Haverá, entre os leitores destas linhas, gente mais alérgica à alma do que à penicilina. Lembro, também por isso, que a alma foi uma conquista civilizacional enorme: as mulheres, era duvidoso que a tivessem, pretos e índios nem pensar, e os animais continuam até hoje isentos, embora a Unesco lhes tenha garantido direitos.
Se a poesia lírica em nada contribuiu para o prestígio da alma, que tal não nos impeça de reconhecer o óbvio: não a tivéssemos inventado e viveríamos num mundo muitíssimo incivilizado onde ninguém apanhava cocós.
Sim, vou falar de Zico, o cão fracturante.
Quando escrevo, cerca de 70 mil almas assinaram a petição contra o seu abate; outra, a favor, vai nos 400 e poucos. Estes números levariam decerto B.B. a pedir passaporte português em vez de russo e Francisco de Assis a abençoar Portugal. A mim, o que me surpreendeu foi o argumentário.
Na primeira petição: “Se não se abatem pessoas por cometerem erros, por roubarem, por matarem...então também não o façam com os animais! Eles também merecem uma segunda oportunidade!”; na segunda: “(…) vamos abate-lo (…) Não digo isto por ser um Cão, se fosse uma pessoa e tivesse mordido uma criança, de tal modo, que ela tivesse morrido, também seria a favor de uma pena de morte!”
Duvido que o antropomorfismo aqui subjacente contribua para a causa dos bichos. Quanto à pena de morte alargada a tudo o que mexe, abstenho-me de comentar.
Resumindo: um grande número de portugueses prefere um cão desalmado a humanos psicopatas cujo grau de empatia os habilitaria talvez a criar um rumble fish (não me parece assim tão irracional...); acresce que se mostram generosos: desesperançados, ainda têm forças para sair em defesa de Zico.
Ou isso, ou endoidecemos todos.
19/01/13
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4 comentários:
Cães Danados: fruto de manipulação genética, (os eternos mal-amados, por reforços negativos) destinados a proprietários cuja capacidade física e psicológica deveria ser avaliada.
Inclino-me para a segunda hipótese...
Ola,
Bom, em principio, e antes de se levantar a questão religiosa de saber se ela é ou não imortal, a "alma" era o que tinham todos os seres "animados". Pelo menos era isso que ensinava Aristoteles, que não era burro nenhum, embora a teologia tivesse sempre procurado cavalga-lo.
Inteligência, ou espirito, ja seria outra coisa, mais rara, e mais dificil de definir.
O que se prova no post, é que é perfeitamente compativel assinar-se uma petição e ser-se uma completa cavalgadura, daquelas que povoam a nossa terra desde ha muitos anos, uma vez que, em Portugal, constituem espécie protegida que acolhemos de braços abertos, reservando-lhe mesmo um numero significativo de cargos governativos.
A ter de escolher, olha, acho que concordo com todos : os cães são capazes de fazer melhor.
Boas
Esqueci-me dos gregos! :)
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