05/05/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Quando os livros, e não o céu, nos caem na cabeça»

« (...) Rendida ao desmoronamento e ao caos, acabo por adiar a acareação com os estragos. Saco do chão um título ao acaso e calha-me o recente ensaio da Dom Quixote Linguagem e Verdade, de Salman Rushdie, esparramado no capítulo “A Caneta e a Espada. O Congresso Internacional do PEN de 1986”.

Leio que as mulheres presentes reclamaram da escassa presença feminina e que, a contracorrente, Susan Sontag declarou que “a literatura não é um empregador de igualdade de oportunidades” – começo a sorrir –, depois que o próprio Rushdie, tentando acalmar os ânimos, lembrou que “era o único representante do subcontinente indiano, ou seja, de um quinto da espécie humana” – continuo a sorrir –, e chego à parte em que ele conhece Donald Barthelme [escritor singular falecido em 1989 com dois livros de contos publicados na Antígona]: “Lembro-me de ter conhecido Donald Barthelme, cujo trabalho eu adorava, mas que estava tão bêbedo que tive a sensação de não o ter realmente conhecido. (Quando falei disto a um escritor americano amigo, ele disse-me: ‘Não, tu conheceste-o. Ele era assim.’).” Chegada aqui, já me estou a rir e esqueci Manguel.

E agora para terminar e porque escrevo no dia 1 de Maio e falei de livros, nada como regressar ao humor do velhinho Sholom Aleichem: “Meu caro Yankel: pedes-me que te escreva uma carta longa […] mas de facto não há muito para dizer. Os ricos continuam ricos e os pobres estão a morrer de fome, como sempre. O que é que isso tem de novo?”

Ah! E, entretanto, também li que Lídia Jorge ganhou mais um prémio literário. Bisando a pergunta anterior: o que é que isso tem de novo?»

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