No caso de Saramago, não apreciava a literatura nem o autor. E não vale a pena repisar o seu passado no "Diário de Notícias" ou o mistério das dedicatórias desaparecidas. Por exemplo.
Quanto aos livros, a primeira coisa que li dele foi "Memorial do Convento". Acabei-o irritada com a mensagem: fazer equivaler os obreiros de Mafra aos operários da modernidade era demasiado anacronismo, mesmo para uma alegoria.
No resto dos textos, a coisa repetia-se. Romances que defendiam ideias escritos segundo uma fórmula estilística usada à exaustão.
Resumindo: para mim, literatura é outra coisa. Ofício de palavras e não de ideologias. Com ou sem vírgulas, com ou sem parágrafos, com ou sem maísculas. Até porque muitas vezes o estilo, como bem disse o Mário Quintana, "é uma dificuldade de expressão".
desenho de António
27 comentários:
Idem,idem,aspas,aspas.
Não me despertava um sentimento, uma ideia. Paz à sua Alma.
Outras aspas
Mais aspas...
Mais aspas.
Aspas assim:
http://lishbuna.blogspot.com/2010/06/nao-ha-como-morte-de-uma-vaca-sagrada.html
e assim:
http://lishbuna.blogspot.com/2010/06/acerca-da-coerencia-recentemente-entre.html
"Resumindo: para mim, literatura é outra coisa. Ofício de palavras e não de ideologias".
Ideologias também não, mas ideias convém, não? caso contrário fica um "ofício de palavras", ou seja, renda de bilros, floreados, rodriguinhos.
Eu sei que não é essa a mensagem (costumo ler este blogue), mas simplificar, às vezes, complica.
PS. O Saramago nunca foi um dos meu autores de eleição, mas o "Memorial do Convento" é um grande livro.
MCS, ter ideias não é o mesmo que defender ideias; e ideias nem sequer é sinónimo de ideologia.
A literatura não é feita de ideias, a literatura é um corpo a corpo com as palavras - que são a sua matéria-prima. Com elas, claro, pode fazer-se de tudo: crochet, rodriguinhos ou grandes livros.
Quanto ao Memorial do Convento, só não é um grande livro precisamente por insitir, lá pelo meio, em vender-nos ideologia (ainda por cima encapotando-a de literatura, o que é tremendamente desonesto). E como dizia o outro, nem havia necessidade
Curiosos desafectos. Bloom exagerou, mas enganou-se tanto como aqui se opina?
Aspas, aspas.
Excelente post!
LOURDES FÉRIA disse
Concordo absolutamente contigo. Conheci bem o Saramago, trabalhámos juntos no "Diário de Lisboa", antes do 25 de Abril, e só posso dizer que era uma pessoa execrável. Este lamentável espectáculo dos massacrantes directos televisivos e dos intelectuais, jornalistas e políticos a debitarem discursos laudatórios só evidencia a persistência de uma mentalidade hipócrita e idiota. Uma tal Sandra Felgueiras, excitadíssima na sua ignorância, referiu-se ao "pensamento libertário" do escritor, o que dá vontade de rir. Quando à literatura do nossa nosso Nobel dispenso-a. Não aprecio. Também não se pode dar crédito à Academia Sueca que já premiou variadíssimas nulidades literárias e escritores estalinistas, condições que por vezes até coincidem.
Lourdes, sem querer apaguei o teu comentário. Copiei-o do e-mail e publiquei-o. As minhas desculpas (isto foi falta de café...) e um grande abraço
As coisas têm a importância que têm e raramente a que parecem ter. No entanto, não se passa o mesmo com quem nos acompanha em comentários e apoia as (nossas) posições pessoais, digo apaixonadas, que contradizem o que afinal afirmamos, escrevendo.
Sou, como sabe, seu leitor habitual.
nd, não sei se percebi bem, mas às vezes, de facto, as nossas posições geram equívocos
Julgo que o Saramago era apenas um escritor razoável, ao lado de tantos outros. Mas tinha um excelente sentido de marketing. Claro que se, na altura, a atribuição do Nobel dependesse do meu voto, tinha-lho dado como o teria dado, por uma questão de patriotismo, a qualquer outro candidato português que escrevesse com um mínimo de erros. Questão interessante é saber até que ponto é possível separar o homem da obra.
Discordo plenamente. Tive o previlégio de privar com ele e era das pessoas mais humanista, mais inteligentes e mais humildes que conheci.E falo apenas do homem.
Anónimo, nunca privei com Saramago, o homem. Sei, como toda a gente que quiser saber, do processo do DN. Dizem agora alguns que, pecadilhos dessa época, muitos os partilham. Como foi o caso, quando li Zita Seabra, para mim, o que está aqui em causa é, mais do que as opções ideológicas, o que se faz com elas. Ser do PC naquela altura não implicava apoiar saneamentos por divergências. Haveria com certeza quem não o fizesse. Por isso, para mim, a questão nunca foi essa.
Este post é, contudo e sobretudo, sobre o Saramago enquanto escritor. E, para mim, as suas obras estão demasiado enfeudadas a uma mensagem ideológica para poderem ser grande literatura. Só isso.
E, já agora, um reparo: eu, se viesse a terreiro defender quem quer que fosse, fá-lo-ia com o meu nome. Mas isso sou eu, claro.
Neste caso não geraram equívocos, ACL. Estive a seguir o respectivo marcador e percebi a razão das companhias milito-comentantes e a base da opinião sobre o "demasiado anacronismo".
E concluo, mais uma vez, que as contradições de cada um são apenas isso mesmo: contradições. Bem pior seria se tudo aqui fosse uma contradição enorme. Basta olhar para as imagens da banda direita do blogue para se imaginar a teorética desmesura. E escrevo bem pior seria porque, como disse e mantenho, gosto de vir aqui lê-la.
Agora é que não percebi mesmo. O facto de eu não ser fã de Saramago contradiz o quê? Não é que eu encare a coerência como uma questão de princípio - só os burros não mudam, como dizia o outro - mas é que não alcancei mesmo. Sobretudo a parte da teorética.
A contradição vê-se entre o que escreve aqui, geralmente com lucidez e combatividade, e as companhias comentantes que postes destes atraem, perfeitamente identificáveis.
Os burros não mudam e terão as suas razões para tamanha teimosia, falo do animal. Mudam os homens, quantas vezes a 180º, por razões práticas, pragmáticas e outras palavras detestáveis de rima igual. Mas há a chamada coerência de princípios, que não tem a ver com cores políticas, mas com o carácter das pessoas. Esta é a que me interessa, e nisto torno aos do azimute em sentido contrário.
A teorética desmesura da contradição aplicar-se-ia se este blogue fosse um embuste.
Creio entretanto que o seu desafecto pelo homem lhe obnubilou o autor, o que não me parece bom para quem escreve sobre livros, desculpe-me a opinião, e desculpe-me porque nada tenho a ver com o que, em outros, é bom ou mau nesse campo, a não ser exercer o direito à crítica, neste caso pedindo-lhe que a considere afável.
nd, agora começo a perceber. quanto à parte que me interessa, confundir o homem com a obra, em primeiro lugar nunca escrevi "oficialmente" sobre o escritor, apesar de um livro dele O Homem Duplicado, que considero francamente mau, ter estado na lista; em segundo lugar, tento sempre separar as águas (e acho que já li o suficiente para o conseguir fazer - reconheço que possa ser mais exigente com um autor com o qual "embirre" - mas as minhas embirrações são literárias).
Quanto ao resto, mantenho o que disse: a ideologia lixou-o. Repare, não estou sequer a referir-me ao carácter do homem (pode um ser execrável escrever obras-primas seria outra conversa - e teríamos de começar sempre por definir o que é um ser execrável). Estou a referir-me ao facto de saramago não ter resistido a passar mensagem. Do meu ponto de vista, passar mensagem em literatura é profundamente desonesto. Lê-se, por exemplo, A um deus desconhecido, de Steinbeck, e percebe-se onde se situa o escritor. Mas tudo ali é pura sensibilidade. Talvez por isso goste muito mais desse romance do que de As Vinhas da Ira (mas isto agora é mero gosto pessoal).
Quanto ao seu direito à crítica, nem vale a pena falar nisso. Afável é melhor mas até podia não ser. Quem diz o que pensa em público, sujeita-se a levar na cabeça. E daí não vem nenhum mal ao mundo.
Confesso que os comentários me ultrapassaram completamente. Não sei se ajuda, mas indentifico-me ideológicamente quase a 100% com as posições políticas do Saramago. Não invalida isso, que o ache um escritor medíocre, e, acreditem, lí a maior parte dos seus livros.
Gostei de todos os que dele li. :-)
e tentando pensar num porquê abrangente (sem me deter neste ou naquele livro), diria que essencialmente pelo rítmo. Sempre respirei muito bem nas palavras escritas do homem.
[mas sabia há muito que temos duas "vacas sagradas" (salvo seja!)divergentes: este e o Lobo Antunes - e reconheço, desde já, que as tentativas que fiz ao Lobo Antunes foram sempre falhadas; desde já afirmo que não me sinto apta a defender uma vaca nem a atacar a outra]
Neste caso, "bois sagrados"... Mas brincadeira à parte, comparar um com o outro é como comparar um T1 na Brandôa com uma vivenda no Restelo. No entanto, concordo que o Lobo Antunes, após o Nóbel ou Nobel ou lá como se chama, começou a esforçar-se em demasia para marcar essa diferença e complicou o que era fácil. A leitura dos seus livros tornou-se algo de penoso, a fazer sofrer sem necessidade. Compare-se, só p. ex., a escrita do Bolaño ou do Le Clézio com a dele, e verifica-se fácilmente que não há necessidade de tanta "sofisticação" para se passar a mensagem.
eu não estava a comparar. Contudo, apesar de não conhecer a Brandôa nem o Restelo, percebi a ideia na diferença das assoalhadas.
"Ideologia encapotada de literatura". Está quase tudo dito quanto à escrita de Saramago. Acrescentaria, apenas, uma avaliação pessoal sobre ela: pobre, muito pobre.
Quanto ao homem, e eu não consigo distinguir as obras dos artistas, dos artistas das obras: podre, muito podre.
Saramago é só mais um caso exemplar de "o rei vai nú", tão frequentes no nosso país de mentalidades reduzidas.
Jorge Luis Borges dizia que o leitor aceita do escritor qualquer coisa, mesmo o mais completo disparate. Saramago, o mestre da usurpação, fez desse lema a base de toda a sua relação com o público.
Falta de sensibilidade, é exactamente que eu sinto na escrita do Saramago, além disso, quando o lia tive sempre a impressão de estar a ler o escritor oficial do partido.
Outra coisa é a razão de ele ser tão antipático e desiludido com o mundo é ter.nos dado tantas ideias para um mundo melhor e nós, lerdos e ingratos, não lhe ligarmos nenhuma.
A culpa é toda nossa, ele foi um deus.
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