Com introdução assinada por Margaret Atwood em 2002, chega-nos O Doutor Glas, novela do sueco Hjalmar Söderberg (1869-1941) publicada originalmente em 1905. Nela estão presentes temas como o aborto e a eutanásia, o que talvez explique o escândalo que acompanhou a sua primeira edição.
Como bem sublinha a escritora canadiana, o “escândalo”, porém, é apenas uma parte ínfima do interesse que O Doutor Glas desperta até hoje.
Escrito sob a forma de um diário pelo próprio protagonista, Tyko Gabriel Glas, o livro descreve de forma contida, e aparentemente muito simples, a escolha (moral) de Glas, médico que, indiferente aos valores subjacentes à sua profissão, se sente obrigado a escolher entre uma mulher e o seu “repugnante” marido, o reverendo Gregoruis.
O arbítrio, neste caso, exige radicalismo, e entre reflexões racionais e ansiedades inexplicáveis, vamos assistindo ao adensamento da trama, mas com tal subtileza (e leveza) que é como se tudo se passasse numa espécie de anticlímax contínuo.
A acção decorre num plano quase silencioso, onde o não-dito assume papel fundamental. Não há crime e castigo e, nesse sentido, Glas é bem mais moderno que Raskólnikov.
O livro, e não há forma de discordar de Atwood, é, em si mesmo, absolutamente moderno, na medida em que recorre a todas as estratégias literárias que fazem o grande romance do último século: papel ao inconsciente, derivas narrativas, cortes burlescos, anti-heróis individualistas, crítica da hipocrisia social, desejo e sexo…
Tudo isso está em Hjalmar Söderberg, mais os terrores nocturnos que terá ido buscar a Poe, exposto sem alarde nem espalhafato, num registo elegante que esconde um vulcão prestes a explodir. Belíssimo.
O Doutor Glas, Hjalmar Söderberg, 2012, Relógio D’Água, tradução de Miguel Serras
Pereira
7 comentários:
Dica anotada...
Gostei de passear por aqui.
Abraço do Pedra do Sertão
Obrigada, Pedra do Sertão. Abraço
Cara Senhora,
Obrigado! Keep up your magnificent work.
Respeitosos cumprimentos,
PS: No outro dia quando falou na Helena Balsa e no seus tempos de Liceu de Cascais fez-me lembrear de um livro do Carlos Paço d' Arcos sobre essa altura:
"Os filhos da Costa do Sol"
Viciei-me no Flaubert e não o largo enquanto não acabar de reler o Salammbô e A Educação Sentimental. Mas a seguir vai este.
Alfacinha... acho que se refere ao Arouca. Nunca li.
Rui, e o Bouvart e Pécuchet, já releste? Eu volto sempre a esse. É uma espécie de xanax...
:)
Anda por aí emprestado. Esta costela semi-altruísta ainda me vai tramar...
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