08/04/12

Do Camões ao valter passando pelo Herberto [descubra as diferenças]

Os escrevedores que me perdoem mas talento é fundamental.
É preciso que haja um barco bêbedo, um erro de gramática, uma mulher de quem se possa dizer: Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis (ou então que a mão confesse com lucidez etílica: no se puede vivir sin amor). É preciso que o sentimento não se dirija ao coração mole das pessoas sensíveis que não são capazes/ de matar galinhas...
É preciso lembrar Wilde: “A sentimentalist is simply one who desires to have the luxury of an emotion without paying for it”.
É preciso que o artificio não mate o pacto narrativo e que o lirismo não desculpe os “cagalhões líricos que por aí andam, passeiam e triunfam”.
Talento é fundamental (não confundir a sordidez de Celine com a vulgaridade de Houellebecq).
Mundo é fundamental (não confundir ter mundo com descargas confessionais).
Imaginação, precisa-se. Distanciamento, exige-se. Oficina, idem mas sem oferta de garantia (“o estilo é uma dificuldade de expressão”). Quanto ao que faz a coisa literária, permanece um “je ne sais quoi” cuja receita é tão ou mais secreta do que a dos pasteis de Belém.
O maior mistério, contudo, é escrever-se “valter hugo mãe” no Google e em poucos segundos surgirem 468 mil referências e fazer o mesmo para Herberto Helder e não se ir além das 77 700.
Lê-se a poética do primeiro (“… algo em ti me puxa/ sempre ao sentimento, mesmo antes de/ te conhecer, lembras-te, uma propensão para/ te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus/ modos…”), depois o segundo (“Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra/ e seu arbusto de sangue. Com ela/ encantarei a noite…”) e só Camões nos impede de cortar os pulsos: UM MILHÃO E VINTE MIL entradas.

14 comentários:

joão josé cardoso disse...

Não é bem assim. “valter hugo mãe” dá 261.000 resultados, "herberto helder" 192.000.
Isto cá em casa, e usando as aspazinhas na pesquisa como convêm. Está mal, mas nada que se compare. Não terá o tal milhão resultado do não uso das aspas, levando o algoritmo a meter um milhão de mães não progenitoras do valter, do hugo ou de ambos ao barulho? Ou isso ou o meu google é mais civilizado do que o teu...

Ana Cristina Leonardo disse...

o milhão era para o camões; mas é verdade que hoje os números variavam dos indicados no texto (e dos teus) embora sempre com vantagem para o valter em relação ao herberto. é a decadência da civilização via google (por muito civilizado que o teu google seja...)
:-)

fallorca disse...

Googlemos, irmãos...
(não apareceste, não sabes o que perdeste, fiufiu...)

o tempura, o mores disse...

pois. E o Herbert Hoover tem muito mais entradas no google do que Herberto Helder, o que também é trágico. De qualquer maneira, o Herberto, que é discreto, não aprecia sobremaneira que se cortem os pulsos por causa dele e ia achar muito pouco poético contar poetas no google. E o Camoens?

Ana Cristina Leonardo disse...

Gosto da malta que fala em nome dos outros. Por exemplo, do Herberto Helder. Dá um certo sainete, como se dizia antigamente antes do google.

henedina disse...

Percebo a sua preocupação mas as telenovelas têm mais audiencia que a Camara clara...Ter menos entradas, o HH não deixa que ele nos encante ao escrever "encantarei a noite".
Eu costumo não apreciar os homens consensuais, tipo não gosto dos que têm muitas entradas "no google".
É como manufacturar ou o fabricado em maquina. Faz menos à mão mas é especial é como os poetas.

Ana Cristina Leonardo disse...

o problema dos medíocres não é o facto de existirem, é o espaço que ocupam.
ó ironia, etc.

fallorca disse...

«o problema dos medíocres não é o facto de existirem, é o espaço que ocupam.» (palavras da respeitável agrimensora)

Ana Cristina Leonardo disse...

fallorca, estás numa de me oferecer charrinhos alimados?

almanaque disse...

Sainete tem 611 000 entradas no google, mais do que o valter. Mas só Deus sabe se o Herberto Helder quer ou não ganhar à britney spears nesse campeonato e ninguém se deve por-se a adivinhar essas coisas, tem a Ana Cristina Leonardo razão. Alguém sabe se já apareceu a palavra google num poema?

Morgada de V. disse...

Serve uma canção? "I google you", da Amanda Palmer (234 mil resultados no google - com aspas):
http://www.youtube.com/watch?v=Z5ErKq4o4sQ

(Letra aqui: http://letras.terra.com.br/amanda-palmer/1379586/traducao.html)

Almanaque disse...

Meus Deus, eles existem! Obrigado morgada, serve perfeitamente! A Ana Cristina Leonardo vai fazer uma versão chamada "I google you, Herberto Helder". Mas descobri mais, check it out:

goodreads.com/story/show/35286-2-poems-about-google

Almanaque disse...

Descobri outro:

I Google Myself,
By Mel Nichols

I Google myself
I want you to love me
When I feel down
I want you to Google me
I search myself
i want you to remind me

I don't Google anybody else
when I think about you
I Google myself
Ooh

E continua, é um épico. vão lá ao poetryfoundation.org. Embrulha, ó Herberto!

fallorca disse...

Leoparda, e não só... mas até dia 22.
A partir daí, ofereces tu... na Feira?