Não, não vou citar o "Porque Não Sou Cristão" do Bertrand Russell. Nem
sequer debruçar-me sobre a contumaz questão do "porque" e do "por que".
Vou apenas explicar a razão de ser do meu anti-proselitismo, incluindo o
religioso.
Era eu menina e moça e fui visitar durante o Verão o
Bom Jesus de Braga, na companhia de uns amigos dos meus pais que
costumavam passar férias no Norte. Mais
ou menos a meio da escadaria do Santuário, tropeço, quase literalmente,
numa crente muito velha que subia os degraus de joelhos, ladeada por
duas jovens que iam a pé agarradinhas cada uma ao seu rosário. Os
joelhos da velha sangravam e o ar parecia-lhe custar a sair, ou a
entrar, dos pulmões. Tive uma reacção puramente física de indignação, ou
seja, a cena provocou-me vómitos.
Na minha inocência de menina e
moça, o que mais me custava entender era o facto de as duas jovens
parecerem não se importar com o sofrimento da crente, caminhando
impávidas e alheadas a seu lado, como se não fosse nada com elas. Não me
aguentei, e fui tentar ajudar a velha a levantar-se. Naturalmente, a
velha não queria levantar-se.
Gerou-se pois uma grande confusão, os
amigos dos meus pais tiveram de intervir, mas do que nunca mais me
esqueci foi do ar desvairado e acusatório de uma das acompanhantes que
gritava que agora a avó (era a avó) tinha de recomeçar tudo de novo, lá
de baixo, porque eu dera cabo da promessa!
Vá lá uma menina e moça encher-me de boas intenções para ajudar o próximo!
Serviu-me de lição. Na realidade, duas. Nem sempre quem te quer bem te
faz bem, e quando e se fizeres bem prepara-te para levar porrada em
troca. São duas lições que me têm sido muito úteis ao longo da vida.
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5 comentários:
Pois é...mas convém não esquecer que a alfabetização, em sentido alargado, predispõe a menores sofrimentos inúteis. A salarização religiosa portuguesa é uma coisa com laivos sinistros.
"A salarização religiosa portuguesa é uma coisa com laivos sinistros"
44 anos depois do homem ter batido a bota continuam a arrastar-se lá em Fátima a cumprir promessas.
As excelentes cabeças de esquerda ainda não tiveram tempo de catequisar todas estas alminhas e preferem atirar a culpa para cima do velhinho.
Ressuscitem o MFA para retomar as Campanhas de Dinamização Cultural.
Que risota.
Nunca vão aprender.
Pudera do povo só conhecem fotografias.
Há até uma anedota parecida.
Uma velhota cai desamparada pelas escadaria da igreja de Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego.
Um homem que sobe a escadaria, desvia-se e a velhota continua a cair escadaria abaixo, catrapum, catrapum.
Logo a seguir aparece o marido da velhota que interpela o homem - Parece impossível, podia ter agarrado a minha senhora!
Responde o homem - Olhe, tem razão, eu estive vai não vai para a agarrar mas depois pensei cá para mim: António, não te metas nisto, olha que isto pode ser promessa!
Parece que esta forma de insensibilização perante a dor alheia faz parte do amadurecimento.
Mas como explicar a uma criança que a dor poupada a um ente querido tenha de ser sofrida por quem lhe quer serenar o sofrimento?
É frequente encontrar mães e pais que queiram recolher em si o sofrimento que vêem os filhos padecer. Alguns deles autoflagelam-se neste pagamento de promessas ex-voto. De alguma forma encaram a dor como moeda de troca.
Não me atrevo a ajuizar, mas concordo que na boa intenção de fazer o bem, se faz por vezes mal e que é bom antecipar que pode haver agradecimento em forma de dentada, de coice, ou de cachaporra.
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