Não era no tempo em que os animais falavam, mas decerto bastante anterior à decisão de proibir o fumo à mesa dos restaurantes. Veneziana, há muito que seria de mau-gosto perguntar-lhe a data de nascimento e, ainda assim, a sua presença não passaria despercebida ao mais míope dos comensais.
Mistura improvável de Anna Magnani com Monica Vitti, tendo terminado le pere al vino rosso, lançou-me um wildeano le dispiace se fumo? e eu, incapaz de contrariar uma senhora que teria sobrevivido pelo menos a duas guerras mundiais, limitei-me a um gesto de assentimento por ter a boca cheia e a infeliz mania de confundir italiano com espanhol. Acendeu o cigarro com o que me pareceu uma boa dose de volúpia e rematou enfumaçada: “Hábito novo, o de perguntar. Afinal, eu sou do tempo em que os homens fumavam charuto e andavam a cavalo”.
A primeira vez que presenciei a polícia de choque em manobras os homens já não andavam a cavalo, salvo a força da GNR e os campinos da lezíria ribatejana.
Festival de Jazz de Cascais, creio que 1973. A polícia carregou e um dos espectadores, intercalando a fuga com paragens momentâneas para insultos à autoridade, perdeu sucessivamente terreno até acabar no chão sob uma saraivada de golpes.
Não seria a única vez que tive o desprazer de ver cassetetes ao vivo e a cores. Confesso que nunca me habituei. Ainda hoje é uma coisa que me chateia. Afinal, até a pancadaria tem regras.
Se der um estalo não é suposto levar um tiro em resposta. Se tirar uma fotografia, não é suposto levar chibatadas ou acabar no hospital. Jornalista ou não jornalista. Falo da regra da proporcionalidade de que já falava Aristóteles, um apreciador da arte equestre que nada sabia de charutos.
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3 comentários:
Bom dia Ana Cristina,
Acabei de ler o seu artigo de hoje no Actual do Expresso. Dou-lhe os meus parabéns! Não quero alongar-me em elogios, sou apenas uma amadora da literatura, não uma expert. Mas como a entendo! É preciso lutar contra a corrente, mesmo que saibamos que é uma luta perdida.
Maria Alves
Muito obrigada, Maria Alves
Também eu li e já agora aproveito para dar uma novidade, após comprar o Expresso, vou ler a critica do José Quitério, depois a do João Paulo Martins, segue-se a dona do blog e termino com Manuel S. Fonseca e só depois já cheiinho dou atenção ao resto onde há muito lixo.
O escritor referido é um petulante que achou piada em decepar todas as maiúsculas e por isso não gosto de nenhum livro dele do qual aliás nada li.
Aproveito este momento para colocar uma questão existencial.
Sabendo-se que um crítico(a) é notoriamente de esquerda, seja lá o que isso for, podemos acreditar que a recensão que faz de qualquer obra não transporta consigo uma visão política em detrimento da parte literária.
Espero ter colocado bem questão que de tão complexa tive que a reescrever doze vezes a exemplo do que o comunista Saramago fazia nos seus textos.
Obrigado.
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