Há anos tropeçava-se muito em Portugal. Uma pessoa
ia a passar no Chiado, via-se repentinamente desviada para a António Maria
Cardoso e era tropeção na certa. As mulheres, em casa, também tropeçavam muito.
Regressados os maridos da labuta, era um ver que te avias de tropeções. As
crianças, os loucos, os pretos, as criadas… tudo gente que tropeçava p’ra
caraças.
Há tropeções famosos. Bastante conhecido foi o de D. Pedro II que, ao
perder o equilíbrio no baile da Ilha Fiscal, comentaria com espírito: “A
monarquia tropeça mas não cai”, e 11 dias depois chegava ao Brasil a República.
Aos tropeções nacionais chamava Salazar “meia dúzia de safanões [dados] a
tempo”, evidenciando através do eufemismo que pouco saía de casa, razão por que
nunca visitou, por exemplo, o Tarrafal. Entretanto, veio o 25 de Abril, os
tropeções entraram em desuso.
Ultimamente, porém, a vox populi (e não vamos culpar os taxistas...) começa a clamar pelo
seu regresso, que antes seriam aqueles mal empregues mas agora bem merecidos, o
que me recorda a resposta do espanhol Fernando Savater ao francês Jean Daniel
no El País, a propósito das caricaturas do Profeta: “Jean Daniel informou-nos
(…) que aceita a blasfémia sempre que acompanhada de bom gosto e dignidade artística:
ele é daqueles que apenas apreciam stripteases quando são feitos ao som de
Mozart.”
O último tropeção de que tive conhecimento envolveu um agente da
autoridade em perseguição de um assaltante desarmado. A arma ter-se-á disparado
devido ao desequilíbrio do polícia, indo alojar-se no pescoço do meliante que
morreu no local. Como não tenho espaço para mais, limito-me a parafrasear o
Almirante: os tropeções são uma coisa que me chateia, pá.
4 comentários:
Coitadinho do assaltante... Vai-se a ver e foi a salazarista (se não fascista, pura e dura) vítima do assalto que teve o reaccionarismo de alertar o polícia...
Costa
Tropeçar é um desgosto e então quando são por via de rasteira, pior ainda. Mas, uma coisa é certa, andam por aí muitos facínoras que, parafraseando os imaculados, misericordiosos e virtuosos católicos: " mais valia nosso senhor levá-los".
Vá lá que do tropeção do policia não veio grande mal ao mundo.
Caríssima Cascaense,
O Almirante que cita, e cuja frontalidade e verticalidade nos faz tanta falta, nunca mencionou tropeçar.
O que ele disse Senhora foi, e há que entende-lo no contexto do PREC, "Chateia-me ser sequestrado, é uma coisa que me chateia pá"
E nessa mesma entrevista disse também "Primeiro fazem-se plenários, depois cumprem-se as ordens"
Melhores cumprimentos,
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