educadamente, a citar Mário Cesariny: afinal o que importa não é haver gente com fome// porque assim como assim ainda há muita gente que come.

11/12/11

“Não é desgraça ser pobre”

O enunciado vem no Luís de Camões. Portugal daria novos mundos ao mundo, vaticinava Júpiter n’ Os Lusíadas, e o facto é que aconteceu.
A última vez que tal coisa vimos foi quando da criação do Allgarve, golpe d’asa do ex-ministro Manuel Pinho, profeta inovador, além de temerário.
Se digo temerário, não o faço para proveito próprio ou estilístico, antes porque recordo “o esforço e valentia” com que enfrentou a maldição de Garrett que tantos lhe imprecaram (aquando da demolição da casa do escritor no bairro de Campo de Ourique, entretanto adquirida pelo ministro).
E recorde-se: nem mesmo quando os mais arreigados maldizentes, “por manha e falsidade”, o ameaçam com o fantasma da “menina dos rouxinóis” Joaninha de seu nome, versão da Murta Queixosa antes de haver Harry Potter Manuel Pinho se acobarda. A nova casa está lá, para mostrar e provar a fibra de que é feita a gesta lusitana.
Não vive o seu melhor momento a gesta lusitana apesar de a entrada do fado no Património Oral e Imaterial da Humanidade, batendo, por exemplo, o kung fu de Shaolin, embora, precisamente por ser imaterial, tal distinção não pareça vir resolver grande coisa.
Como, porém, é sabido, nem só de pão vive o homem, ou, em francês: “S’ils n’ont pas de pain, qu’ils mangent de la brioche”, não sendo também de mau tom citar Mário Cesariny: “(...)/Que afinal o que importa não é haver gente com fome/ porque assim como assim ainda há muita gente que come/(...)”.
Segundo o recente relatório da OCDE, Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising, ainda haverá por aí muita gente que come mas o fosso entre os ricos e os pobres atingiu o nível mundial mais elevado das últimas três décadas.
E como o relatório não inclui dados deste ano annus horribilis que dará lugar daqui a pouco a outro annus horribilis (oxalá me enganasse!) nem sei o que diga mais. Talvez a solução esteja no crowding out ou, então, é ao contrário: a culpa é do crowding out.
Vá-se lá entender os místicos!

23/04/11

Matéria não falta

La vie est un roman como dizia o Resnais e a pátria dava com certeza para vários. O que é feito, porém, d’o delfim do Portugal de hoje desaçaimado, “só três sílabas”, “de plástico, que era mais barato”, onde “o que importa não é haver gente com fome/ porque assim como assim ainda há muita gente que come”? Bocage aviaria sem espinhas dúzia e meia de sonetos e de Natália nem se fale. A O’Neill sobrar-lhe-iam versos. Eça não teria a mãos a medir com tanto Conde de Abranhos.
Bastaria que lhe trocássemos a Universidade em Coimbra por outra na capital (Independente ou Moderna cairiam que nem ginjas). A carta de denúncia anónima teria novo destinatário: estando na moda, o DIAP. Quanto ao caso da criada, ver-se-ia substituído por aventura infecunda com aspirante a modelo. A carreira política iniciá-la-ia numa Câmara de província. Daí a conselheiro Acácio seria pequeno passo, função que acumularia com a de blogger de culto (e, de preferência, oculto).
Casa com filha de ex-ministro. Lua-de-mel no Bazaruto (where else?) e a deputação vem a caminho. Faz-se notar nas bancadas pela combatividade e certa linguagem chã. A previsível vitória da oposição leva-o a mudar de partido. Questionado sobre a sua decisão, cita Abranhos, o original: “Questões de latitude não mudam a política”. Divorcia-se com discrição. Chega a secretário de Estado. Poucos meses depois telefona em segredo para casa: “Pai, já sou ministro”. O alfaiate desliga.
Dois anos de serviço público e convidam-no para CEO. Aceita. Em missão além fronteiras, atravessa-se-lhe no caminho um sósia do Ricky Martin. Abranhos comes out of the closet e abre novo capítulo: la vida loca. A qualquer solicitação, passará a responder “I would prefer not to”. Há quem garanta que, abandonada por fim a carreira empresarial e trocado Ricky por Martin, se torna marchand em Berlim. Outros dão-no como transformista em Las Vegas. Um primo em 3º grau jura que o viu no Allgarve degustando sardinhas confitadas sur lit d’endives… Em suma: onde estão os escritores quando precisamos deles?

Imagem roubada aqui

05/09/10

A Casa Pia nunca existiu

Conhecida a sentença que condena todos os arguidos — com excepção de Gertrudes Nunes, a dona da casa de Elvas absolvida por razões técnicas (alteração de 2007 à lei do lenocínio) —, os visados avisaram que vão recorrer da decisão. Marinho Pinto, que não falará de cor, garantiu publicamente que o risco de prescrição é real.
Um processo é o que é e a justiça o que se sabe. Não vais ao cóquitel tás fodido, dizia o Cesariny.
Findo o primeiro round, os condenados cumprem o seu papel: recorrem. As vítimas regozijam-se, naturalmente. Um determinado tipo de reacções, ou a ausência delas, é que me espanta. Ou me envergonha.
Os que põem a mão no fogo pela inocência dos condenados (ou, pelo menos, pela de Carlos Cruz) usam dos mais variados argumentos. Da cabala política aos erros judiciários, do bode expiatório à inveja.
Os que não têm dúvidas sobre a decisão do tribunal clamam maioritariamente contra o tempo leve das penas (é verdade que se eu estivesse na pele do Bibi não hesitaria em pensar que cá no burgo a confissão não compensa…).
No intervalo, o absoluto silêncio. Em alternativa, um silêncio ruidoso e, como sempre, alicerçado no legalismo. Tomás Vasques escreve que se mantém fiel ao princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória.
Parece-me bem mas deixo uma ou outra pergunta. Os arguidos foram ou não foram considerados culpados pelo Tribunal de Primeira Instância? A sua presunção de inocência sai ou não ferida neste primeiro acórdão, independentemente dos trâmites posteriores? E usando agora a muleta lançada pelo Marinho Pinho: se a coisa prescrever, como é possível que aconteça, qual será a posição do Tomás Vasques quando todos se safarem: vai considerá-los inocentes (à Leonor Beleza foi isso que aconteceu, não foi)?
Daniel Oliveira comenta o caso esperando que tenha sido feita justiça e mostrando-se sobretudo indignado — valha-lhe a retórica — com os jornalistas e com o Pedro Namora.
No Jugular, outro blogue de esquerda, sempre célere no apoio a todas as causas fracturantes, até ao momento em que escrevo a única referência consistia num post da Ana Matos Pires, que não faço ideia quem seja mas a falha é certamente minha, que esboça uma piada (?) sobre a relação entre a Casa Pia e a Maddie, remetendo para um jornal que também não costumo ler.
Não sou boa em listas e por isso fico-me por aqui.
Resumindo: nem uma palavra sobre as vítimas da Casa Pia (é que os miúdos foram mesmo repetidamente enrabados, topam?). Nem uma palavra sobre o padre António Emílio Figueiredo (já falecido) que denunciou o regabofe já nos idos de 60 e por isso foi para a rua (pois, temos pena mas este não era pedófilo). Nem uma palavra sobre o Mestre Américo Henriques, defensor dos putos e a quem a Costa Macedo decidiu pôr no sítio.
Resumindo que não me posso enervar: esta esquerda (desprovida de compaixão) não é a minha esquerda. Esta esquerda é quanto muito canhota.

23/06/10

Esta gente enoja-me: o tipo que demoliu a casa do Garrett foi nomeado presidente do Conselho de Administração da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva

Manuel de Pinho, o famigerado inventor da palavra "allgarve" e ex-ministro da Economia e da Inovação, crânio visionário agora elevado à condição de "coleccionador de arte" (já não nos bastava o Berardo), foi nomeado pela Canavilhas (quem?) para o cargo de presidente da administração da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva.
Informa-nos também o artigo do Público que o gajo que não teve pejo em demolir a casa onde morreu Almeida Garrett, transformando-a num bunker de luxo, até possui uma aguarela da pintora, comprada há cerca de 20 anos na Galeria 111. Fiquei comovida!
Mas mais comovida fiquei quando, a propósito, me lembrei do Cesariny que um dia, no atelier dele, à pergunta sobre onde estava a Vieira da Silva que a própria lhe oferecera, retorquiu com elegância que a trocara por uma carcaça.
Na altura, recordo, achei a resposta educada. Pela parte que me toca, contudo, de momento só me ocorre isto: bardamerda.

01/01/08

Em 2008 Fumamos como Perdidos ou Emigramos para Madrid Rendidos à Graciosa Irrespetuosidad que Es Característica del Madrileño. Cesariny Teria Gostado

eu em 1951 apanhando (discretamente) uma beata (valiosa) / num café da baixa por ser incapaz coitados deles / de escrever os meus versos sem realizar de facto / neles, e à volta sua, a minha própria unidade / — Fumar, quere-se dizer // esta, que não é brilhante, é que ninguém esperava ver num livro de / versos. Pois é verdade. Denota a minha essencial falta de higiene / (não de tabaco) e uma ausência de escrúpulo (não de dinheiro) / notável. // o Armando, que escreve à minha frente / o seu dele poema, fuma também // fumamos como perdidos escrevemos perdidamente / e nenhuma posição no mundo (me parece) é mais alta / mais espantosa e violenta incompatível e reconfortável / do que esta de nada dar pelo tabaco dos outros / (excepto coisas como vergonha, naturalmente, / e mortalhas) // que se saiba esta é a primeira vez / que um poeta escreve tão baixo (ao nível das priscas dos outros) / aqui e em parte mais nenhuma é que cintila o tal condicionamento / de que há tanto se fala e se dispõe / discretamente (como que as apanha.) // sirva tudo de lição aos presentes e futuros / nas taménidas (várias) da poesia local. / Antes andar por aí relativamente farto / antes para tabaco que para cesariny / (mário) de vasconcelos
Manual de Prestidigitação, Mário Cesariny, Assírio & Alvim

06/12/07

discurso sobre a reabilitação do real quotidiano

(IX)
No país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno

E no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho
ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames indestrutíveis
para que eu escreva com ela só até à ilharga
a grande história do amor só até ao pescoço

E no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma - ora aí está -não é outro senão a divina criança (prometida)
uso dos meus olhos grandes bons e aberto
se vejo a noite (on ne passe pas)
Diz que grandeza de alma. Honestos porque.
Calafetagem por motivo de obras.
É relativamente queda de água
e já agora há muito não é doutra maneira
no país onde os homens são só até ao joelho
e o joelho que bom está tão barato

Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, Assírio & Alvim