«... Diz-se que o mundo, a propósito das tensões a Leste [...] assiste a uma corrida aos armamentos. Entre nós, a propósito do Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses 2020, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian ao Instituto de Ciências Sociais, assistiu-se, dir-se-ia, a uma corrida às estantes. Falamos, claro, do conteúdo reservado às práticas culturais relacionadas com a leitura.
Escândalo! Vergonha! Alarme! — repercutiu-se estrondosamente das trincheiras minhotas às algarvias, ilhas adjacentes incluídas. 61% dos portugueses não leram um único livro impresso em 2020 e a leitura em formato digital ficou-se pelos 10%. O horror! O apocalipse! E perante tal rasgar de vestes que não de páginas, apetece perguntar: e novidades, há?
A pergunta não é retórica nem pretende ter graça. Desgraçadamente, num estudo a pedido da Comissão Europeia, realizado entre 22 de Agosto e 27 de Setembro de 2001, concluía-se que Portugal apresentava os piores resultados no que respeita a hábitos de leitura: 67% dos cidadãos assumiam que não tinham lido nenhum livro nos doze meses anteriores. Em 2007, a percentagem descia para 57,8%; em 2011 subia para 59,5%, sempre na penúltima posição mais gravosa, a última a manter-se na Roménia. Em 2016, chegava-se aos 62%, taco a taco com os valores apresentados pelo recente Inquérito… referente a 2020. Perante os números, a conclusão não é difícil, mesmo para quem aplauda a frase que Mark Twain atribuiu (indevidamente, parece) ao primeiro-ministro britânico Benjamin Disraeli, “There are three kinds of lies: lies, dammed lies, and statistics”. E a conclusão é esta: para onde quer que se olhe, por onde quer que se espreite, há décadas que mais de metade dos portugueses não pega num livro.»
2 comentários:
É uma pena que nem todos possam ler a sua crónica desta sexta. Voltei a lê-la.
Quanto é que republica??
Pode espalhar a palavra... :)
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