05/02/13

A book a day keeps the doctor away: Engano, Philip Roth


Eis um divertissement que requer alguma coragem. 
Publicada originalmente em 1990, “Engano” é uma novela que tem como tema o adultério mas em que os verdadeiros “enganados”, se os há, são os leitores de Roth. 
Os temas, tratados aqui recorrendo apenas à forma de diálogo, são os habituais: a escrita, a solidão, a América, o judaísmo, Israel, as mulheres, a esquerda, o envelhecimento. 
Amantes adúlteros conversam. Quem conversa com quem é uma interrogação que só a início perturbará o leitor. Depois o texto vai-se compondo com mestria, num sedutor exercício de prestidigitação, hipnotizados que ficamos pelo número de magia revelado paulatinamente à medida que avançamos na leitura. 
Quem é Philip, a personagem masculina, escritor americano e judeu, adúltero rendido a uma mulher mais nova, suficientemente neurótica para que ele se interesse por ela? Roth, claro, tantas são as pistas que nos são dadas. Mas logo a conclusão parece precipitada, e é o próprio Philip (personagem) quem nos baralha os indícios, colocando-nos a nós, leitores, no papel da mulher legítima que confunde ficção e literatura, manipulação e verdade. Confundirá? 
A pergunta nunca chega a ter uma resposta satisfatória, enredada no paradoxo do mentiroso, sendo o mentiroso, e isto é inevitável, aquele que escreve. 
O próprio, aliás, considerará a questão despicienda (“Quando um romancista digno desse nome [chega a uma certa idade], já não traduz a sua experiência numa fábula: impõe a sua fábula à experiência”). 
Paródia de si próprio, “Engano” ficciona o escritor, ou a imagem pública do escritor, divertindo-se a baralhar as cartas, numa variação irónica do verso de Pessoa: “O poeta é um fingidor…”. No fim, vence em casa, claro.

Philip Roth, Engano, D. Quixote, 2013, trad. de Francisco Agarez

1 comentário:

m.a.g. disse...

Comecei a ler há dois dias. Este Roth é arrebatadoramente desconcertante. Nada melhor para desanuviar desta atmosfera de flatulência e de refluxo gastroesofágico que nos assola.