08/10/12

“Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses”


A ironia será uma inclinação do espírito, antes de ser instrumento literário ou rasgo de retórica. Proudhon, anarquista que ousou escrever que a propriedade é um roubo ainda os famigerados hedge funds não tinham sido inventados, chamou-lhe garante de liberdade. 
Palavra antiga, virá de Sócrates, embora não seja certo que o filósofo estivesse a ser irónico quando, bebida já a cicuta, tem como derradeiras palavras “eu devo um galo a Asclépio”, sendo Asclépio o deus grego da saúde. Mas se na sua forma socrática a ironia parecia buscar a verdade, no nosso tempo ter-se-á deixado disso. 
Vivemos no caos e não será o busão de Higgs a livrar-nos do embaraço, tanto mais que o nobel Leon Lederman lhe chamou originalmente, “the goddamn particle” a partícula maldita, e não “a partícula de Deus” como ficou conhecida. Suprema ironia! 
Dito isto, o caos – e não é preciso ser tão metódico com Kant para o reconhecer – é duro de aguentar. Nem todos teremos suficiente sageza para levar a ironia, literalmente, até ao fim, à imagem do “pai da filosofia” ou, bem mais perto de nós, de Jack Daniel, criador do whiskey homónimo que já na recta final ainda conseguiu pedir, e sem perder as maneiras, “one last drink, please”. 
Acresce ainda que, enquanto na Antiguidade socrática havia dúvidas, na Modernidade socrática jorraram dívidas. 
Sem razões para descrer da recente exegese camoniana-tomista do Primeiro-Ministro, a qual tudo complica – há "uma corrente que nos arrasta para trás (…) mais poderosa do que os ventos que nos impelem para a frente" –, restar-nos-á o consolo da filosofia de que falava Boécio. 
Isso, ou irmo-nos inclinando até cair, porque afinal, parafraseando o poeta, gracejar sempre também cansa. 

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