29/09/08

O charme discreto do Forte de Peniche (que eu não sabia que tinha)

Para mim, Peniche foi o neo-realismo avant la lettre. Eu odiava ir a Peniche. A camioneta era ronceira, o caminho longo, às curvas, o vómito infalível. Dormíamos num quarto alugado pela minha mãe a uma mulher de luto, que também servia refeições.
Lembro-me do barulho do mar e dos lençóis pejados de humidade à noite.
No Forte propriamente dito havia uma sala com um vidro comprido, depois um corredor e outro vidro e depois o meu pai. Ele às vezes não aparecia porque fazia greve às visitas.
Durante estes anos, nunca falou muito da sua estadia lá. Uma vez contou-me que os presos do PC tinham um rádio mas que não o emprestavam assim de qualquer maneira. Os "outros" só podiam ouvir as emissoras previamente aprovadas pelo partido.
Eu própria, lembro-me de pouca coisa. Mas sei que odiava ir a Peniche. [Pelo contrário, ir visitar o meu pai ao Hospital de Caxias era uma festa. Comíamos juntos à mesa e havia um quadro preto com giz onde eu podia desenhar. Chegávamos lá por um caminho de chorões e fazia sol.]
Ó SUA BESTA, IMPORTA-SE DE REPETIR?!!!

17 comentários:

João Lisboa disse...

"Ó SUA BESTA, IMPORTA-SE DE REPETIR?!!!"

Um pouco menos de delicadeza só te ficava bem.

Ana Cristina Leonardo disse...

ACTRACTIVIDADE?!!!!
É preciso ser, no mínimo, um grandessíssimo imbecil.
(corrigi o meu comentário anterior; não gosto de me ouvir a escrever asneiras).
João, tens razão a respeito da delicadeza. O sujeito merecia com um pano encharcado logo à primeira.

sem-se-ver disse...

minha alma tá parva

Anónimo disse...

Eu li o comentário e gostei de te ouvir a dizer *******

Anónimo disse...

JORGE DE SENA

(...) mas creio firmemente que, se há anjos-da-guarda, o meu tem asas verdes, e sabe, para consolar-me, nas horas mais amargas, os mais rudes palavrões dos sete mares.

(últimas palavras de Homenagem ao Papagaio Verde, in Os Grão-Capitães (contos), 1976)

lusiada2008 disse...

Quem disse: «As pessoas normais não sabem que tudo é possível» ?

Anónimo disse...

(Poema de 1970)


PENICHE


Eles julgam-se sós.

E a sua liberdade
já os prendeu a nós.

Ana Cristina Leonardo disse...

lusiada2008, Hannah Arendt?
Manuel, se me permites, ao Jorge de Sena tudo se permite.

Ana Cristina Leonardo disse...

lusiada2008, julgo ter-me enganado. David Rousset?

Luis Eme disse...

é curioso, lembro-me do forte desde pequeno (sou das Caldas...) e sempre o achei enigmático, por estar fechado (apesar do meu avô lá ter estado preso nos anos cinquenta...) e tão perto do mar...

e tem um charme discreto, sim...

Ana Cristina Leonardo disse...

Auswitch tb. tem imenso charme. Principalmente Birkenau, com os seus campos verdes a perder de vista... Por amor de deus!!!

Anónimo disse...

Acho que a frase é do Elie Wiesel.

Luis Eme disse...

deus não tem nada a ver com o assunto.

há várias situações que dão charme ao forte, até a fuga de Cunhal e companhia (o charme dos ratos que enganaram os gatos...).

Ana Cristina Leonardo disse...

lusíada2008, é do Rousset, vem no Universo Concentracionário.
luís eme, charme é coisa agradável, com encanto, que seduz
Não me parece que se adeque, a não ser que estejamos a falar de uma pousada de charme. Esta seria mais depressa histórica (logo, das mais caras), dado o seu passado.

Anónimo disse...

«Auswitch tb. tem imenso charme.»

Então não? E com aqueles forninhos crematórios tão acolhedores quando nos aquecem do frio...

Anónimo disse...

O presidente da Câmara preocupou-se menos em falar "caro" e a coisa saiu-lhe mais clara: "tem que haver uma compatibilização entre as funções da pousada e a preservação da memória da prisão política e do museu da resistência". A ideia de uma prisão de tortura adaptada a turismo de luxo quadra lindamente com o que o Governo tem vindo a fazer em matéria de Turismo, do Allgarve ao Miño -- e aqui uma palavra de não esquecimento para a tenebrosa legislação epidemiológica em aplicação pela ASAE.
Na linha do turismo temático, em vez de Cleyderman no inevitável foyer megalómano à la Enatur, ou no acesso aos quartos, a nova pousada deverá então "compatibilizar-se" e passar gravações de botas cardadas e gritos de agonia. Aceitam-se sugestões de nomes de pessoas a zurzir com alma, para as gravações ganharem em realismo.

Anónimo disse...

Eu nasci la bem perto, quase ao lado e nao consigo la entrar, a imagem do tempo em que la estavam os presos politicos, e das familias que ali passavam a minha porta aos domingos ficaram para sempre gravadas na minha memoria. Para a nova geracao que nao foram testemunhas dessas passagems espere que possam entao gozar da sua paisagem vista do forte (penso que tenho uma paisagem bonita, nunca la fui dentro como disse atraz)e gostaria que se torna-se algo mais do que um triste emblema que tao mau nome deu a Peniche.