É preciso que haja um barco bêbedo, um erro de gramática, uma mulher de quem se possa dizer: Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis (ou então que a mão confesse com lucidez etílica: no se puede vivir sin amor). É preciso que o sentimento não se dirija ao coração mole das pessoas sensíveis que não são capazes/ de matar galinhas...
É preciso lembrar Wilde: “A sentimentalist is simply one who desires to have the luxury of an emotion without paying for it”.
É preciso que o artificio não mate o pacto narrativo e que o lirismo não desculpe os “cagalhões líricos que por aí andam, passeiam e triunfam”.
Talento é fundamental (não confundir a sordidez de Celine com a vulgaridade de Houellebecq).
Mundo é fundamental (não confundir ter mundo com descargas confessionais).
Imaginação, precisa-se. Distanciamento, exige-se. Oficina, idem mas sem oferta de garantia (“o estilo é uma dificuldade de expressão”). Quanto ao que faz a coisa literária, permanece um “je ne sais quoi” cuja receita é tão ou mais secreta do que a dos pasteis de Belém.
O maior mistério, contudo, é escrever-se “valter hugo mãe” no Google e em poucos segundos surgirem 468 mil referências e fazer o mesmo para Herberto Helder e não se ir além das 77 700.
Lê-se a poética do primeiro (“… algo em ti me puxa/ sempre ao sentimento, mesmo antes de/ te conhecer, lembras-te, uma propensão para/ te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus/ modos…”), depois o segundo (“Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra/ e seu arbusto de sangue. Com ela/ encantarei a noite…”) e só Camões nos impede de cortar os pulsos: UM MILHÃO E VINTE MIL entradas.
14 comentários:
Não é bem assim. “valter hugo mãe” dá 261.000 resultados, "herberto helder" 192.000.
Isto cá em casa, e usando as aspazinhas na pesquisa como convêm. Está mal, mas nada que se compare. Não terá o tal milhão resultado do não uso das aspas, levando o algoritmo a meter um milhão de mães não progenitoras do valter, do hugo ou de ambos ao barulho? Ou isso ou o meu google é mais civilizado do que o teu...
o milhão era para o camões; mas é verdade que hoje os números variavam dos indicados no texto (e dos teus) embora sempre com vantagem para o valter em relação ao herberto. é a decadência da civilização via google (por muito civilizado que o teu google seja...)
:-)
Googlemos, irmãos...
(não apareceste, não sabes o que perdeste, fiufiu...)
pois. E o Herbert Hoover tem muito mais entradas no google do que Herberto Helder, o que também é trágico. De qualquer maneira, o Herberto, que é discreto, não aprecia sobremaneira que se cortem os pulsos por causa dele e ia achar muito pouco poético contar poetas no google. E o Camoens?
Gosto da malta que fala em nome dos outros. Por exemplo, do Herberto Helder. Dá um certo sainete, como se dizia antigamente antes do google.
Percebo a sua preocupação mas as telenovelas têm mais audiencia que a Camara clara...Ter menos entradas, o HH não deixa que ele nos encante ao escrever "encantarei a noite".
Eu costumo não apreciar os homens consensuais, tipo não gosto dos que têm muitas entradas "no google".
É como manufacturar ou o fabricado em maquina. Faz menos à mão mas é especial é como os poetas.
o problema dos medíocres não é o facto de existirem, é o espaço que ocupam.
ó ironia, etc.
«o problema dos medíocres não é o facto de existirem, é o espaço que ocupam.» (palavras da respeitável agrimensora)
fallorca, estás numa de me oferecer charrinhos alimados?
Sainete tem 611 000 entradas no google, mais do que o valter. Mas só Deus sabe se o Herberto Helder quer ou não ganhar à britney spears nesse campeonato e ninguém se deve por-se a adivinhar essas coisas, tem a Ana Cristina Leonardo razão. Alguém sabe se já apareceu a palavra google num poema?
Serve uma canção? "I google you", da Amanda Palmer (234 mil resultados no google - com aspas):
http://www.youtube.com/watch?v=Z5ErKq4o4sQ
(Letra aqui: http://letras.terra.com.br/amanda-palmer/1379586/traducao.html)
Meus Deus, eles existem! Obrigado morgada, serve perfeitamente! A Ana Cristina Leonardo vai fazer uma versão chamada "I google you, Herberto Helder". Mas descobri mais, check it out:
goodreads.com/story/show/35286-2-poems-about-google
Descobri outro:
I Google Myself,
By Mel Nichols
I Google myself
I want you to love me
When I feel down
I want you to Google me
I search myself
i want you to remind me
I don't Google anybody else
when I think about you
I Google myself
Ooh
E continua, é um épico. vão lá ao poetryfoundation.org. Embrulha, ó Herberto!
Leoparda, e não só... mas até dia 22.
A partir daí, ofereces tu... na Feira?
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