Trinta e cinco anos passados do 25 de Abril de 1974, a editora Bizâncio reúne em livro – e à mesa – três portugueses e um belga de origem portuguesa que, entre amêijoas, bacalhau e outros pitéus, desatam memórias do antigamente.
Combatendo a amnésia que permitiu ainda há cerca de duas semanas baptizar um largo com o nome de Oliveira Salazar (e um acrescento: a autora desta nota, assim como assim, sempre compreende melhor os alemães que continuam a macerar o Hitler…), À Espera de Godinho é um livro de petites histoires através do qual conseguimos espreitar a História.
A primeira coisa que o leitor perguntará é: quem é Godinho? Pois, confesso que fiquei sem saber. Sei apenas que, não sendo certamente Godot, também ele se esgota na ameaça: nunca chega. Mas ainda assim se janta. À mesa: Amadeus Lopes Sabino, advogado, Manuel Paiva, físico naturalizado belga, José Morais, neuropsicólogo, e Jorge de Oliveira e Sousa, politólogo. Nasceram os quatro na década de 40 do século XX e foram todos exilados do regime salazarista. Continuam lá fora. Com percursos diversos, têm esse traço comum: recusaram a guerra colonial e as varizes do Roque do O’Neill, e zarparam precocemente rumo à democracia onde refizeram a vida alheados deste “jardim à beira-mar plantado”, o qual nunca confundiram com o “jardim das delícias” nem sequer depois de o terem pejado de cravos.
O livro não se esgota, porém, na rememoração dos velhos tempos, nem nas peripécias do que era, então, a resistência. O mundo hoje, a Europa hoje, a utopia hoje, a solidariedade hoje, Portugal hoje – eis alguns dos temas que também o atravessam, entrelaçados num viveiro de lembranças, divertido e dramático, amargo e positivo – cabe ao leitor escolher o menu.
Cultos e cultivados, é um prazer seguir a conversa destes quatro personagens, se não à procura de um autor pelo menos de um sentido. Concorde-se ou não com tudo aquilo que dizem. Especialmente, porque a nenhum nos apetece responder aquilo que Napoleão terá respondido a um general que, prontificando-se a retirar uns mapas de uma prateleira alta, fez notar ao Imperador: “Sire, eu sou maior”. Napoleão corrigiu-o: “Não general, o senhor não é maior, é só mais alto”. E também destas deliciosas histórias se faz À Espera de Godinho.