Caríssima Ana Leonardo, que leio sempre com muito interesse. Apenas duas observações:
«Os onze minutos passados em órbita a bordo do New Shepard (…)» Não houve órbita coisa nenhuma. Para entrar em órbita teria de ter adquirido uma determinada velocidade horizontal muito grande, ora aquela geringonça apenas sobe sobe sobe e depois desde, sensivelmente na vertical. Aquilo só é uma viagem ao espaço porque sobe a mais de 100Km de altitude, fasquia a que por mera convenção se entendeu que é onde o espaço começa. Parafraseando o seu texto, aquilo é uma espécie de La Villette mas para ricos.
«Safo por fim da gravidade (…)». Falso. Nem por milagre às escuras ele se safou da gravidade. Apenas, por momentos teve a sensação de ausência de peso, o que é coisa diferente. Porque a cápsula ao terminar de subir desatou a descer em queda livre – e esse é o truque. Se num elevador se partir o cabo, os seus ocupantes também começarão a cair e, embora de modo limitado pelo atrito da caixa de ar do elevador, também sentirão alguma ausência de peso, até se estatelarem (viagem semelhante mas mais barata do que a do Bezos). Se cairem de muito alto, poderão cabriolar, mas a gravidade está lá. Assim como está (ligeiramente atenuada) em todos os corpos em órbita. A própria Lua, que está a 384 mil Km de distância da Terra, mantém-se em órbita, não desaparece, por causa da atracção recíproca de ambos os corpos a que se chama gravidade, seja o que for que ela seja (e há diferentes modelos de entendimento). Repare: Nós, ao cimo da Terra, estamos a 6400 Km de distância do seu centro de gravidade. A cápsula do Bezos subirá 100Km, portanto no máximo atingirá os 6500Km do centro da Terra. Não faz diferença praticamente nenhuma. Quem lhe diz isto é alguém que, quando foi miúdo, também se interessou muito por estes assuntos. Depois, a sua vida académica e profissional enveredou por outras vias, mas a curiosidade sobre o tema permaneceu. Se estiver interessada em conhecer melhor estas coisas, há uns seminários belíssimos no antigo Observatório Astronómico da Ajuda, ali no campus de Agronomia. Agora chama-se IA (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço). Já fiz alguns e recomendo. Vide https://divulgacao.iastro.pt/pt/cursos/ Que o marketing do Bezos não explique isto, enfim. Que o Captain Kirk não saiba é normal, todo o seu currículo foi feito numa nave espacial de contraplacado (até tinha uma telefonista com PBX!). Que o Sr Schatner não saiba, já é pena, comprou uma coisa pensando que era outra. São confusões muito disseminadas na imprensa. E obrigado pelo Herberto Helder. António Rodrigues
2 comentários:
Que vive por conta própria vive sempre com razão quer tenha ou não o Deus na mão.
Caríssima Ana Leonardo, que leio sempre com muito interesse. Apenas duas observações:
«Os onze minutos passados em órbita a bordo do New Shepard (…)»
Não houve órbita coisa nenhuma. Para entrar em órbita teria de ter adquirido uma determinada velocidade horizontal muito grande, ora aquela geringonça apenas sobe sobe sobe e depois desde, sensivelmente na vertical. Aquilo só é uma viagem ao espaço porque sobe a mais de 100Km de altitude, fasquia a que por mera convenção se entendeu que é onde o espaço começa. Parafraseando o seu texto, aquilo é uma espécie de La Villette mas para ricos.
«Safo por fim da gravidade (…)». Falso. Nem por milagre às escuras ele se safou da gravidade. Apenas, por momentos teve a sensação de ausência de peso, o que é coisa diferente. Porque a cápsula ao terminar de subir desatou a descer em queda livre – e esse é o truque. Se num elevador se partir o cabo, os seus ocupantes também começarão a cair e, embora de modo limitado pelo atrito da caixa de ar do elevador, também sentirão alguma ausência de peso, até se estatelarem (viagem semelhante mas mais barata do que a do Bezos). Se cairem de muito alto, poderão cabriolar, mas a gravidade está lá. Assim como está (ligeiramente atenuada) em todos os corpos em órbita. A própria Lua, que está a 384 mil Km de distância da Terra, mantém-se em órbita, não desaparece, por causa da atracção recíproca de ambos os corpos a que se chama gravidade, seja o que for que ela seja (e há diferentes modelos de entendimento).
Repare: Nós, ao cimo da Terra, estamos a 6400 Km de distância do seu centro de gravidade. A cápsula do Bezos subirá 100Km, portanto no máximo atingirá os 6500Km do centro da Terra. Não faz diferença praticamente nenhuma.
Quem lhe diz isto é alguém que, quando foi miúdo, também se interessou muito por estes assuntos. Depois, a sua vida académica e profissional enveredou por outras vias, mas a curiosidade sobre o tema permaneceu. Se estiver interessada em conhecer melhor estas coisas, há uns seminários belíssimos no antigo Observatório Astronómico da Ajuda, ali no campus de Agronomia. Agora chama-se IA (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço).
Já fiz alguns e recomendo.
Vide https://divulgacao.iastro.pt/pt/cursos/
Que o marketing do Bezos não explique isto, enfim. Que o Captain Kirk não saiba é normal, todo o seu currículo foi feito numa nave espacial de contraplacado (até tinha uma telefonista com PBX!). Que o Sr Schatner não saiba, já é pena, comprou uma coisa pensando que era outra. São confusões muito disseminadas na imprensa.
E obrigado pelo Herberto Helder.
António Rodrigues
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