O livro não se resume ao optimismo que se poderá ler nestas frases; ainda assim gostaríamos de lembrar que tal optimismo foi, ainda há pouco, negado pelos factos: a legitimidade da tortura, por exemplo, a pretexto do 11 de Setembro, voltou a ser defendida (ou, pelo menos, admitida) por gente que, dias antes, não hesitaríamos em considerar civilizada e convidar para casa.
Um Mundo Iluminado, escrito pelos filósofos norte-americanos Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly, tem como ponto de partida a multiplicidade e volatilidade dos tempos que correm. A profusão de escolhas (paralisantes). A velocidade com que somos bombardeados por diferentes opiniões. A perda de referentes absolutos e princípios gerais. A deflagração dos pontos de referência, para além de nós próprios.
Em suma, parte do mundo intuito por Nietzsche (que seria hoje o nosso) — não certamente por acaso, O nosso niilismo contemporâneo é o título do primeiro capítulo —, tentando formas de fugir ao desespero que lhe estará associado.
Dito isto, não se tenta aqui qualquer renascimento de Deus — na medida em que poderíamos afirmar que Deus, do ponto de vista da clareza existencial, tornava as coisas mais fáceis, iluminando-as, à imagem do Muro de Berlim que, antes de cair, assinalava (ainda) com (alguma) precisão o lugar dos bons e dos maus.
O tema não é novo. Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly tentam, porém, uma aproximação original ao problema (porque de um problema se trata…).
Numa sociedade dessacralizada e secular, onde encontrar sustento que nos alimente o espírito e contrarie a anemia existencial?
As respostas, se as houver, estão nos grandes clássicos da literatura ocidental, garantem os autores. Mas, talvez para que a ideia de “grandes clássicos” não afastasse de imediato metade dos potenciais leitores, Um Mundo Iluminado opta por descolar ancorado a um escritor contemporâneo, David Foster Wallace, que, apesar de franco adepto da ironia, não resistiu à depressão e foi encontrado morto, enforcado, em 2008.
A obra de Wallace, analisada em contraponto com o percurso de Elizabeth Gilbert (autora do best-seller, Comer, Orar, Amar), introduz-nos ao coração do ensaio: “Na perspectiva nietzscheana de Wallace, nós somos os únicos agentes activos do universo, responsáveis por criar, a partir do nada, qualquer noção que possa existir do sagrado e do divino. Gilbert, pelo contrário, adopta uma concepção como a de Lutero da maturidade. Na sua perspectiva, somos destinatários passivos da vontade divina, nada mais do que receptáculos para a graça que ele possa decidir conceder-nos. Não haverá um meio-termo?”
Em busca desse “meio-termo”, somos conduzidos aos mundos de Homero, Dante, Melville, Descartes e Kant, guiados, não por uma visão teleológica da existência, mas por caminhos sinuosos pejados de deuses.
À visão tecnológica, empobrecida e insípida da actualidade, Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly contrapõem um mundo politeísta alicerçado na physis e na poiética. Mesmo que, no final, continuemos a desconfiar da sua possibilidade, fartámo-nos de aprender.
Um Mundo Iluminado, Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly, 2011, Lua de Papel, trad. de Francisco Gonçalves
Dito isto, não se tenta aqui qualquer renascimento de Deus — na medida em que poderíamos afirmar que Deus, do ponto de vista da clareza existencial, tornava as coisas mais fáceis, iluminando-as, à imagem do Muro de Berlim que, antes de cair, assinalava (ainda) com (alguma) precisão o lugar dos bons e dos maus.
O tema não é novo. Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly tentam, porém, uma aproximação original ao problema (porque de um problema se trata…).
Numa sociedade dessacralizada e secular, onde encontrar sustento que nos alimente o espírito e contrarie a anemia existencial?
As respostas, se as houver, estão nos grandes clássicos da literatura ocidental, garantem os autores. Mas, talvez para que a ideia de “grandes clássicos” não afastasse de imediato metade dos potenciais leitores, Um Mundo Iluminado opta por descolar ancorado a um escritor contemporâneo, David Foster Wallace, que, apesar de franco adepto da ironia, não resistiu à depressão e foi encontrado morto, enforcado, em 2008.
A obra de Wallace, analisada em contraponto com o percurso de Elizabeth Gilbert (autora do best-seller, Comer, Orar, Amar), introduz-nos ao coração do ensaio: “Na perspectiva nietzscheana de Wallace, nós somos os únicos agentes activos do universo, responsáveis por criar, a partir do nada, qualquer noção que possa existir do sagrado e do divino. Gilbert, pelo contrário, adopta uma concepção como a de Lutero da maturidade. Na sua perspectiva, somos destinatários passivos da vontade divina, nada mais do que receptáculos para a graça que ele possa decidir conceder-nos. Não haverá um meio-termo?”
Em busca desse “meio-termo”, somos conduzidos aos mundos de Homero, Dante, Melville, Descartes e Kant, guiados, não por uma visão teleológica da existência, mas por caminhos sinuosos pejados de deuses.
À visão tecnológica, empobrecida e insípida da actualidade, Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly contrapõem um mundo politeísta alicerçado na physis e na poiética. Mesmo que, no final, continuemos a desconfiar da sua possibilidade, fartámo-nos de aprender.
Um Mundo Iluminado, Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly, 2011, Lua de Papel, trad. de Francisco Gonçalves