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01/10/11

Viva a D. Maria II

Quando me ponho a pensar naquilo d’o orgulho de ser português assunto que raramente me ocorre por ser pouco atreita a patriotismos vem-me sempre à cabeça a abolição da pena de morte.
Indiferente à “doçura de sentimentos”, ao “ânimo sofredor” ou à “valentia sem alardes” que dizem (alguns) caracterizar a História de Portugal, quando chego àquela parte da D. Maria II a assinar o fim das execuções por crimes civis em 1852 sinto que nem tudo foi em vão.
Não é que isso anule o resto (“o Nada é só resto”, escreveu o poeta Reinaldo Ferreira). No caso, o resto podia também bem ser, como se relata nas Farpas, um homem condenado a varrer as ruas de Gouveia… por matar a mulher.
"Oh! Entenda-se bem: De modo nenhum queremos limitar os maridos no direito de matar suas mulheres. São questões domésticas com que nada temos. (…). Que os maridos quando lhes convenha, para melhor organização do interior doméstico, partam suas mulheres aos pedaços – coisa é que nem nos escandaliza nem nos jubila. (…) entendemos que, quando um marido se sinta dominado pelo desejo invencível de partir alguma coisa – é mais natural ir à cozinha trinchar o roast-beef do que à alcova, retalhar a esposa!"
Ramalho e Eça ridicularizaram assim, com a habitual ironia, um tribunal oitocentista. As recentes execuções nos EUA paralisam-me infelizmente o verbo.
A 21/09/2011, dois homens foram mortos pela Justiça americana, um na Georgia, outro no Texas: Troy Davis, um negro acusado de ter morto um polícia branco, clamou até ao fim a sua inocência, sujeito de um processo cheio de buracos, adiamentos e pedidos de clemência que incluíram Ratzinger, Jimmy Carter, Desmond Tutu e a Amnistia Internacional; Lawrence Brewer, um branco condenado por matar um negro, arrastando-o preso por uma corda à traseira de um jipe.
Repugnam-me as duas sentenças, mesmo se a minha simpatia se esgota em Troy Davis. E creio não ser preciso ter lido O Último Dia de um Condenado de Victor Hugo para se perceber porquê.

02/04/11

Ser rico não é tudo

Vamos chamar-lhe distracção e evitar o tema embaraçoso da miopia galopante.
Quero eu dizer: só agora reparei que a página do jornal "Expresso" onde publico semanalmente uma colunazinha se chama “três pastorinhos”.
Ora bem: não tendo já idade para poder ser incluída no grupo dos videntes, e apartada ainda da longevidade de Lúcia, restar-me-ia, pensei, tão-só a Nossa Senhora, a propósito da qual Desmond Tutu, provando que o humor nem sempre é contrário à fé, contou a seguinte anedota: “José aproxima-se, aflito, do estalajadeiro: ‘Por favor! Acuda! A minha mulher vai ter um bebé’. O homem, impassível, limita-se a encolher os ombros: ‘Desculpe, mas a culpa não é minha’, e é então que José lhe responde: ‘Minha também não!’
Jorge de Burgos, o bibliotecário cego de Eco, teria excomungado Tutu e decerto um amigo meu que há anos imaginou esta história:
Estavam três pastorinhos a pastorear muito sossegadinhos em Fátima quando, de súbito, avistam Nossa Senhora em cima de uma azinheira. Estupefactos, mantêm-se mudos e quedos até que um deles, mais afoito, lança à aparecida a tirada do Garrett: “Quem és tu?” A senhora, sem se deixar intimidar pelos clássicos, responde: “Sou a Nossa Senhora e venho trazer a verdade ao mundo”. E é então que a pastorinha comenta: “Outra marxista!”
Vinha isto a propósito da minha distracção, facto que em nada contradita que andemos precisados de milagres.
Não se afigura fácil, claro, por causa dos PECs, mas também porque um estudo qualquer de Dallas diz que a religião poderá extinguir-se em breve, pelo menos em nove países ricos. Dallas vale o que vale, mas uma coisa nos aquieta: não estamos incluídos.
Assim sendo, que venha a nós o milagre das rosas pelo avesso ou, em alternativa, a descoberta de petróleo em Alcobaça. Ai, Deus, e u é?, perguntam-se os técnicos da Mohave cerca de 700 anos após D. Dinis ter escrito “Ai, flores, ai, flores do verde pino”.
E que a rainha Santa Isabel os pastoreie que, parafraseando o Pessoa, cognome Álvaro de Campos, o que há [em nós] é sobretudo cansaço.