22/09/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «A ilustre casa de Portugal»

«(...) Tão à-vontade a emborcar uma mini pelo gargalo na Ovibeja como a beber una caña com Felipe VI de Espanha numa esplanada em Madrid, Marcelo Rebelo de Sousa não consegue escapar ao pecadilho dos bem-nascidos que se relacionam com o povo (recordo o poema de Cesariny [“Vamos ver o povo / Que lindo é / Vamos ver o povo. / Dá cá o pé. // Vamos ver o povo. / Hop-lá! / Vamos ver o povo. / Já está.”]) mesclando comportamentos paternalistas e elitistas com uma condescendência mais ou menos postiça.

08/09/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «No pasa nada»

01/09/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Se me permitem, também quero dizer uma coisa»

« (...) Ora para chegar agora ao caso que vem convulsionado o mundo – ultrapassando em visibilidade e indignação o mote das alterações climáticas, da guerra na Ucrânia, situação no Níger, preço das rendas ou aumento das prestações bancárias em Portugal, dos naufrágios no Mediterrâneo, da recessão económica alemã, morte de Yevgeny Prigozhin, atentados absurdos aos direitos das mulheres no Afeganistão (a última medida anunciada pelos façanhudos talibãs – não confundir com os apanhadores de frutos secos da serra do Caldeirão – foi proibir as afegãs de passearem no Parque Nacional Band-e-Amir – classificado pela UNESCO como Património Mundial – sob pretexto de que estas não visitariam os lagos tão tapadas como manda a Lei…), da ilustríssima reunião da CPLP em São Tomé e Príncipe, ou de qualquer outro assunto de que me possa ter esquecido, incluindo a visita de Marcelo Rebelo de Sousa às trincheiras de Moschun, onde só lhe faltou gritar, naturalmente em ucraniano e enquanto tentava condecorar Zelensky à força, mão no peito e voz entaramelada de comoção, “Crimeia, Olivença, a mesma luta!” – pois, dizia eu, a grande questão que se coloca face ao caso que vem convulsionando o mundo é esta: jogou o treinador espanhol de acordo com as regras?

25/08/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Para dar por encerrada a silly season»

«(...) Por falar em sonetos e poetas, e quem fala em sonetos e poetas, fala em livros e literatura, a vós que tantos livros tereis lido nas férias – upa! upa! – deixo este excerto que podereis adaptar a gosto, disparando a seta no alvo que mais vos aprouver.

18/08/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Malucos do circo?»

«Sem pedir desculpa pela frontalidade, muito menos pelo gerúndio, desde já digo que, em ouvindo ouvir falar da “Marca Portugal”, logo me apetece sacar da Browning que não tenho. (...)

11/08/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Dança da Chuva é que era!»

«(...) Apesar do acontecimento [JMJ] ter um cunho mundial dirigido a “todos, todos, todos”, o Papa faria questão de pontuar as suas intervenções com alguns elementos da cultura nacional, nomeadamente literária e poética, onde se adivinhou a mão de Tolentino Mendonça. E se a tolerância do Sumo Pontífice, apesar de grande, não chegou ao anticlerical Guerra Junqueiro, chegou ao “ateu convicto” José Saramago de que citou no discurso do CCB a frase de efeito, “o que dá verdadeiro sentido ao encontro é a busca; e é preciso andar muito, para se alcançar o que está perto”, à qual, como qualquer frase de efeito, pode ser dado o sentido que mais nos convir ou até nenhum. “Isso não quer dizer nada”, diria o maldisposto detective Richard Poole.


Por falar em tolerância, recomendo vivamente a crónica 'O Papa', incluída no livro "Quando os Tontos Mandam" de Javier Marías (trad. e notas João Moita, Relógio D’ Água, 2018): está lá tudo o que é essencial saber sobre Francisco I (a designação é do escritor espanhol), homem para quem o limite da tolerância está em gozar com a religião, ou seja, e cito Marías: “temos que aguentar as procissões que ocupam as cidades espanholas durante oito dias seguidos, e nem sequer podemos fazer pouco delas”.

04/08/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «No princípio eram os peixes»

«Na juventude, tive um amigo cego que estudava peixes. Alto, corpulento, uma montanha amável de carnes e de riso desatado. Fazia-se anunciar pelo toque metálico da bengala, a cabeça literalmente erguida na direcção das nuvens, o corpo, o alçado de uma casa.

28/07/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «E se eu, em vez de metafísica, chocolates?»

«O cineasta Billy Wilder – um ser raro, num registo diferente tão raro como o pedopsiquiatra João dos Santos: ambos capazes de casar na perfeição inteligência e sensibilidade – desabafou um dia, cito de cor, que, se alguém quisesse dizer ao público a verdade, o melhor seria fazê-lo com humor ou o público matá-lo-ia.

07/07/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Que saudades de uma silly season de jeito!»

«(...) Num artigo publicado no Expresso da semana passada em que o tema era a linguagem inclusiva, tropeço nisto: “'Há sensibilidades diferentes’, até porque existem diversas ‘conceções do que é a linguagem’”. Ora batatas!

Não bastava a linguagem inclusiva ser, em si, um tema mais do que obscuro. Por exemplo, e segundo o glossário LGBT+ da reputada universidade norte-americana Johns Hopkins publicado no mês passado (entretanto, em reapreciação após uma enxurrada de críticas mais do que legítimas, nomeadamente as formuladas por J.K. Rowling), uma lésbica, cito, “é um não-homem que se sente atraído por outro não-homem. Enquanto definições anteriores referem ‘lésbica’ como uma mulher que se sente emocional, romântica, e/ou sexualmente atraída por outra mulher, a actual definição inclui pessoas não-binárias que também se podem identificar com o termo”. Já de acordo com o mesmo documento, “um homem gay é um homem que se sente atraído por outros homens, ou que se identifica com a comunidade gay” – ou seja, homem é vocábulo adquirido, dispensa caracterização, tão, mas tão claro e distinto que é a partir dele que se passa a definir mulher: não-homem. Conclusão: para não ofender pessoas não-binárias, mulher simplesmente desaparece. Quem lhes desse com a costela de Adão na mona e era pouco!
Portanto dizia eu que não bastava a obscuridade da linguagem inclusiva, ainda temos de agradecer aos deputados da Nação o bónus do léxico pós-Acordo-Ortográfico onde se inscreve agora, em nome da uniformização da língua, sublinhe-se uniformização, não uma, mas duas palavras: conceção em Portugal e concepção no Brasil! E repare-se como fico a milhas da amabilidade acaciana: “– E os idiotas de São Bento?... – exclamou Julião. Mas o Conselheiro interrompeu-o: – Meus bons amigos, falemos de outra coisa. É mais digno de portugueses e de súbditos fiéis.” (Eça de Queirós, O Primo Basílio).
Talvez Portugal tenha deixado de ser o país de marinheiros de António Nobre – “Georges! anda ver meu país de Marinheiros, / O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!” – mas continua relativo, mais do que bem plasmado em O’Neill – “País engravatado todo o ano / e a assoar-se na gravata por engano”. “Grandessíssimos e alternadíssimos camelos”, vociferava António Silva e nós a citá-lo. »

30/06/23

MEDITAÇÂO DE SEXTA: «Com os normais»

« (...) se Dantas e Albino se foram e Ângelo e o Manifesto… ficaram, assiste-se actualmente a um movimento em crescendo em defesa de uma “arte sã” produzida por “artistas virtuosos”, numa espécie de reedição esteticamente alargada do dito latino mens sana in corpore sano. Enquanto isso, e em paralelo, vai-se esboroando o êxtase material (para roubar a expressão ao Nobel da literatura J.M.G. Le Clézio, melhor ensaísta do que ficcionista, se me é permitido dizê-lo), o virtual em alta, como se pôde comprovar com a pichagem feita há semanas no polémico Padrão dos Descobrimentos em Belém, onde o anticolonialismo se exprimiu invocando, não Mandela, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto (por exemplo), mas Black Panther: Wakanda Forever, um filme de 2022 produzido pela Marvel Studios.

23/06/23

MEDITAÇÂO DE SEXTA: «Crónica que era para ser do não»

« (...) Ainda me lembrei da alfarrobeira, árvore que assombrosamente casa rusticidade com o aveludado das folhas e o perfume voluptuoso das vagens e que, antecedendo o mar em direcção ao Sul, tão bem revela esse “Algarve impressionista e mole” sobre o qual versejava o poeta João Lúcio. Fugaz lucubração. Depressa abandonado o lirismo e abraçado de pronto o realismo, ocorre-me a crueza da seca, as azeitonas queimadas pelo sol no topo das oliveiras e as uvas pendendo murchas pelos muros, alguns preservando ainda a brancura primitiva da cal. Ah! O calor! A alegria dos banhistas e o tormento dos campos.

09/06/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «DESLIGAMENTO»

«(...) Décadas a pregar a inteligência emocional – seja lá isso o que for –; elevação ao primeiro lugar do pódio da famigerada empatia – a palavra compaixão caída em desgraça sabe-se lá porquê –; milhares de talks e papers sobre liderança (leio, escrito por alguém que se identifica como Talent Manager: “Ser líder significa ser humano”, e logo me ocorre um impropério que uma esmerada educação me impede de partilhar…); linguagem cada vez mais açucarada – trabalhador/colaborador, patrão/investidor, despedir/flexibilizar, pobre/carenciado, etc., etc. – enquanto, ao mesmo tempo, o mundo se vai tornando cada vez mais competitivo, afunilado, vertiginoso.

19/05/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «PROÍBE QUE EU GOSTO»

 

12/05/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Mas as crianças, Senhor»

« (...) às crianças de sete e oito anos era pedido nas tais provas de aferição de Expressão Artística que imitassem o som de um sapo cego.

(...) As provas de aferição já tinham tido aquele pequeno problema de serem este ano realizadas digitalmente.

(...) Num paralelo com a quadra de António Aleixo – “A rica tem nome fino/ A pobre tem nome grosso/ A rica teve um menino/ A pobre pariu um moço” – aos filhos pequenos dos gurus da informática, os pais inscrevem-nos em escolas onde o recurso a computadores é reduzido; já as cabeças brilhantes que dirigem o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) consideram que o uso precoce de computadores não traz problema nenhum, antes pelo contrário.

05/05/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Quando os livros, e não o céu, nos caem na cabeça»

« (...) Rendida ao desmoronamento e ao caos, acabo por adiar a acareação com os estragos. Saco do chão um título ao acaso e calha-me o recente ensaio da Dom Quixote Linguagem e Verdade, de Salman Rushdie, esparramado no capítulo “A Caneta e a Espada. O Congresso Internacional do PEN de 1986”.

Leio que as mulheres presentes reclamaram da escassa presença feminina e que, a contracorrente, Susan Sontag declarou que “a literatura não é um empregador de igualdade de oportunidades” – começo a sorrir –, depois que o próprio Rushdie, tentando acalmar os ânimos, lembrou que “era o único representante do subcontinente indiano, ou seja, de um quinto da espécie humana” – continuo a sorrir –, e chego à parte em que ele conhece Donald Barthelme [escritor singular falecido em 1989 com dois livros de contos publicados na Antígona]: “Lembro-me de ter conhecido Donald Barthelme, cujo trabalho eu adorava, mas que estava tão bêbedo que tive a sensação de não o ter realmente conhecido. (Quando falei disto a um escritor americano amigo, ele disse-me: ‘Não, tu conheceste-o. Ele era assim.’).” Chegada aqui, já me estou a rir e esqueci Manguel.

E agora para terminar e porque escrevo no dia 1 de Maio e falei de livros, nada como regressar ao humor do velhinho Sholom Aleichem: “Meu caro Yankel: pedes-me que te escreva uma carta longa […] mas de facto não há muito para dizer. Os ricos continuam ricos e os pobres estão a morrer de fome, como sempre. O que é que isso tem de novo?”

Ah! E, entretanto, também li que Lídia Jorge ganhou mais um prémio literário. Bisando a pergunta anterior: o que é que isso tem de novo?»

03/05/23

MOMENTO TEATRAL A PROPÓSITO DE GALAMBA

DIÁLOGO NA VIA PÚBLICA ALGURES EM LISBOA, NOITE CERRADA

Tipo do SIS: Então, o que traz no regaço? São rosas?
Assessor: Não, é o computador.

28/04/23