A ironia
será uma inclinação do espírito, antes de ser instrumento literário ou rasgo de
retórica. Proudhon, anarquista que ousou escrever que a propriedade é um roubo ainda
os famigerados hedge funds não
tinham sido inventados, chamou-lhe garante de liberdade.
Palavra antiga, virá de
Sócrates, embora não seja certo que o filósofo estivesse a ser irónico quando, bebida
já a cicuta, tem como derradeiras palavras “eu devo um galo a Asclépio”, sendo Asclépio o deus grego da saúde.
Mas se na sua forma socrática a ironia parecia buscar a verdade, no nosso tempo
ter-se-á deixado disso.
Vivemos no caos e não será o busão de Higgs a
livrar-nos do embaraço, tanto mais que o nobel Leon
Lederman lhe chamou originalmente, “the goddamn particle” a partícula maldita,
e não “a partícula de Deus” como ficou conhecida. Suprema ironia!
Dito isto, o caos – e não é
preciso ser tão metódico com Kant para o reconhecer – é duro de aguentar. Nem
todos teremos suficiente sageza para levar a ironia, literalmente, até ao fim,
à imagem do “pai da filosofia” ou, bem mais perto de nós, de Jack Daniel,
criador do whiskey homónimo que já na recta final ainda conseguiu pedir, e sem
perder as maneiras, “one last drink,
please”.
Acresce ainda que, enquanto na Antiguidade socrática havia dúvidas,
na Modernidade socrática jorraram dívidas.
Sem
razões para descrer da recente exegese camoniana-tomista do Primeiro-Ministro,
a qual tudo complica – há "uma corrente que nos arrasta para trás (…) mais
poderosa do que os ventos que nos impelem para a frente" –, restar-nos-á o
consolo da filosofia de que falava Boécio.
Isso, ou irmo-nos inclinando até
cair, porque afinal, parafraseando o poeta, gracejar sempre também cansa.
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