03/12/11

No pasa nada

Rendida ainda ao fluxo memorialista que vem caracterizando estas crónicas (na última falei dos pardais de meu avô e na penúltima da peritonite de meu pai), vou agora debruçar-me sobre umas das derradeiras manifestações em que participei, esperando com tal evocação deixar claro a todos os que me lêem (Obrigada! Obrigada! Obrigada!) que o país se mantém assim a modos que idêntico, pelo menos desde que O’Neill escreveu aquele soneto que começa assim: “Daqui, desta Lisboa compassiva, / Nápoles por Suíços habitada/”, etc.
Era 1975. O camarada Vasco queria mandar gente para a Sibéria (soi-disant), Otelo queria mandar gente para o Campo Pequeno, e o ELP, grupo de extrema-direita, queria mandar gente desta para melhor.
No fim, como é sabido, Soares reuniu com Carlucci e o socialismo foi metido na gaveta mais ou menos pela mesma altura em que passava na Brasil o último episódio da “Gabriela, Cravo e Canela”, novela que, dois anos depois, despovoaria as ruas portuguesas durante o horário nobre.
Era, pois, 1975. A Rádio Renascença fora ocupada, estava a ser ocupada, ou ia ser ocupada. Não me lembro. Lembro-me, sim, que havia muita gente na Rua Capelo e que quando lá cheguei me perguntaram: “Vens para a manifestação de apoio aos trabalhadores?” Respondi que sim, ora essa, e o homem disparou, sem me dar tempo sequer de ir tomar um café na Brasileira: “Vais para o piquete das pedras!”, e pôs-me um capacete da Lisnave na cabeça.
Cheguei ao piquete das pedras (as pedras muito bem arrumadinhas a um canto) e não conhecia ninguém. Fartei-me de esperar pelas forças da reacção que nunca mais chegavam para ser apedrejadas, devolvi o capacete e disse que ia só ali.
Distraí-me com um soldado que explicava aos passantes como manejar uma arma, reparei que se fizera tarde, tinha um comboio para apanhar e fui para casa.
Ocorreram-me estes acontecimentos de antanho, ao ler as recentes declarações do porta-voz da PSP, a propósito da concentração em S. Bento no dia da greve geral.
Cito: “O agente tem contusões nos braços, escoriações no crânio e as últimas informações indicam que está livre de perigo”.
E fora agredido com quê: com um guarda-chuva hostil? Pergunto.

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