16/07/22

GRANDE MULHER! FALO DE MARIA DO CARMO VIEIRA

 «(...) Por infelicidade, anda o poeta Luís de Camões na voz de quem, sem talento e sem estudo, mas também sem compaixão, o menciona, em discursos oficiais, usando-o, agora também, a propósito do acordo ortográfico, ao mesmo tempo que o aviltam porque, na verdade, nunca o leram, nem alguma vez compreenderam o significado da sua obra. Augusto Santos Silva, actual Presidente da AR (e na mira talvez do salto para uma Presidência da República), sendo ministro dos Negócios Estrangeiros, sob cuja tutela se encontra o Instituto Camões, referiu, no intuito de justificar o acordo ortográfico, “não pertencer ao grupo que apelida o português de língua de Camões”, preferindo dizer língua de Pepetela, de Mia Couto ou de Clarisse Lispector. Não merecia Luís de Camões tanto desprezo, mas está na natureza dos que, sem descanso, lutam por se manter sempre em bicos-dos-pés. Cansativo, mas compensador.

O certo é que o ministro da Cultura não deixou também de mencionar o poeta, em Maio p.p., em Angola, e transcreverei as suas palavras, como um portentoso exemplo da ignorância reinante e do uso que se faz da política, servindo-me de novo da crónica do jornalista Nuno Pacheco: “Temos sempre uma língua viva, dizemos que é a língua de Luís de Camões. O português que falamos hoje tem muito pouco a ver com o que era falado por Luís de Camões, a ortografia d’ Os Lusíadas tem aspectos que não são os que nós consideramos a norma.”

Teria sido oportuno que Adão e Silva continuasse a sua explicação colegial sobre a língua de Camões, desenvolvendo também os tais “aspectos” a que se refere. Ficou-se contente por ali, certo de ter feito boa figura e compreendido o recado há muito recebido (é assim o contágio) de Augusto Santos Silva de quem a anterior ministra da Cultura também tinha medo a ponto de titubear o paradoxal: não ser o AO uma matéria do seu ministério. E para fechar o ramalhete, lembrar que João Costa também não nutre grande afeição por Luís de Camões. Na reforma de 2003, juntamente com a Associação de Professores de Português (APP), apoiou a saída de toda a Literatura dos programas de Português, excepção feita para os alunos que seguiriam Humanidades, o que felizmente não aconteceu devido à polémica suscitada.

A Literatura acabou, no entanto, por ceder o lugar “à competência da comunicação” e à “funcionalidade da Língua”, preconizando-se por isso “uma simplificação dos conteúdos literários”. E assim, no Programa de Português do 10.º ano, fomos surpreendidos com a sugestão da “leitura de dois ou três sonetos de Luís de Camões”, “escolhidos de entre os melhores” (sic), com a preocupação de que os mesmos se incluíssem em “textos de carácter autobiográfico”. Foi ainda João Costa, inventor da TLEBS (nunca é demais dizê-lo) e acérrimo defensor do “funcional”, do “real” e do presente, quem defendeu, na Gulbenkian e na televisão, que os professores não deveriam “perder tempo a contextualizar um autor e a sua obra”, perguntando jocosamente de que serviria aos alunos “saber que um escritor nascera em Freixo-De-Espada-À-Cinta”? (...)»

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