«Fernando Pessa morreu aos cem anos e quatorze dias no Curry Cabral, após um longo internamento dramatizado pelos jornais. Quando entrou não era ainda centenário, injustiça cósmica que deu origem a manchetes encorajadoras: "Está quase, Fernando". "Aguenta, Pessa". Os artigos descreviam-no como "o jornalista mais velho do mundo", uma liberdade poética dirigida aos reformados, e desembocavam sempre na interjeição icónica, repetida à náusea, que ele próprio celebrizara: "E esta, hein?"
Enquanto somos novos julgamos que todos os velhos são iguais. Para quem via o jarreta a invectivar rotundas e sinais de trânsito era fácil esquecer que tinha saído da Emissora Nacional para correspondente de guerra e símbolo da liberdade contra a censura nas emissões da BBC. Diz-se na internet que o regime lhe vedou o acesso à rádio quando regressou em 47. Trabalhou em companhias de seguros e fez dobragens até ingressar na RTP, mas só fez parte dos quadros da televisão pública depois do 25 de Abril, aos 74 anos.
Esta semana a pátria comoveu-se com a morte de outro velho, um fascista e mitómano tido por grande divulgador da História de Portugal. Como diz Noah Cross no melhor filme de Polansky, "os políticos, os prédios feios e as putas tornam-se sempre respeitáveis se viverem muito tempo". Mas podemos e devemos escolher os nossos velhos.»
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4 comentários:
Há menos de um ano, espantávamo-nos com as mortes solitárias dos nossos velhos, cadáveres de uma, duas ou mais semanas de silenciosa putrescência, cadáveres mumificados e sem odor por meses, anos, de esquecimento e reserva, ou voluntária, no corte com os demais, «para não pesar a ninguém» ou então relegados por uma família deles despreziva, capaz de os olhar de soslaio por serem «demasiado lastro, demasiado monos, demasiado sonoros roçadores de gengivas ou repetidores fastidiosos de estórias». Quanto a mim, os Pessa e os Saraiva, que são uma ordem diversa de mortos, porque sob todos os focos, apresentam-nos sobejas lições de vida e em qualquer caso, mereceriam menor severidade parcialista que aquela suscitada por nós mesmos, comovidos ou não. O que me pesa é que, visto de fora, José Hermano Saraiva, que ainda agora jaz e arrefece, surja execrado devido a um certo papel na História, e execrado pela mão de alguma Esquerda Portuguesa que não sabe disfarçar uma amarga e irredutível intolerância bem como dificuldades de distanciamento. Perante certos defuntos especiais de corrida, o seu veredicto é quase sempre radical e implacável. Só estão abertos ao cânone do seu, muito seu, martirológio de Esquerda, traindo um certo sentido de justiça para o morto, de inclusão do morto na espécie humana, numa divisão cinzenta entre fascistas odiosos e anti-fascistas filantrópicos. Ilha rodeada de Esquerda Minoritária por todo o lado, reconheço-lhes valia humana, força solidária, do mais solidário e humano que há. E, no entanto, na hora mais absurda de se estar morto, transmutam-se em sequazes, surgem rebarbativos, intolerantes e judicativos, atirando das mais intolerante e rebarbativas pedras que há. Nisto de perseguir e ser perseguido, no imenso e letal século XX, quase ninguém sai ileso. Muitos, e nisto não me quero parecer em nada com a Helena Matos simetricamente maniqueísta, desde 1917 e ao longo de setenta anos, imensos milhares de seres humanos não tiveram escapatória do lado de lá da cortina ferrugenta, bem como no resto do mundo assolado pelo fogo do Livro onde se compendiava a única via para o Paraíso Sociológico-Científico. Podemos inscrevê-los na selectiva ementa de mártires internacionais que a Esquerda Minoritária Portuguesa venere?
Que diabo tem a ver a morte do Pessa com a morte do Saraiva?
Percebo o que se pretende com esse naco de prosa, mas é curto, muito curto, sobretudo unidimensional.
Alberto
http://desempregadoempart-time.blogspot.pt/: IMAGINAI
PS: a memória é curta!
Muito bem.
Um triunvirato de peso, este post, o post citado e a entrada fresquinha de Daniel Oliveira no Arrastão.
Todos muito certinho a uma só voz.
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