Sou do tempo em que se mudavam fusíveis à mão. Hoje é o tempo de Mexia (António Mexia). Entre nós, o abismo de um novo paradigma.
Como qualquer paradigma que se preze, também este significou um corte epistemológico com o passado. Um corte quiçá mais radical do que aquele que levou os físicos a “abandonar a crença na possibilidade de toda a física ter por base a mecânica de Newton”.
Sem mais rodeios: a pesquisa de Michael Faraday sobre electricidade está para a revolução da física assim como o poder de Mexia está para a revolução energética/cultural.
Mexia é enérgico. Energético. “Energizante”. Parafraseando Cabrera Infante, Mexia é Demasiado! De desmaiar (colapso dos sentidos que vem acometendo um número significativo de portugueses quando confrontados com a conta da luz).
Mas se Faraday era cientista, Mexia é economista. Não que seja demasiado económico. A prová-lo, três grandes projectos artísticos no Douro.
Pedro Cabrita Reis vai usar 2.700 l de amarelo numa superfície de 13.000 m2 (barragem da Bemposta); Pedro Calapez preferiu a cor e o vidro temperado para uma superfície de 142 m2 (barragem de Picote); quanto a Souto Moura, coube-lhe “minimizar as alterações morfológicas das vertentes, a volumetria exposta das obras e o seu impacto visual” na Foz do Tua.
Mexia, amigo das artes, veio também anunciar a decisão de fazer construir as novas casas das máquinas das barragens por Pritzker de arquitectura. Com a mania das grandezas característica da bipolaridade portuguesa (nos outros dias somos piegas), sublinhou tratar-se de um “projecto inovador a nível mundial”.
Citando o crítico de design Mário Moura: “Às vezes há boas razões para nunca ninguém ter feito uma coisa”.
27/03/12
26/03/12
23/03/12
Na embaixada de Portugal em Brasília também já conhecem o valentão do Chiado
Quando se linka pelo google, o site da embaixada aparece temporariamente indisponível. Mas o link abaixo dá para apreciar o grande acto de coragem do policia de choque que agrediu ontem a jornalista da AFP
http://www.embaixadadeportugal.org.br/noticias/noticia.php?cod_noticia=69
E agora processem-me!
http://www.embaixadadeportugal.org.br/noticias/noticia.php?cod_noticia=69
E agora processem-me!
22/03/12
Os cadáveres ainda não arrefeceram a já a caganita histérica chamada Sarkozy os profana apelando à censura e à democracia do músculo
«Toute personne qui consultera de manière habituelle des sites Internet qui font l’apologie du terrorisme ou qui appellent à la haine sera punie pénalement», Nicolas Sarkozy
Antes da sexta-feira santa e depois do dia do pai o dia da poesia ou "precisamos de merda"
Lido durante um jantar, no Carnaval de 1934, na presença de um Ministro da Agricultura – Leovigildo Queimado Franco de Sousa
Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura
Exposição
Porque julgamos digna de registo,
a nossa exposição, Sr. Ministro,
erguemos até vós humildemente,
uma toada uníssona e plangente,
em que evitámos o menor deslize,
e em que damos razão da nossa crise.
Senhor, em vão esta província inteira,
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até à fralda da camisa.
Mas falta-nos a matéria orgânica precisa,
na terra que é delgada e sempre fraca.
A matéria em questão, chama-se caca.
Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisámos de outra coisa…
Se os membros desse ilustre Ministério
querem tomar o nosso caso bem a sério;
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade,
e mijem-nos também, por caridade…
O Senhor Oliveira Salazar,
quando tiver vontade de cagar,
venha até nós, solicito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado,
deite as calças abaixo, com sossego,
ajeite o cu bem apontado ao rego,
e como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho.
A nação confiou-lhe os seus destinos…
Então comprima, aperte os intestinos.
e ai..se lhe escapar um traque não se importe…
quem sabe se o cheirá-lo não dará sorte…
Quantos porão as suas esperanças
num traque do Ministro das Finanças…
e também, quem vive aflito e sem recursos,
ja nao distingue os traques, dos discursos…
Não pecisa falar, tenha a certeza,
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provem da merda que juntarmos nelas .
Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa,
adubos de potassa, cal, azote;
tragam-nos merda pura do bispote,
e de todos os penicos portugueses,
durante pelo menos uns seis meses.
Sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente eles nos despejem trampa.
Ah terras alentejanas, terras nuas,
desesperos de arados e charruas
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sempre a paixão nostálgica da merda…
Precisamos de merda senhor Soisa,
e nunca precisámos de outra coisa…
Ah, merda grossa e fina , merda boa,
das inúteis retretes de Lisboa.
Como é triste saber que todos vós
andais cagando, sem pensar em nós…
Se querem fomentar a agricultura,
mandem vir muita gente com soltura…
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala…
Ah, venham todas as merdas à vontade,
não faremos questão da qualidade,
formas normais ou formas esquisitas.
E desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena poia, à grande bosta,
tudo o que vier a gente gosta ,
Precisamos de merda, Senhor Soisa ,
e nunca precisámos de outra coisa…
Obrigada, João. pelo magnífico poema
Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura
Exposição
Porque julgamos digna de registo,
a nossa exposição, Sr. Ministro,
erguemos até vós humildemente,
uma toada uníssona e plangente,
em que evitámos o menor deslize,
e em que damos razão da nossa crise.
Senhor, em vão esta província inteira,
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até à fralda da camisa.
Mas falta-nos a matéria orgânica precisa,
na terra que é delgada e sempre fraca.
A matéria em questão, chama-se caca.
Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisámos de outra coisa…
Se os membros desse ilustre Ministério
querem tomar o nosso caso bem a sério;
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade,
e mijem-nos também, por caridade…
O Senhor Oliveira Salazar,
quando tiver vontade de cagar,
venha até nós, solicito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado,
deite as calças abaixo, com sossego,
ajeite o cu bem apontado ao rego,
e como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho.
A nação confiou-lhe os seus destinos…
Então comprima, aperte os intestinos.
e ai..se lhe escapar um traque não se importe…
quem sabe se o cheirá-lo não dará sorte…
Quantos porão as suas esperanças
num traque do Ministro das Finanças…
e também, quem vive aflito e sem recursos,
ja nao distingue os traques, dos discursos…
Não pecisa falar, tenha a certeza,
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provem da merda que juntarmos nelas .
Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa,
adubos de potassa, cal, azote;
tragam-nos merda pura do bispote,
e de todos os penicos portugueses,
durante pelo menos uns seis meses.
Sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente eles nos despejem trampa.
Ah terras alentejanas, terras nuas,
desesperos de arados e charruas
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sempre a paixão nostálgica da merda…
Precisamos de merda senhor Soisa,
e nunca precisámos de outra coisa…
Ah, merda grossa e fina , merda boa,
das inúteis retretes de Lisboa.
Como é triste saber que todos vós
andais cagando, sem pensar em nós…
Se querem fomentar a agricultura,
mandem vir muita gente com soltura…
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala…
Ah, venham todas as merdas à vontade,
não faremos questão da qualidade,
formas normais ou formas esquisitas.
E desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena poia, à grande bosta,
tudo o que vier a gente gosta ,
Precisamos de merda, Senhor Soisa ,
e nunca precisámos de outra coisa…
Obrigada, João. pelo magnífico poema
20/03/12
18/03/12
Para não estar sempre a bater no mesmo ceguinho
Algures nas caixas de comentários, uma cliente deste tasco levantou a hipótese de eu ter um questão pessoal com o José Luís Peixoto. Não conhecendo eu sequer o José Luís Peixoto, deixo hoje, para variar, um excerto encontrado na NET assinado por valter hugo mãe, o qual (excerto) em nada fica atrás, apesar das minúsculas, dos outros que transcrevi aqui do autor de Morreste-me.
E, a propósito de ambos os citados, cito o malogrado Christopher Hitchens: Everybody does have a book in them, but in most cases that's where it should stay.
Excerto de a máquina de fazer espanhóis, valter hugo mãe: “Abracei o corpo da minha mulher, segurei-lhe a mão, a sua cabeça no meu ombro,criei um pequeno embalo, como para adormecê-la, ou como se faz a quem chora e queremos confortar. vai ficar tudo bem, vai correr tudo bem. o que era impossível, e o impossível não melhora, não se corrige. estávamos encostados à parede, sobre o cortinado, como fazíamos na juventude para os beijos e para as partilhas tolas de enamorados. estávamos escondidos de todos, eu e a minha mulher morta que não me diria mais nada, por mais insistente que fosse o meu desespero, a minha necessidade de respirar através dos seus olhos, a minha necessidade vital de respirar através do seu sorriso. eu e a minha mulher morta que se demitia de continuar a justificar-me a vida e que, abraçando-me como podia, entregava-me tudo de uma só vez. e eu, incrível, deixava tudo de uma só vez ao cuidado nenhum do medo e recomeçava a gritar.”
Incrível, indeed.
E, a propósito de ambos os citados, cito o malogrado Christopher Hitchens: Everybody does have a book in them, but in most cases that's where it should stay.
Excerto de a máquina de fazer espanhóis, valter hugo mãe: “Abracei o corpo da minha mulher, segurei-lhe a mão, a sua cabeça no meu ombro,criei um pequeno embalo, como para adormecê-la, ou como se faz a quem chora e queremos confortar. vai ficar tudo bem, vai correr tudo bem. o que era impossível, e o impossível não melhora, não se corrige. estávamos encostados à parede, sobre o cortinado, como fazíamos na juventude para os beijos e para as partilhas tolas de enamorados. estávamos escondidos de todos, eu e a minha mulher morta que não me diria mais nada, por mais insistente que fosse o meu desespero, a minha necessidade de respirar através dos seus olhos, a minha necessidade vital de respirar através do seu sorriso. eu e a minha mulher morta que se demitia de continuar a justificar-me a vida e que, abraçando-me como podia, entregava-me tudo de uma só vez. e eu, incrível, deixava tudo de uma só vez ao cuidado nenhum do medo e recomeçava a gritar.”
Incrível, indeed.
"Contrariedades" — resumo já desactualizado da semana que passou ou de como Portugal não pára de mudar mas sem sair do mesmo sítio
Não será por falta de assunto mas o caso é que, resultado quiçá da chuva que teima em não cair, me sinto o avesso do Cesário, o qual, por esta altura, “cruel, frenético, exigente”, já teria fumado “três maços de tabaco/ Consecutivamente”.
A meteorologia atordoa-nos, a crise envolve-nos num spleen que não favorece os franchising. Talvez não venhamos a morrer de fome; definharemos certamente de tédio antes de pagar à troika.
Álvaro sai ou fica na “zona de conforto”? Cavaco disse ou não disse aquilo que disse ou não disse (quem, com este calor, conseguirá ler “na íntegra” o prefácio de “Roteiros VI” conforme sugestão do seu autor)? Aceitará Bruxelas que as vacas em “modo de produção biológico” se tornem, a pedido de Assunção Cristas, vacas em modo de produção semi-biológico (às 2ªs, 4ªs e 6ªs comem ração, nos outros dias comem feno)? Fará escola a expedita ideia de Pedro Mota Soares, ministro que, a propósito de lares para a 3ª idade, se propôs combater a solidão dos velhos aumentando o seu número por quarto, permitindo-lhes, assim, ficar bem mais juntinhos? Continuaremos a discutir o excessivo bom gosto da Parque Escolar até chegarmos à subjectividade do juízo estético kantiano? Manter-se-á Portugal no “bom caminho”, aquele que acaba de nos conduzir ao segundo lugar do pódio do desemprego dos países da OCDE, ou antes da silly season derrubaremos a pole position espanhola, motivo mais do que suficiente para ressuscitar o feriado do 1º de Dezembro? E a língua portuguesa? Prosseguirá ela em movimento acelerado, até que possamos, finalmente, escrever “aver” em vez de “haver”?
Tanta pomba assassinada, tanto assunto para Farpas e só nos saem casa(s) na escuridão e em minúsculas. A propósito, 2+2 já somam cinco?
Imagem daqui
A meteorologia atordoa-nos, a crise envolve-nos num spleen que não favorece os franchising. Talvez não venhamos a morrer de fome; definharemos certamente de tédio antes de pagar à troika.
Álvaro sai ou fica na “zona de conforto”? Cavaco disse ou não disse aquilo que disse ou não disse (quem, com este calor, conseguirá ler “na íntegra” o prefácio de “Roteiros VI” conforme sugestão do seu autor)? Aceitará Bruxelas que as vacas em “modo de produção biológico” se tornem, a pedido de Assunção Cristas, vacas em modo de produção semi-biológico (às 2ªs, 4ªs e 6ªs comem ração, nos outros dias comem feno)? Fará escola a expedita ideia de Pedro Mota Soares, ministro que, a propósito de lares para a 3ª idade, se propôs combater a solidão dos velhos aumentando o seu número por quarto, permitindo-lhes, assim, ficar bem mais juntinhos? Continuaremos a discutir o excessivo bom gosto da Parque Escolar até chegarmos à subjectividade do juízo estético kantiano? Manter-se-á Portugal no “bom caminho”, aquele que acaba de nos conduzir ao segundo lugar do pódio do desemprego dos países da OCDE, ou antes da silly season derrubaremos a pole position espanhola, motivo mais do que suficiente para ressuscitar o feriado do 1º de Dezembro? E a língua portuguesa? Prosseguirá ela em movimento acelerado, até que possamos, finalmente, escrever “aver” em vez de “haver”?
Tanta pomba assassinada, tanto assunto para Farpas e só nos saem casa(s) na escuridão e em minúsculas. A propósito, 2+2 já somam cinco?
Imagem daqui
15/03/12
A book a day keeps the doctor away: "Poeira da Alma", Nicholas Humphrey
Começando pelo fim. No último capítulo de Poeira da Alma, o reputado psicólogo evolucionista Nicholas Humphrey cita o filósofo Tom Nagel, um crítico das teorias reducionistas da mente (“Sem consciência, o problema mente/corpo seria muito menos interessante. Com consciência parece insolúvel”), reformulando-lhe a frase: “sem consciência, os seres humanos seriam muito menos interessantes. Com consciência, parecem quase demasiado interessantes para serem traduzidos em palavras”.
Arriscar em palavras uma nova teoria da consciência é o objectivo de Poeira da Alma. Um risco justificado logo no início quando, a propósito de uma crítica a obra anterior, então classificada
como “apenas profundamente interessante”, Humphrey pergunta: (…) quem quereria ter um epitáfio a dizer que as suas ideias eram ‘apenas profundamente interessantes’?”
O humor. O humor atravessa o livro, naquele registo reconhecidamente britânico, capaz de rir de coisas sérias. E a consciência é um caso sério. Tão sério, que há quem garanta que é um problema – cientificamente – impossível. Mais ainda do que os “objectos impossíveis” cujas imagens são reproduzidas ao longo das páginas, começando pelo “triângulo de Penrose”, “ilusão de perspectiva” que Humphrey vai “transpor” para o tema da consciência, registando-a, afinal, como
um cenário de magia que nós próprios criamos dentro das nossas cabeças.
Tal cenário, contudo, tem finalidade biológica, é fruto da evolução das espécies e mesmo funda a espiritualidade humana, que o investigador, aliás, distingue do espírito religioso, avançando até “que provavelmente a espiritualidade ainda é mais adaptativa sem a religião”.
Um ensaio fascinante e provocador.
Poeira da Mente, A Magia da Consciência, 2012, tradução de Ana Falcão Ramos, Gradiva
Arriscar em palavras uma nova teoria da consciência é o objectivo de Poeira da Alma. Um risco justificado logo no início quando, a propósito de uma crítica a obra anterior, então classificada
como “apenas profundamente interessante”, Humphrey pergunta: (…) quem quereria ter um epitáfio a dizer que as suas ideias eram ‘apenas profundamente interessantes’?”
O humor. O humor atravessa o livro, naquele registo reconhecidamente britânico, capaz de rir de coisas sérias. E a consciência é um caso sério. Tão sério, que há quem garanta que é um problema – cientificamente – impossível. Mais ainda do que os “objectos impossíveis” cujas imagens são reproduzidas ao longo das páginas, começando pelo “triângulo de Penrose”, “ilusão de perspectiva” que Humphrey vai “transpor” para o tema da consciência, registando-a, afinal, como
um cenário de magia que nós próprios criamos dentro das nossas cabeças.
Tal cenário, contudo, tem finalidade biológica, é fruto da evolução das espécies e mesmo funda a espiritualidade humana, que o investigador, aliás, distingue do espírito religioso, avançando até “que provavelmente a espiritualidade ainda é mais adaptativa sem a religião”.
Um ensaio fascinante e provocador.
Poeira da Mente, A Magia da Consciência, 2012, tradução de Ana Falcão Ramos, Gradiva
14/03/12
Até o Greg Smith da Goldman Sachs percebeu que esta merda tem de ter deontologia ou citando o mafioso Johnny Gaspar "I'm talkin' about ethics"
TODAY is my last day at Goldman Sachs. After almost 12 years at the firm — first as a summer intern while at Stanford, then in New York for 10 years, and now in London —I believe I have worked here long enough to understand the trajectory of its culture, its people and its identity. And I can honestly say that the environment now is as toxic and destructive as I have ever seen it.
(...)
continua no site do New York Times
Boneco The New Yorker Cartoons
(...)
continua no site do New York Times
Boneco The New Yorker Cartoons
13/03/12
Há muito tempo que não visitava o José Luís Peixoto salvo seja ou se isto é literatura eu sou a Marilyn Monroe*
[Chama-se esta pérola "Amor Burguês"]
«Havemos de engordar juntos.
Normalmente, toda a gente está demasiado preocupada em colocar a barra que diz "cliente seguinte", estão ansiosos, nervosos, têm medo que aquele que está à frente lhes leve os iogurtes, têm medo de pagar o fiambre daquele que está atrás. Enquanto não marcam essa divisão, não descansam. Depois, não descansam também, inventam outras maneiras de distrair-se. É por isso que poucos chegam a aperceber-se de que a verdadeira imagem do amor acontece na caixa do supermercado, naqueles minutos em que um está a pôr as compras no tapete rolante e, na outra ponta, o outro está a guardá-las nos sacos.
As canções e os poemas ignoram isto. Repetem campos, montanhas, praias, falésias, jardins, love, love, love, mas esse momento específico, na caixa do supermercado, tão justo e tão certo, é ignorado ostensivamente por todos os cantores e poetas românticos do mundo. Bem sei que há a crueza das lâmpadas fluorescentes, há o barulho das caixas registadoras, pim-pim-pim, há o barulho das moedas a caírem nas gavetas de plástico, há a musiquinha e os altifalantes: responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12, responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12; mas tudo isso, à volta, num plano secundário, só deveria servir para elevar mais ainda a grandeza nuclear desse momento.
É muito fácil confundir o banal com o precioso quando surgem simultâneos e quase sobrepostos. Essa é uma das mil razões que confirma a necessidade da experiência. Viver é muito diferente de ver viver. Ou seja, quando se está ao longe e se vê um casal na caixa do supermercado a dividir tarefas, há a possibilidade de se ser snob, crítico literário; quando se é parte desse casal, essa possibilidade não existe. Pelas mãos passam-nos as compras que escolhemos uma a uma e os instantes futuros que imaginámos durante essa escolha: quando estivermos a jantar, a tomar o pequeno-almoço, quando estivermos a pôr roupa suja na máquina, quando a outra pessoa estiver a lavar os dentes ou quando estivermos a lavar os dentes juntos, reflectidos pelo mesmo espelho, com a boca cheia de pasta de dentes, a comunicar por palavras de sílabas imperfeitas, como se tivéssemos uma deficiência na fala.
Ter alguém que saiba o pin do nosso cartão multibanco é um descanso na alma. Essa tranquilidade faz falta, abranda a velocidade do tempo para o nosso ritmo pessoal. É incompreensível que ninguém a cante.»
(...)
*Não vá aparecer gente ao engano
«Havemos de engordar juntos.
Normalmente, toda a gente está demasiado preocupada em colocar a barra que diz "cliente seguinte", estão ansiosos, nervosos, têm medo que aquele que está à frente lhes leve os iogurtes, têm medo de pagar o fiambre daquele que está atrás. Enquanto não marcam essa divisão, não descansam. Depois, não descansam também, inventam outras maneiras de distrair-se. É por isso que poucos chegam a aperceber-se de que a verdadeira imagem do amor acontece na caixa do supermercado, naqueles minutos em que um está a pôr as compras no tapete rolante e, na outra ponta, o outro está a guardá-las nos sacos.
As canções e os poemas ignoram isto. Repetem campos, montanhas, praias, falésias, jardins, love, love, love, mas esse momento específico, na caixa do supermercado, tão justo e tão certo, é ignorado ostensivamente por todos os cantores e poetas românticos do mundo. Bem sei que há a crueza das lâmpadas fluorescentes, há o barulho das caixas registadoras, pim-pim-pim, há o barulho das moedas a caírem nas gavetas de plástico, há a musiquinha e os altifalantes: responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12, responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12; mas tudo isso, à volta, num plano secundário, só deveria servir para elevar mais ainda a grandeza nuclear desse momento.
É muito fácil confundir o banal com o precioso quando surgem simultâneos e quase sobrepostos. Essa é uma das mil razões que confirma a necessidade da experiência. Viver é muito diferente de ver viver. Ou seja, quando se está ao longe e se vê um casal na caixa do supermercado a dividir tarefas, há a possibilidade de se ser snob, crítico literário; quando se é parte desse casal, essa possibilidade não existe. Pelas mãos passam-nos as compras que escolhemos uma a uma e os instantes futuros que imaginámos durante essa escolha: quando estivermos a jantar, a tomar o pequeno-almoço, quando estivermos a pôr roupa suja na máquina, quando a outra pessoa estiver a lavar os dentes ou quando estivermos a lavar os dentes juntos, reflectidos pelo mesmo espelho, com a boca cheia de pasta de dentes, a comunicar por palavras de sílabas imperfeitas, como se tivéssemos uma deficiência na fala.
Ter alguém que saiba o pin do nosso cartão multibanco é um descanso na alma. Essa tranquilidade faz falta, abranda a velocidade do tempo para o nosso ritmo pessoal. É incompreensível que ninguém a cante.»
(...)
*Não vá aparecer gente ao engano
12/03/12
My name is Potter, Harry Potter
Há quem diga que a literatura não serve para nada, sendo precisamente dessa inutilidade que retira todo o seu charme.
É verdade que a sua função não se pode comparar à de uma obra de engenharia ou sequer a uma descoberta científica: o que é A Montanha Mágica quando confrontada com uma caixa de antibióticos? Mas se o facto de eu ter lido o romance de Thomas Mann durante uma convalescença nada nos diz sobre as suas qualidades curativas, já o peso das suas mais de 800 páginas facilmente o qualifica como arma de arremesso.
Seria algo demagógico insistir agora em outras funções menos próprias da literatura, apesar de estas existirem: um exemplar de Os Lusíadas convertido em base para copos, a extraordinária novela de Joseph Conrad, Mocidade, a servir de mata-moscas.
Posto isto, nem os mais arreigados defensores da improficiência literária poderão negar que aquela cumpre, chegados aos animais políticos, uma importante função decorativa.
São as estantes em fundo nas entrevistas domésticas, são os livros pousados estrategicamente nas mesas dos gabinetes, são as citações corroborativas do disparate. Num mundo rendido à tecnologia, a literatura empresta patine, mesmo se no fim se roça o caricato.
Foi assim no caso de “Fenomenologia do Ser” lido por Passos Coelho, livro que Sartre nunca escreveu, foi assim no silogismo proferido por José Sócrates: “Mário Soares é um patriota, gosta de Camões. Eu gosto de políticos que gostam de Camões. Eu gosto muito do drº Mário Soares”.
Note-se, porém, a busca de elevação dos dois exemplos: Sartre e Camões.
Também por isso não queria acreditar quando ouvi Miguel Relvas na televisão citar Potter. Harry Potter. Já era mau. Mas chamar-lhe Porter? E duas vezes? É as Trevas!
É verdade que a sua função não se pode comparar à de uma obra de engenharia ou sequer a uma descoberta científica: o que é A Montanha Mágica quando confrontada com uma caixa de antibióticos? Mas se o facto de eu ter lido o romance de Thomas Mann durante uma convalescença nada nos diz sobre as suas qualidades curativas, já o peso das suas mais de 800 páginas facilmente o qualifica como arma de arremesso.
Seria algo demagógico insistir agora em outras funções menos próprias da literatura, apesar de estas existirem: um exemplar de Os Lusíadas convertido em base para copos, a extraordinária novela de Joseph Conrad, Mocidade, a servir de mata-moscas.
Posto isto, nem os mais arreigados defensores da improficiência literária poderão negar que aquela cumpre, chegados aos animais políticos, uma importante função decorativa.
São as estantes em fundo nas entrevistas domésticas, são os livros pousados estrategicamente nas mesas dos gabinetes, são as citações corroborativas do disparate. Num mundo rendido à tecnologia, a literatura empresta patine, mesmo se no fim se roça o caricato.
Foi assim no caso de “Fenomenologia do Ser” lido por Passos Coelho, livro que Sartre nunca escreveu, foi assim no silogismo proferido por José Sócrates: “Mário Soares é um patriota, gosta de Camões. Eu gosto de políticos que gostam de Camões. Eu gosto muito do drº Mário Soares”.
Note-se, porém, a busca de elevação dos dois exemplos: Sartre e Camões.
Também por isso não queria acreditar quando ouvi Miguel Relvas na televisão citar Potter. Harry Potter. Já era mau. Mas chamar-lhe Porter? E duas vezes? É as Trevas!
10/03/12
09/03/12
08/03/12
Que venham os Vikings, a cavalaria, qualquer coisa, eu só não quero sonhar com a Edite Estrela
Estava eu finalmente posta em sossego a ler A Zona de Desconforto de Jonathan Franzen, livro que acaba de ser publicado pela D. Quixote, quando, a páginas tantas, mais precisamente na 21, tropeço numa palavra inédita, se me permitem o eufemismo.
Já antes tivera de me esforçar para engolir "Excecionais" (em caixa alta e itálico no original, ainda por cima...), com aquele ce a ler-se naturalmente ce e não cé porque lhe guilhotinaram o p), quando, uma linhas mais à frente, dou com um "viquingue" na minha cama e eu não tinha bebido nada.
O que raio seria um viquingue?!
Ajeito os óculos e a almofada, dirigo o dedo para a palavra, soletro-a, divido-lhe as sílabas, releio a frase para lhe alcançar o sentido como se o livro estivesse escrito em hebraico sem marcas diacríticas, repito o exercício, gaguejo e, por fim, como a Santa Teresa d'Ávila, tenho uma iluminação: viking, porra!
Os vikings são vikings pelo menos desde os tempos em que o meu pai me ofereceu a colecção O Mundo em que Vivemos da Verbo Juvenil, ainda nem aprendíamos o K, mas, a serem outra coisa, seriam víquingues, pensei de mim para mim, lendo alto a palavra como fazia na Primária para adivinhar os acentos.
O esforço hermenêutico-ortográfico deixara-me exausta. Era tarde. Fechei o livro e apaguei a luz.
Sonhei com a Edite Estrela, o Jonathan Franzen que me perdoe.
Já antes tivera de me esforçar para engolir "Excecionais" (em caixa alta e itálico no original, ainda por cima...), com aquele ce a ler-se naturalmente ce e não cé porque lhe guilhotinaram o p), quando, uma linhas mais à frente, dou com um "viquingue" na minha cama e eu não tinha bebido nada.
O que raio seria um viquingue?!
Ajeito os óculos e a almofada, dirigo o dedo para a palavra, soletro-a, divido-lhe as sílabas, releio a frase para lhe alcançar o sentido como se o livro estivesse escrito em hebraico sem marcas diacríticas, repito o exercício, gaguejo e, por fim, como a Santa Teresa d'Ávila, tenho uma iluminação: viking, porra!
Os vikings são vikings pelo menos desde os tempos em que o meu pai me ofereceu a colecção O Mundo em que Vivemos da Verbo Juvenil, ainda nem aprendíamos o K, mas, a serem outra coisa, seriam víquingues, pensei de mim para mim, lendo alto a palavra como fazia na Primária para adivinhar os acentos.
O esforço hermenêutico-ortográfico deixara-me exausta. Era tarde. Fechei o livro e apaguei a luz.
Sonhei com a Edite Estrela, o Jonathan Franzen que me perdoe.
Biblioteca dos livros desopilantes e quase sempre a preços módicos (II)
Segundo título a ser arrumado na estante: O Curral das Bestas.
O autor chama-se Magnus Mills, é inglês e foi condutor de autocarros, entre outras coisas.
O Curral das Bestas esteve na shortlist do Booker Prize de 1998 e conta as aventuras de um grupo de homens que se dedica a instalar cercas pelos campos da Grã-Bretanha. Um inglês e dois escoceses desajeitados que vão, inadvertidamente, provocando alguns acidentes... mortais. Demente e hilariante.
Thomas Pynchon adorou o livro e eu também. Foi publicado em Portugal pela ASA em 1999, com tradução de José Luís Luna.
Pode ser comprado aqui na versão original (a partir de £1.33 + portes de envio)
A tradução portuguesa está disponível aqui, por 3,18€.
O autor chama-se Magnus Mills, é inglês e foi condutor de autocarros, entre outras coisas.
O Curral das Bestas esteve na shortlist do Booker Prize de 1998 e conta as aventuras de um grupo de homens que se dedica a instalar cercas pelos campos da Grã-Bretanha. Um inglês e dois escoceses desajeitados que vão, inadvertidamente, provocando alguns acidentes... mortais. Demente e hilariante.
Thomas Pynchon adorou o livro e eu também. Foi publicado em Portugal pela ASA em 1999, com tradução de José Luís Luna.
Pode ser comprado aqui na versão original (a partir de £1.33 + portes de envio)
A tradução portuguesa está disponível aqui, por 3,18€.
07/03/12
Biblioteca dos livros desopilantes e quase sempre a preços módicos (I)
Primeiro livro da estante: Bouvard et Pécuchet, uma sátira hilariante sobre a estupidez humana. Foi publicado em 1881, um ano após a morte de Gustave Flaubert, e é indiscutivelmente o livro "inacabado" mais genial da história da literatura.
O original, em francês, pode ser lido ou descarregado à borla a partir daqui.
A tradução portuguesa, assinada por Pedro Tamen, está à venda no site da editora COTOVIA por apenas 7,50€.
O original, em francês, pode ser lido ou descarregado à borla a partir daqui.
A tradução portuguesa, assinada por Pedro Tamen, está à venda no site da editora COTOVIA por apenas 7,50€.
06/03/12
05/03/12
Qual neo-liberalismo, a culpa é dos táxistas
Paul Krugman trouxe-nos há pouco uma mensagem de esperança: Portugal não precisa de baixar os salários para o nível dos chineses.
Ao ler as palavras do Nobel, suspirei de alívio, o meu coração rejubilou e a minha alma desatou aos pulinhos. E se a esta notícia se acrescentar uma outra, entretanto anunciada por Álvaro Santos Pereira, a saber, que os desempregados portugueses irão ter à sua disposição um gestor de carreira, é mais do que evidente que estamos no rumo certo.
Com sorte, até pode ser que chova alguma coisa de jeito!
O meu optimismo cresce de dia para dia. Há tempos, fora o anúncio feito por Pedro Mota Soares das refeições take away direccionadas para pobres, versão update da sopa do Sidónio. E porque o facto de alguém ser pobre e ter fome não deve obstruir o caminho da modernização gastronómica, espera-se que o toucinho e chouriço de antanho sejam substituídos por produtos menos gravosos dos níveis de colesterol.
Exemplo de louvável “empreendedorismo” é também a passagem anunciada do Ministério da Administração Interna (Terreiro do Paço) a Pousada de Portugal, projecto que vem do anterior governo, e isto enquanto se aguarda que a Fortaleza de Peniche, prisão política do Estado Novo, lhe imite a função recreativa.
Em tempos, Eça resumiu o país a duas frases: “Não é uma existência; é uma expiação”.
Expiação será, mas no fim aguarda-nos um milagre. Se não o da chuva de Cristas, decerto aquele que podemos deduzir da citação de Benjamin Franklin traduzida há dias no canal “História”.
Original: In this world nothing can be said to be certain, except death and taxes.
Tradução (Canal História): Nada neste mundo se pode ter como certo, excepto a morte e os táxis.
Caso para se dizer: o país vai de carrinho.
[obrigada, Joana]
Ao ler as palavras do Nobel, suspirei de alívio, o meu coração rejubilou e a minha alma desatou aos pulinhos. E se a esta notícia se acrescentar uma outra, entretanto anunciada por Álvaro Santos Pereira, a saber, que os desempregados portugueses irão ter à sua disposição um gestor de carreira, é mais do que evidente que estamos no rumo certo.
Com sorte, até pode ser que chova alguma coisa de jeito!
O meu optimismo cresce de dia para dia. Há tempos, fora o anúncio feito por Pedro Mota Soares das refeições take away direccionadas para pobres, versão update da sopa do Sidónio. E porque o facto de alguém ser pobre e ter fome não deve obstruir o caminho da modernização gastronómica, espera-se que o toucinho e chouriço de antanho sejam substituídos por produtos menos gravosos dos níveis de colesterol.
Exemplo de louvável “empreendedorismo” é também a passagem anunciada do Ministério da Administração Interna (Terreiro do Paço) a Pousada de Portugal, projecto que vem do anterior governo, e isto enquanto se aguarda que a Fortaleza de Peniche, prisão política do Estado Novo, lhe imite a função recreativa.
Em tempos, Eça resumiu o país a duas frases: “Não é uma existência; é uma expiação”.
Expiação será, mas no fim aguarda-nos um milagre. Se não o da chuva de Cristas, decerto aquele que podemos deduzir da citação de Benjamin Franklin traduzida há dias no canal “História”.
Original: In this world nothing can be said to be certain, except death and taxes.
Tradução (Canal História): Nada neste mundo se pode ter como certo, excepto a morte e os táxis.
Caso para se dizer: o país vai de carrinho.
[obrigada, Joana]
04/03/12
Da imbecilidade enquanto modo de aproximação ao real ou de como rir é tudo o que nos impede de cortar os pulsos
Tem existido uma certa "polémica" sobre as causas do aumento da mortalidade em Portugal no último mês.
Dizem alguns que as baixas temperaturas aliadas às piores condições de vida dos portugueses estão na origem do fenómeno.
Garantem outros que somar o frio à crise é falacioso, tanto mais que o "perfil de mortalidade das últimas semanas" é absolutamente normal, já se tendo registado em 2008/2009.
Vamos deixar de lado os mortos que só atrapalham.
Vamos também deixar de lado o frio.
O que não podemos certamente deixar de lado é a brilhante conclusão de um estudo imputado à Organização Mundial de Saúde que aferiu o seguinte:
as recessões económicas em países com o grau de desenvolvimento de Portugal não têm impacto ou reduzem mesmo as taxas de mortalidade, nomeadamente por acidentes rodoviários, já que as pessoas usam menos os carros.
Vem, a propósito do referido estudo, lembrar 3 coisas:
1. "A morte de uma pessoa é uma tragédia, a de milhões é estatística", José Estaline
2. "There are three kinds of lies: lies, damned lies, and statistics", Benjamin Disraeli
3. "Get your facts first, and then you can distort them as much as you please", Mark Twain
O que nos conduz, por seu turno, à clássica anedota da rã.
Um cientista estudava o salto das rãs. Colocou o bicho em determinado ponto preciso e disse: "Salta." A rã saltou e o cientista concluiu: "Uma rã de 4 pernas salta um metro."
Cortou-lhe uma perna e disse: "Salta." A rã saltou 75 cm. O cientista anotou: "Uma rã com 3 pernas salta 75 cm."
Cortou-lhe outra perna, disse "Salta" e a rã saltou 50 cm. O cientista registou: "Uma rã com 2 pernas salta 50 cm."
Cortou a terceira perna e ordenou à rã que saltasse. A rã saltou 25 cm. O cientista escreveu: "Uma rã com 2 pernas salta 25 cm.
"Finalmente, cortou-lhe a última perna. Fartou-se de repetir "Salta! Salta!" mas a rã permaneceu imóvel.
O cientista concluiu então sabiamente: "Rãs sem pernas são surdas."
Dizem alguns que as baixas temperaturas aliadas às piores condições de vida dos portugueses estão na origem do fenómeno.
Garantem outros que somar o frio à crise é falacioso, tanto mais que o "perfil de mortalidade das últimas semanas" é absolutamente normal, já se tendo registado em 2008/2009.
Vamos deixar de lado os mortos que só atrapalham.
Vamos também deixar de lado o frio.
O que não podemos certamente deixar de lado é a brilhante conclusão de um estudo imputado à Organização Mundial de Saúde que aferiu o seguinte:
as recessões económicas em países com o grau de desenvolvimento de Portugal não têm impacto ou reduzem mesmo as taxas de mortalidade, nomeadamente por acidentes rodoviários, já que as pessoas usam menos os carros.
Vem, a propósito do referido estudo, lembrar 3 coisas:
1. "A morte de uma pessoa é uma tragédia, a de milhões é estatística", José Estaline
2. "There are three kinds of lies: lies, damned lies, and statistics", Benjamin Disraeli
3. "Get your facts first, and then you can distort them as much as you please", Mark Twain
O que nos conduz, por seu turno, à clássica anedota da rã.
Um cientista estudava o salto das rãs. Colocou o bicho em determinado ponto preciso e disse: "Salta." A rã saltou e o cientista concluiu: "Uma rã de 4 pernas salta um metro."
Cortou-lhe uma perna e disse: "Salta." A rã saltou 75 cm. O cientista anotou: "Uma rã com 3 pernas salta 75 cm."
Cortou-lhe outra perna, disse "Salta" e a rã saltou 50 cm. O cientista registou: "Uma rã com 2 pernas salta 50 cm."
Cortou a terceira perna e ordenou à rã que saltasse. A rã saltou 25 cm. O cientista escreveu: "Uma rã com 2 pernas salta 25 cm.
"Finalmente, cortou-lhe a última perna. Fartou-se de repetir "Salta! Salta!" mas a rã permaneceu imóvel.
O cientista concluiu então sabiamente: "Rãs sem pernas são surdas."
03/03/12
02/03/12
A miséria mata e não há mutação que nos valha: isto é simplesmente uma vergonha
Os bois pelos nomes já que os mortos não os têm: são apenas estatística.
Morre-se de frio em Portugal porque não há dinheiro nem para aquecimento, nem para comida decente, nem para médico.
O Coelho, o Gaspar, o Álvaro, o Portas, a Cristas, a Paula, o Macedo que veio da Médis e aquele jovem ministro que se deslocava de motorizada mais a rapaziada da EDP e etc. bem podem ir a Fátima pedir perdão de joelhos.
Não serão perdoados. Sabem o que fazem.
O vómito aqui.
Quem não ficar suficientemente enojado, mais aqui.
Morre-se de frio em Portugal porque não há dinheiro nem para aquecimento, nem para comida decente, nem para médico.
O Coelho, o Gaspar, o Álvaro, o Portas, a Cristas, a Paula, o Macedo que veio da Médis e aquele jovem ministro que se deslocava de motorizada mais a rapaziada da EDP e etc. bem podem ir a Fátima pedir perdão de joelhos.
Não serão perdoados. Sabem o que fazem.
O vómito aqui.
Quem não ficar suficientemente enojado, mais aqui.
01/03/12
A book a day keeps the doctor away: "Contos Escolhidos", Isaac Babel
Os livros é como tudo: há maus, medíocres, sofríveis, bons e excelentes. Contos Escolhidos, Isaac Babel (1894-1940), pertence à última categoria.
Apesar do título que, dir-se-ia, deixa muita coisa de fora, a obra do russo foi curta no género – preferiu o conto – e na quantidade.
Uma das filhas, Nathalie Babel, organizou-a postumamente e, em 2002, As Obras Completas de Isaac Babel surgiram em inglês traduzidas do russo por Peter Constantine, reunindo cronologia e notas, uma introdução da norte-americana Cynthia Ozick e prefácio da própria filha. No total, 1072 páginas, incluindo prosa memorialista e argumento para filme nunca realizado. Número suficiente para um escritor de quem se diz ter dito que, ao contrário de Tolstoi, capaz de narrar ao minuto os acontecimentos do dia, preferia ir directo ao assunto e atacar logo os cinco minutos principais.
Alguns amantes de Babel (entre os quais Jorge Luis Borges, e o brasileiro Rubem Fonseca que andou com ele ao colo em Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos) aguardarão ainda a descoberta de inéditos. A vida aventureira e, finalmente, trágica do escritor permite pensar assim.
Nascido em Odessa no seio de uma família judaica, numa altura em que os pogroms serviam ainda de inspiração ao humor de Sholem Aleichem (escritor que, aliás, Babel traduziu do iídiche para russo), muda-se para São Petersburgo onde abraça a causa bolchevique e encontra o seu mentor, Máximo Gorgi. A morte deste último em 1936 alia-se à praga do “realismo socialista” a que acresce a paranóia estalinista. Babel é preso em 1939, acusado de traição, sujeito a tortura e executado. Os seus manuscritos são confiscados e o seu nome banido. Décadas antes, em 1934, durante o Congresso da União de Escritores Soviéticos, gracejara sobre a sua condição de escritor sob suspeita, comentando que estava a tornar-se «num mestre de um novo género literário, o género do silêncio”.
Contos Escolhidos reúne textos subtraídos, sobretudo, a Exército de Cavalaria e Contos de Odessa traduzidos do russo por Nailia Baldé que também assina a Nota Introdutória (Contos de Odessa tem duas edições anteriores ao 25 de Abril e uma outra da Dinossauro de 2005, e, sob o título, Cavalaria Vermelha, existem duas de 1976).
Como escreveu a escritora e crítica britânica Margaret Drabble (“The Guardian”, 11/05/2002) a obra de Babel “cheira a guerra e cavalos, cebolas e arenques, fome e sangue”. A escrita fragmentária, paradoxal, na qual a comicidade casa com a crueldade, sai reforçada por associações surpreendentes, incoerências, repetições, construções em elipse. Regada com um humor mordaz e colorido, é uma escrita telúrica (e, nesse sentido, bem russa) que tanto nos horroriza como nos faz soltar gargalhadas.
A prosa é precisa (o “mot juste” espreita todos os parágrafos acompanhado, embora, de inventiva linguagem), transmitindo uma espécie de nonchalance que a aproxima do puro jogo. Os retratos pícaros das personagens de Odessa, com os seus bandidos, contrabandistas e casamenteiros (“Contos de Odessa”), os relatos da frente de batalha, sanguinários, desesperados e, ainda assim, cómicos (“Exército de Cavalaria”), e o tom vagamente nostálgico das histórias mais pessoais (“Contos Dispersos”), comprovam um grandessíssimo escritor.
Apesar do título que, dir-se-ia, deixa muita coisa de fora, a obra do russo foi curta no género – preferiu o conto – e na quantidade.
Uma das filhas, Nathalie Babel, organizou-a postumamente e, em 2002, As Obras Completas de Isaac Babel surgiram em inglês traduzidas do russo por Peter Constantine, reunindo cronologia e notas, uma introdução da norte-americana Cynthia Ozick e prefácio da própria filha. No total, 1072 páginas, incluindo prosa memorialista e argumento para filme nunca realizado. Número suficiente para um escritor de quem se diz ter dito que, ao contrário de Tolstoi, capaz de narrar ao minuto os acontecimentos do dia, preferia ir directo ao assunto e atacar logo os cinco minutos principais.
Alguns amantes de Babel (entre os quais Jorge Luis Borges, e o brasileiro Rubem Fonseca que andou com ele ao colo em Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos) aguardarão ainda a descoberta de inéditos. A vida aventureira e, finalmente, trágica do escritor permite pensar assim.
Nascido em Odessa no seio de uma família judaica, numa altura em que os pogroms serviam ainda de inspiração ao humor de Sholem Aleichem (escritor que, aliás, Babel traduziu do iídiche para russo), muda-se para São Petersburgo onde abraça a causa bolchevique e encontra o seu mentor, Máximo Gorgi. A morte deste último em 1936 alia-se à praga do “realismo socialista” a que acresce a paranóia estalinista. Babel é preso em 1939, acusado de traição, sujeito a tortura e executado. Os seus manuscritos são confiscados e o seu nome banido. Décadas antes, em 1934, durante o Congresso da União de Escritores Soviéticos, gracejara sobre a sua condição de escritor sob suspeita, comentando que estava a tornar-se «num mestre de um novo género literário, o género do silêncio”.
Contos Escolhidos reúne textos subtraídos, sobretudo, a Exército de Cavalaria e Contos de Odessa traduzidos do russo por Nailia Baldé que também assina a Nota Introdutória (Contos de Odessa tem duas edições anteriores ao 25 de Abril e uma outra da Dinossauro de 2005, e, sob o título, Cavalaria Vermelha, existem duas de 1976).
Como escreveu a escritora e crítica britânica Margaret Drabble (“The Guardian”, 11/05/2002) a obra de Babel “cheira a guerra e cavalos, cebolas e arenques, fome e sangue”. A escrita fragmentária, paradoxal, na qual a comicidade casa com a crueldade, sai reforçada por associações surpreendentes, incoerências, repetições, construções em elipse. Regada com um humor mordaz e colorido, é uma escrita telúrica (e, nesse sentido, bem russa) que tanto nos horroriza como nos faz soltar gargalhadas.
A prosa é precisa (o “mot juste” espreita todos os parágrafos acompanhado, embora, de inventiva linguagem), transmitindo uma espécie de nonchalance que a aproxima do puro jogo. Os retratos pícaros das personagens de Odessa, com os seus bandidos, contrabandistas e casamenteiros (“Contos de Odessa”), os relatos da frente de batalha, sanguinários, desesperados e, ainda assim, cómicos (“Exército de Cavalaria”), e o tom vagamente nostálgico das histórias mais pessoais (“Contos Dispersos”), comprovam um grandessíssimo escritor.
Banido, maldito e obrigatório.
Isaac Babel, Contos Escolhidos, Relógio D'Água, 2012, tradução de Nailia Baldé
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