1) Comece o escritor por ser um leitor curioso, variado e insaciável, capaz de ser «autor dos livros que lê», na expressão esclarecida de Óscar Lopes.
2) Há coisas que não se escrevem, nem sob tortura. Frases como um «rapaz alto e espadaúdo», «lábios vermelhos como cerejas», ou incipits como «tudo começou quando», são admissíveis em clave de ironia ou de apelo à cumplicidade do leitor. Se não, revelam o autor ingénuo, em demanda de leitor apropriado.
3) Aprenda-se com os mestres. Ainda com aqueles de quem não se goste, ou com quem não existam afinidades de imaginário, prosa ou família literária. Quer para os rejeitar (ou exorcizar) ou para os incorporar, impõe-se não serem esquecidos. A literatura não se inventa a cada instante. Reinventa-se.
4) As neves de antanho são despachadas a derreter. Em menos de uma geração estalam e desfazem-se as gloríolas literárias. É sensato ser circunspecto, quer em relação ao sucesso próprio, quer ao dos outros. Têm vocação de fugazes e frágeis.
5) Nunca se deve lisonjear o leitor. Apostar na moda é condenar-se àquilo que já passou.
6) Guardar-se de palavras fortes sobre a matéria, tais como «fulgor», «assombro» e «sublime» e adjectivos derivados. A literatura e a arte situam-se nas zonas do indizível a que as palavras não chegam. Por isso elas descaem, quando são forçadas.
7) A literatura não é sagrada, nem precisa de altares, santinhos, beatos e beatas. Mesmo o texto mais solene e dorido tem um fio lúdico que bule com o entranhado instinto de jogo dos humanos.
8 - Há que valorizar o ofício, a técnica, a velha techné dos antigos, o domínio cuidado e rigoroso sobre os materiais. Essa é a arte em que falavam os Gregos, emparelhada com o engenho, ou inventiva.
9) As teorizações e doutrinas vêm após o texto e exercem-se sobre ele. Quando se tenta o contrário, nem sempre dá bom resultado. Está para se saber se uma hiperconsciência do texto será ou não inibidora.
10) A língua com que trabalhamos apresenta variadíssimas panóplias de recursos. Nenhum deles está vedado ao autor que pode, até, escolher as soluções mais rudimentares. Mas que o texto resulte sempre de uma opção livre e não de uma ignorância limitadora.
11) Considerar que no jardim do Senhor há muitas tendas, como diz a Bíblia algures, ou, se não diz, podia dizer. Com os outros, aprende-se sempre alguma coisa. Pode ser que a criação de espaço e as demarcações impliquem algum alarido. Mas ponderadas em termos históricos, para já não dizer sub specie aeternitatis, soam um bocado a chocalho. Pode, aliás, ser um bom exercício formativo, o de encontrar qualidade naquilo de que se não gosta.
12) Todas as firmações peremptórias sobre literatura estão erradas. E, como no célebre paradoxo do cretense, se calhar, esta também está errada. Bem como as anteriores. Mas não deixa de ser curioso verificar que o gosto da frase bombástica e assertiva denuncia desde logo o outsider ou o parvenu.
[Roubado da página do Facebook do Mário de Carvalho]
26/10/13
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4 comentários:
Vou-te gamar :P
O ponto 7 é obra :)
A voz do mestre. Poucos escrevem como Mário de Carvalho -- embora me pareça que anda a ficar preguiçoso. A Arte de Morrer Longe desagradou-me. Bem escrito, mas fraca história.
Ele era muito bom.
E assim esteve muitos anos, sem se levar muito a sério nem ao mundo.
Agora está a ficar esquisito.
Aquela PÁGINA DO ESCRITOR NO FACE faz-me comichão nos neurónios.
Um dia foi um livro de contos que acabei por perder num café.
Depois esta arte que teve o condão de nem chegar ao balcão. Desisti. Vou esperar pelo próximo.
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